Emir Sader: Trincheira neoliberal, shopping é “paraíso sem povo”

Tempo de leitura: 4 min

13/01/2014 – Copyleft

Os shopping-centers, utopia neoliberal

Quase já se pode nascer e morrer num shopping. Só faltam a maternidade e o cemitério, porque hotéis já existem.

por Emir Sader em 13/01/2014 às 14:12, na Carta Maior

Na sua fase neoliberal, o capitalismo implementa, como nunca na sua história, a mercantilização de todos os espaços sociais. Se disseminam os chamados não-lugares – como os aeroportos, os hotéis, os shopping-centers –, homogeneizados pela globalização, sem espaço nem tempo, similares por todo o mundo.

Os shopping-centers representam a centralidade da esfera mercantil em detrimento da esfera pública, nos espaços urbanos. Para a esfera mercantil, o fundamental é o consumidor e o mercado. Para a esfera pública, é o cidadão e os direitos.

Os shoppings-centers representam a ofensiva avassaladora contra os espaços públicos nas cidades, são o contraponto das praças públicas. São cápsulas espaciais condicionadas pela estética do mercado, segundo a definição de Beatriz Sarlo. Um processo que igualiza a todos os shopping-centers, de São Paulo a Dubai, de Los Angeles a Buenos Aires, da Cidade do México à Cidade do Cabo.

A instalação de um shopping redesenha o território urbano, redefinindo, do ponto de vista de classe, as zonas onde se concentra cada classe social. O centro – onde todas as classes circulavam – se deteriora, enquanto cada classe social se atrincheira nos seus bairros, com claras distinções de classe.

Os shopping, como exemplos de não-lugares, são espaços que buscam fazer com que desapareçam o tempo e o espaço – sem relógio e sem janelas — , em que desaparecem a cidade em que estão inseridos, o pais, o povo.

A conexão é com as marcas globalizadas que povoam os shopping-centers de outros lugares do mundo. Desaparecem os produtos locais – gastronomia, artesanato –, substituídos pelas marcas globais, as mesmas em todos os shoppings, liquidando as diferenças, as particularidades de cada pais e de cada povo, achatando as formas de consumo e de vida.

O shopping pretende substituir à própria cidade. Termina levando ao fechamento dos cinemas tradicionais das praças publicas, substituídos pelas dezenas de salas dos shoppings, que promovem a programação homogênea das grandes cadeias de distribuição.

O shopping não pode controlar a entrada das pessoas, mas como que por milagre, só estão aí os que tem poder aquisitivo, os mendigos, os pobres, estão ausentes. Há um filtro, muitas vezes invisível, constrangedor, outras vezes explicito, para que só entrem os consumidores.

Nos anos 1980 foi organizado um passeio de moradores de favelas no Rio de Janeiro a um shopping da zona sul da cidade. Saíram vários ônibus, com gente que nunca tinham entrado num shopping.

As senhoras, com seus filhos, sentavam-se nas lojas de sapatos e se punham a experimentar vários modelos, vários tamanhos, para ela e para todos os seus filhos, diante do olhar constrangido dos empregados, que sabiam que eles não comprariam aqueles sapatos, até pelos seus preços. Mas não podiam impedir que eles entrassem e experimentassem as mercadoras oferecidas.

Criou-se um pânico no shopping, os gerentes não sabiam o que fazer, não podiam impedir o ingresso daquelas pessoas, porque o shopping teoricamente é um espaço público, aberto, nem podiam botá-los pra fora. Tocava-se ali no nervo central do shopping – espaço público privatizado, porque mercantilizado.

O shopping-center é a utopia do neoliberalismo, um espaço em que tudo é mercadoria, tudo tem preço, tudo se vende, tudo se compra. Interessa aos shoppings os consumidores, desaparecem, junto com os espaços púbicos, os cidadãos. Os outros só interessam enquanto produtores de mercadorias. Ao shopping interessam os consumidores.

Em um shopping chique da zona sul do Rio, uma vez, uns seguranças viram um menino negro. Correram abordá-lo, sem dúvida com a disposição de botá-lo pra fora daquele templo do consumo. Quando a babá disse que ela era filho adotivo do Caetano Veloso, diante do constrangimento geral dos seguranças.

A insegurança nas cidades, o mau tempo, a contaminação, o trânsito, encontra refúgio nessa cápsula, que nos abriga de todos os riscos. Quase já se pode nascer e morrer num shopping – só faltam a maternidade e o cemitério, porque hotéis já existem.

