Fátima Oliveira: Direito de escolha de médico e acomodação em internação SUS

Tempo de leitura: 3 min

Fátima Oliveira, em Jornal O TEMPO
Médica – [email protected] @oliveirafatima_

Escreverei alguns artigos sobre o direito de escolha de acomodação e de médico em internação SUS. Não vejo o tema como proibido, mas o debate tem sido interditado sob a pecha sectária de “SUS pra pobre e SUS pra rico”.

Recentemente, fui abordada pela filha de uma doente, há dias no corredor, que reivindicava para a mãe um lugar decente. Disse-lhe que eu desejava o mesmo, porém não havia vaga para interná-la. Retrucou que, embora não pudesse arcar com internação particular, podia pagar um quarto só para ela. Discorri sobre as bases oficiais da impossibilidade de concretizar seu desejo.

Revoltada, gritou: “Doutora, é um absurdo autoritário o SUS impedir que eu pague, e está dentro de minhas posses, uma acomodação digna para minha mãe, à beira da morte”.

Relatarei, sucintamente, um fato similar. No começo de 2003, num plantão de domingo, lotado pelas tabelas, até a “maca de parada” ocupada, fui chamada à recepção para atender a duas pessoas que se diziam conhecidas minhas e que se apresentaram como um amigo e um irmão do presidente Lula. Resumindo: eu os conhecia dos meus tempos de Sampa. O amigo era um deputado do PT (SP) e o irmão, o Frei Chico. Após animados “como vai?”, passando pelas macas com doentes nos corredores, chegamos à sala de coordenação.

O deputado falou que estavam em BH em visita a um irmão do presidente que estava internado, mas estavam horrorizados com a precariedade da higiene da enfermaria e as dificuldades da família para ficar mais tempo com ele, então, pelo conjunto da obra, desejavam transferi-lo. O doente desejava ser tratado no que considerava o melhor lugar: ali onde eu trabalhava.

Sem saber por onde começar, mas sem rodeios, falei que, naquele “inferno de Dante” que eles atravessaram, 80% a 90% das pessoas aguardavam internação, algumas há dias. Transferir um doente internado num hospital SUS, onde também havia oncologia, fugia da minha competência, pois o acesso à internação no SUS se dá onde há vaga. Concordaram. E que não havia lógica em desinternar um doente para levá-lo para um pronto-socorro, onde nem maca livre havia! Concordaram.

Insistiram. Desejavam que o doente fosse internado numa acomodação com algum conforto e menos sofrimento também para os familiares. Foi especulado o pagamento de “diferença de apartamento”. Respondi que tal possibilidade foi extinta quando o Inamps virou SUS. O deputado foi aos finalmente: “Se aqui não há vaga pelo SUS, ele pode ser internado particular?”.

Disse-lhe que não sabia, pois no pronto-socorro não havia atendimento particular, mas os acompanharia ao setor de internação para maiores informações. Fomos. Hospital lotado, mas, à tarde, um apartamento estaria vago. O doente foi internado naquela tarde pelo médico escolhido pela família, após o depósito exigido, em cheque, emitido pelo deputado, pelo qual eu me responsabilizei, acho que por escrito, por ser cheque de São Paulo, garantindo, assim, a internação particular.

A história do irmão do presidente internado “particular” virou uma bola de neve. Queriam detalhes. E se o cheque voltar, você vai pagar? Ao que eu respondia tranquilamente que ele fora admitido não no pronto-socorro, mas no hospital, com escolha de médico e acomodações exigidas por quem estava pagando pela internação. E assim foi!

Pergunto: escolher médico(a) e acomodação de maior conforto extingue o direito universal de internação pelo SUS? Sendo o SUS de todos, para pobres e para ricos, a regra é democrática ou totalitária?

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Comentários

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francisco pereira neto

Concordo com as colocações da Mari.
Só não entendi as expressões “gente da esquerda” e “expoentes da esquerda médica”.
Lutar ou defender o que parece ser justo, é ser de esquerda?

Maria das Graças Reis

Com certeza a medida traria de volta a classe média para o SUS em benefício de todos, já que a classe média tem maior poder reinvidicatório. O SUS é direito de todos os brasileiros, igualmente. O igualmente é o que o SUS oferece, agora se a pessoa pode escolher o local onde deseja ficar e pode pagar por ele, nãos e trata de discriminação de nenhum tipo. O Brasil é uma país capitalista e nele há classes sociais, desconehcer isso na hora de uma internação é pura burrice.