A utopia – sem pobres, sem ruídos, sem calçadas esburacadas, sem meninos pobres vendendo chicletes nas esquinas ou pedindo esmolas, sem trombadinhas, sem flanelinhas. O mundo do consumo, reservado para poucos, é o reino absoluto do mercado, que determina tudo, não apenas quem tem direito de acesso, mas a distribuição das lojas, os espaços obrigatórios para que se possa circular, tudo comandado pelo consumo.

Como toda utopia capitalista, reservada para poucos, porque basta o consumo de 20% da população para dar vazão às mercadorias e os serviços disponíveis e alimentar a reprodução do capital.

Mas para que essas cápsulas ideais existam, é necessário a super exploração dos trabalhadores – crianças, adultos, idosos – nas oficinas clandestinas com trabalhadores paraguaios e bolivianos em São Paulo e em Buenos Aires, em Bangladesh e na Indonésia, que produzem para que as grandes marcas exibam as roupas e os tênis luxuosos em suas esplendorosas lojas dos shoppings.

O choque entre os mundo dos shoppings e o dos espaços públicos remanescentes – praças, espaços culturais, os CEUS de São Paulo, os clubes esportivos públicos – é a luta entre a esfera mercantil e a esfera pública, entre o mundo dos consumidores e o mundo dos cidadãos, entre o reino do mercado e a esfera da cidadania, entre o poder de consumo e o direito de todos.

É um enfrentamento que está no centro do enfrentamento entre o neoliberalismo e o posneoliberalismo, entre a forma extrema que assume o capitalismo contemporâneo e a formas de sociabilidade solidaria das sociedades que assumem a responsabilidade de construir um mundo menos desigual, mais humano.

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Comentários

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Rodrigo M. Fernandes

Óbvio que a coisa toda é um factóide. Estamos diante da briga de irmãos, o trabalhismo fabiano petista e a social democracia eugenista tucana. No entanto, o ponto sempre será computado para os marxistas, por mais obtuso que seja, o comunismo em algum momento se torna a única posição compreensível e acessivel a jovens confundidos. Quem gosta de miséria? Quem gosta de ver gente feia, mal vestida, mal educada? A presença de jovens da periferia de forma relativamente ordenada em Shopings é uma transgreção aos sentidos burgueses,e mesmo a coisa toda sendo urdida e manipulada, é muito bom ver o sistema se ferrar minimamente vez ou outra, mesmo que de mentira.

Fernando

Rico não vai pra shopping, vai pra Europa fazer compra.

Shopping é onde vai o povão brasileiro beneficiado pelas políticas de distribuição de renda dos governos Lula e Dilma.

Viva a democratização do consumo!

Regina Braga

O shoddoping é muito bom, para alguns cearenses…vazio,refrigerado,branquinho,higienizado…um lugar digno dos deuses…um atrativo, para qualquer mortal, que não conhece o Olimpo.Mas o Olimpo, deixou de existir e só restou o humano.E com os neo alguma coisa,tbém vai acontecer o mesmo.O povo está mais atrevido.Que coisa feia!!!

Debora

E bem isso mesmo.Eu ensino o meu filho desde ja enquanto e pequeno, a nao se iludir com esse mundo de ilusoes que muitas vezes nao leva a nada.

Luís Carlos

O shopping não é da rede do Tasso Gereissati do PSDB? A polícia que mata negros da periferia de SP não do tucano Alckmim? Ah tá.

Arnaldo F

Essa ligação dos shoppings com o “capitalismo” é muito diferente do que é apresentado. Nenhuma cidade do mundo capitalista central baseia seu comércio varejista em shoppings centers, nem mesmo nos EUA.
Este é um problema do Brasil (que talvez se repita na Ásia, mas sob outro contexto).
Na cidade de São Paulo há 63 shoppings de grande porte, 1 shopping para 170 mil habitantes, muitos deles instalados na área central da cidade, como Paraíso, Bela Vista, Higienópolis e Centro. Isso é impensável na Europa ocidental e nos EUA.
O conceito de centro de compras (originalmente chamado ‘mall’) – assim como o hipermercado – foi criado em outro contexto (atender às necessidades dos subúrbios ultra desadensados), e não como substituto do comércio de rua nas áreas adensadas, comércio que as autoridades dos países centrais procuram proteger.
Os brasileiros instrumentalizaram (e deturparam) o conceito original do mall para servir aos seus (deploráveis) propósitos internos, não porque o capitalismo assim o determina.

    rodrigo

    Perfeito.

Mardones

Quando é que o passeio ao shopping em grupo, organizado pela rede de computadores, vai se transformar num passeio ao Congresso Nacional ou Assembléia Legislativa em dia de discussão de projetos ou de votação?

jose

As pessoas estão usando Branco isso, branco aquilo, branco classe média, branco classe alta, branco bem nascido etc A coisa está ficando muita estranha.

    Paulo André

    tática comunista de fazer pessoas se odiarem. Eles estão tentando me calar! Não conseguirão! nem 100 paulos nogueiras e azenhas chegarão até mim.

    Francisco

    Esse papo de vocês, parece papo de branco…

Lucas G.

nossa, já tem petista desconfiando que rolezinho é intriga da oposição.

Renato

Eu discordo do Autor do Texto. Shopping é espaço privado, então se esses bandidos querem fazer rolezinhos. Tá certo o proprietário impedir com liminar. Eu faria isso.
E mais contrataria seguranças fortemente armados para matar.

    Christiano Almeida

    Saia da shopping e pense. Um pouco!

Fabio Passos

Sensacional.
Emir Sader acertou na veia!
Menos shopping e mais praças públicas!

Heitor

O episódio do shopping demonstra algo que já havia sido dito: o PT não educou politicamente, sociologicamente, filosoficamente, sua base de apoio. Penso assim pois vejo muita gente falar em igualdade de condições. Mas ora, criticamos o capitalismo desde sempre e agora estamos pedindo igualdade de condições? Não!!! O correto teria sido educar esta parcela da população para não deixar se seduzir pelo CONSUMO FÚTIL, ou seja, pagar 600 reais em tênis da moda, 1000 reais em celular da moda, ou quem sabe 300 reais numa camisa de “grife” que deve ser costurada por algum pobre boliviano em algum cubículo de SP.

Hildermes José Medeiros

O Professor que me perdoe, mas não dá nem de longe para defender essa fajuta luta de classes, que vem sendo colocado por alguns que se dizem de esquerda, mas como não se trata na realidade de embate entre estratos da população como querem, porque muitos dos manifestantes (ou seriam militantes a serviço de uma linha política, que não é a Democracia)na realidade querem criar um fato político. Para desconfiar, basta ver o tratamento isento da mídia. Lembra o tratamento que de início dava às manifestações de junho de 2013, onde os black blocks deitaram e rolaram.Desde quando o espaço dos Centros de Compras é via pública? Desde quando fazer compras nesses locais, participando de tudo que possa estar sendo ofertado além de mercadorias, serviços diversos, refeições deve ser feita com pessoas, que nem se conhecem, às centenas, que se reúnem no estacionamento,convocadas pela internet, para adentrar num espaço que pode ser frequentado por multidões, mas nunca aos berros, gritando palavras de ordem, correndo e pulando, escalando onde quiserem? Não tem o mínimo sentido apoiar tamanha estultície. Os Centros de Compras não estão, mas nem de longe, agredindo direitos de cidadães, de seus consumidores. Essa pincelada dizendo que os Centros de Compras seja produto do neoliberalismo não se sustenta. Antes de Tatcher iniciar o reinado neoliberal na década de 1970 esses estabelecimentos já existiam. Se a pequena teorização for no sentido de dizer que o capitalismo por atender somente parte da população, deixando a maior pobre e marginalizada, condição que exige o isolamento daqueles excluídos, nos lugares frequentados pelos favorecidos embora simplório não está errado. Atente professor, o Brasil em várias dimensões é um dos maiores países capitalista do mundo. São Paulo, onde ocorrem os eventos, idem como cidade. Nossa vitrine capitalista. A cidade que de certa forma exerce o imperialismo interno, pondo todos à serviço de seu crescimento. Para mim o mais desconectado da realidade, que para existir muitos pagaram com a vida e a liberdade, e ainda alguns pagam (A Ação Penal nº 470 mostra a exaustão). Devemos prestar a atenção, pela proximidade das eleições, e das perspectivas de Dilma ser reeleita já no primeiro turno, que tudo que a oposição legal e os que não mostram a cara, à direita e à esquerda quer é conturbar o país, para tanto contando com os préstimos da mídia.