Mari

Li seu artigo em vários locais, desde o dia em que foi publicado, 29 de maio. Raramente não concordo com suas ideias, mas agora tive dúvidas, e não escrevi nenhum comentário. Hoje estou arriscando, pois pude ler, procurando na internet, uma opinião de gente de esquerda, como você, que é favorável, o que me fez refleti que eu passei foi por uma lavagem cerebral no assunto, mas espero retomar a lucidez, com a ajuda também de comentários como o do senhor Torreal.
Quer dizer, a gente tem de estar com a mente livre para outras opiniões a respeito de um assunto.

“Já tivemos, igualmente, a iniciativa de encaminhar Indicação ao Ministério da Saúde pleiteando a edição de uma Portaria disciplinando e criando um novo ordenamento para a questão. Na ocasião, lembramos que o antigo INAMPS desde 1974 previa essa opção e que com a instituição do SUS, em 1990, ela permaneceu vigendo até agosto do ano subseqüente.
Tal entendimento, equivocado em nossa opinião, levou ao descredenciamento de numerosos estabelecimentos hospitalares ou de unidades assistenciais dentro de hospitais, bem como de profissionais experientes, com prejuízos evidentes para a população.
Tal fato é reconhecido até por expoentes da esquerda médica, como o Prof. Ricardo Macedo, ex-presidente do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais, que em recente entrevista aponta a proibição imposta à opção de complementação de honorários e despesas como a definitiva expulsão da classe média do Sistema Único de Saúde. Essa expulsão teve como conseqüência direta a transformação do SUS num sistema para os pobres retirando dele a camada social com maior poder de reivindicação”.

(Voto do relator sobre o PL do Deputado Dr. FRANCISCO GONÇALVES)

Alberto

Apenas para ajudar no debate, com a devida permissão do amigo Torreal, de Goiânia (e ele não é amigo de Cachoeira e nem de Demóstenes!), repito o seguinte comentário de O TEMPO, de 29/05/2012:

Torreal
Goiânia – GO

Doutora Fátima: A regra fundamental, entendo, deve ser a de atender às necessidades do povo. O SUS foi criado para assistir à saúde de nossa população. De toda ela. Democraticamente. Do mesmo jeito, seja o paciente rico, pobre ou remediado, irmão ou filho do presidente. Ou até o próprio presidente. Agora, não será na hora de internar um familiar doente, hora de preocupação, angústia e sofrimento, que vamos acabar com todas as detestáveis diferenças sociais, agindo em único setor, um só, da vida nacional. Quem puder e quiser que pague melhores acomodações para seu enfermo. Mas, enquanto isso, cuidemos, sempre, com empenho verdadeiro, dispensar o maior conforto e comodidade a quem recorra ao SUS, como merece qualquer cidadão que, aliás, já pagou, por antecipação, aquilo que ainda vai receber.

http://www.otempo.com.br/otempo/colunas/?IdColunaEdicao=18782

Alberto

Para os que dizem que a complementação por escolha de médico e de apartamento era uma exorbitância, digo valor da complementação era normatizado
1. Para o médico: permitida era cobrança de até uma vez a tabela do INAMPS(ou seja de quanto o INAMPS pagava ao médico; e

2. A diferença de apartamento era o preço do apartamento naquele dia, menos o valor da diária que o INAMPS pagava ao hospital

Alberto

Comentário que postei em O TEMPO, em 29 de maio de 2012:

Concordo com a complementação pelo usuário de uma internação SUS em apartamento e escolha de médico. O direito de todos continua igual: o SUS custeia a internação, mas se quiser escolher médico e quarto privado, que pague. Não poder complementar pelo médico que escolhe e pelo apartamento é totalitarismo, usurpação do direito universal ao SUS. Se não estou enganado foi Collor que retirou este direito para beneficiar os Planos de saúde, foi desde então que a classe média rumou para os planos em massa, deixando inclusive o SUS sem vozes reivindicatórias de peso. Ou seja, proibir a complementação do suário SUS quando opta por escolher médico e acomodação só ajuda os planos de saúde

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