Luís Carlos

Sobre o que ocorreu esta noite em SP com inúmeros ônibus queimados, vão pedir intervenção federal também? A Folha e Veja se calarão ou pedirão para SP o mesmo tratamento que pediram para o MA? Vale lembrar que isso já virou rotina em SP. Todo ano tem e ninguém pediu intervenção. E agora Folha e Veja? Coerência nenhuma, claro!?!
Sobre os shoppings de SP, de novo, a polícia do Alkcmim batendo forte, em negros da periferia. Ele disse que vai mandar apurar. Do mesmo jeito que mandou apurar o “trensalão”, mantendo acusados e suspeitos nos cargos?

Marcela

Sader, não curto muito shopping, mas tenho visto certa democracia de classes nos shoppings do RJ, em especial no Barrashopping (localizado, como se sabe, em plena Barra da Tijuca – bairro mais elitizado da cidade, porém próximo à zona oeste). Lá se juntam consumidores e gente que só quer passear vindas tanto da Cidade de Deus como da Riviera dei Fiori. Há também numerosos shoppings nos subúrbios e periferias, como se sabe, frequentados majoritariamente por gente de lá mesmo. Então, ao que parece, o problema não é o shopping em si, mas um movimento que tenta copiar o que ocorre na Europa pós-crise, de desobediência civil e saques a mercados e centros de consumo como shopping-centers. Temos que importar isso? Claro, nada de impedir acesso, reprimir com botas ou discriminar – mas quando há excessos e delitos, devem ser tolerados? Não me considero rica e nem sou fã de shopping, mas acho que o objetivo é político, em um ano de eleições e Copa.

    Luiz Bento – Repres. comercial

    Nada disso, acho que o Emir está corretissimo em sua analise. Tanto em zona nobre como periferia, os shoppings buscam aquela segurança e tranquilidade que as ruas não oferecem. Tudo tem um custo, banheiros limpos, segurança, opções organizadas, cinema, alimentação, como se você estivesse andando dentro de sua propria casa, ou quase. Lá fora, o mundo cruel, abandonado e disponivel pra ralé que não tem dinheiro, que não trabalha, que vivem como parasitas armados e assassinos. Nós os criamos, nós os fabricamos, com a nossa ganancia, com a nossa poltica de exclusão, de priorizar lucros e de preferencia sonegando e reclamando sempre dos impostos altos que serviria para educar melhor esses “vermes”. Fazer o que^Matá-los, exterminá-los é contra a Lei, mas não é proibido colocar cercas de arame.

    Francisco Cavalcante Souto

    De acordo. Complementou o texto principal. Parabéns!

    lukas

    Pô, Marcela, que história é esta de confrontar a mistificação do Emir com a realidade?

    Mauro Bento

    Eleição,tudo se resume na ilusão eleitoral.
    Lembro que no final do 2ºmandato do FHC em toda aparição pública do Cardoso tinha manifestação contrária e vaias do PT,do MST e dos Sindicalistas, o PIG denunciava como armação de campanha eleitoral,mas os “progressistas” achavam legítimo e democrático.
    Agora é o contrário,tudo é conspiração,com movimentos populares instrumentalizados para derrotar na eleição o Governo “Trabalhista”(seja lá o que isto signifique além de sindicatos “pelegos” e domesticados).
    O que ameaça a “Eleição” é o Joaquinzaum e não o Rolezaum.
    Mas como canta o Max Gonzaga:”É mais fácil condenar quem já cumpre pena de vida.”

    Joaquim

    Saquei. Quando a playboyzada da classe média faz manifestação, é movimento “espontâneo”, democracia, clamor por mudanças, a “voz das ruas”. Quando os jovens pobres, dos subúrbios, resolvem fazer o mesmo, aí é “conspiração política” para reeleger o PT, feita por “movimentos sociais aparelhados pelos comunistas”. Ou seja, o tom de alguns comentários é o mesmo de sempre: democracia é quando eu contesto você. Quando você me contesta, é ditadura, terrorismo, etc. Enfim, mais do mesmo. E assim, vamos em frente…

    Mauro Bento

    Sr. Joaquim
    Lamento senão fui claro na minha exposição,porém concordo com seu ponto de vista.
    Criminalizar qualquer manifestação política POPULAR é proto-fascismo,incluído o PT.

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