
Arménio Carlos, secretário geral da CGTP
Portugueses protestam nas ruas contra o empobrecimento
Segundo a CGTP, mais de 55% dos desempregados não têm qualquer tipo de proteção social
Por Lúcia Rodrigues, especial para o Viomundo
Quarenta anos depois da Revolução dos Cravos, que restituiu a liberdade em Portugal ao derrubar a ditadura salazarista, os trabalhadores saíram às ruas neste primeiro de maio, para protestar contra o que classificam como o mais duro ataque desferido pelo governo contra a população desde 25 de Abril de 1974.
O empobrecimento atinge milhares de famílias, segundo a Central Geral dos Trabalhadores Portugueses, a CGTP, organizadora da manifestação. “Essa política de direita condena as pessoas à morte lenta e põe em causa (coloca em risco) os direitos humanos”, alerta Arménio Carlos, secretário geral da entidade. “Há crianças que fazem na escola sua única refeição do dia. Isso é um crime contra os direitos humanos”, denuncia.
De acordo com o sindicalista, aproximadamente 24% dos portugueses estão desempregados. O percentual é ainda mais alto entre os jovens. “Está na ordem dos 37%, 40%. É o quarto desemprego mais alto da Europa”, ressalta.
Entre os adultos a situação também é alarmante. “O desemprego de longa duração na faixa dos 50 anos é dramático.” Mais de 55% dos desempregados portugueses não têm qualquer tipo de proteção social.
A situação dos que estão empregados também é grave. Desde 2009, não recebem reajuste salarial, apesar de os preços das mercadorias e dos serviços continuarem a subir em espiral. A medida tem reduzido drasticamente o poder de compra dos portugueses.
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A coalizão de direita que governa o país também impôs aos funcionários públicos cortes nos salários. O fantasma da demissão passou a perseguir esses trabalhadores. Apesar da lei não permitir a dispensa dos servidores, o governo criou subterfúgios para driblar a legislação e colocá-los na rua.
“Serve-se de mecanismos como o da demissão por mútuo acordo. O funcionário fica em casa a receber 80% do salário. Ao final de um ano, passa a receber 40%. Como ninguém consegue viver com 40%…”, adverte Arménio, em referência ao rebaixamento da qualidade de vida dos trabalhadores. “Isso é torturar as pessoas. É uma situação insustentável”, critica.
Outro golpe desferido contra os trabalhadores que estão na ativa é o aumento da idade mínima para as novas aposentadorias. Homens e mulheres se aposentavam aos 66 anos. Daqui em diante terão de trabalhar um mês a mais a cada ano para conquistar o direito à aposentadoria.
Arménio recorda que o atual presidente da República, Cavaco Silva (do PSD, o Partido Social Democrata), já havia atentado contra a aposentadoria das mulheres, quando foi primeiro-ministro de Portugal entre os anos de 1985 e 1995. “Depois do 25 de Abril, as mulheres começaram a se reformar (aposentar) com 62 anos e os homens, com 65. O Cavaco para “defender” a igualdade (entre gêneros), aumentou a aposentadoria das mulheres para 65 anos…”
Mas o ataque aos aposentados não para por aí. Há aproximadamente quatro anos, eles não têm reajustes nos vencimentos. “As únicas pensões (aposentadorias) que foram atualizadas, são as pensões mínimas (na faixa entre 197 e 290 euros, algo em torno dos 630 e 920 reais), que este ano tiveram um aumento de 89 cêntimos (centavos) mensais, o que dá um reajuste de três cêntimos diários (menos de 10 centavos por dia). Isso é uma política para humilhar as pessoas. É ridículo.”
Torniquete
A austeridade imposta pela Troika (FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu) é seguida a risca pelo governo português, que é controlado pela coalizão de direita, liderada pelo PSD. Mas o dirigente sindical não poupa das criticas o Partido Socialista (PS), antecessor de Cavaco Silva no comando do governo.
Arménio não considera o PS de esquerda. “A únicas diferenças são os símbolos e as cores, porque a política é essencialmente idêntica a da direita”, alfineta.
Ele explica o momento em que ocorreu o ponto de inflexão na política de esquerda que vinha sendo implantada no país após a Revolução dos Cravos. “Tivemos avanços em 1974, 1975 e 1976 (anos subseqüentes à revolução que derrubou a ditadura), mas depois o PS se aliou à direita e começaram os ataques aos trabalhadores”, lamenta.
“Creio que a postura dos partidos socialistas (na Europa) desestabiliza a política e afasta as pessoas das eleições (em Portugal o voto não é obrigatório), porque promete e depois faz exatamente o inverso.”
O dirigente sindical cita o exemplo do PS francês para demonstrar o comportamento dos socialistas atualmente. “O senhor Hollande está a seguir rigorosamente o que a direita manda”, afirma ao se referir a política levada a cabo pelo presidente francês, François Hollande.
Militante do Partido Comunista Português, Arménio Carlos, é pessimista em relação ao futuro, apesar de considerar que a mobilização dos trabalhadores pode reverter a situação desfavorável que os atinge.
“Depois da recessão vamos entrar em uma fase de estagnação. A própria Comissão Europeia fez um estudo em que reconhece que até 2050 Portugal vai crescer abaixo dos 2%. Esses sujeitos (governo e Troilka) não estão a condenar apenas o país no presente, estão a condenar gerações futuras. É uma política criminosa.”
Bancos ganham
A situação de insolvência do país tem explicação, segundo o sindicalista. O setor financeiro tem sido o grande beneficiário com o empobrecimento da população. “Portugal pediu um empréstimo de 78 mil milhões de euros e vai pagar 35 mil milhões em juros.”
A multiplicação da dívida tem explicação. De acordo com Arménio, o Banco Central Europeu (BCE) se transformou no fomentador da especulação financeira na Europa. Aplica uma taxa diferenciada de juros nos empréstimos aos países e às instituições financeiras.
O percentual pago pelos governos é infinitamente superior aos juros cobrados nos empréstimo aos banqueiros. Enquanto os bancos captam recursos com juros de 0,25%, os países desembolsam em torno de 5% nos empréstimos. Com juros mais baixos, os bancos privados ainda compram títulos da dívida a 5%, 6%, 7% aumentando o rombo das contas públicas. Esse mercado de pai para filho está restrito há 20 instituições bancárias. O Banco Espírito Santo (BES), é o único banco português que faz parte desse clube.
Arménio recorda que o governo português também impediu a quebra de bancos ao socializar as perdas dos banqueiros com a sociedade. “O Estado passou a ser a companhia seguradora quando o setor privado financeiro entrou em colapso.” Ele cita o caso do Banco Português de Negócios (BPN), como exemplo.
“A recapitalização dos bancos foi feita com dinheiro público. Quando o BPN entrou em falência, ao invés dos acionistas assumirem o rombo, o governo (socialista) de José Sócrates (então primeiro ministro) nacionalizou o banco e transferiu para o erário público mais de seis mil milhões de euros de dívida. O núcleo de direção do Banco era associado ao Cavaco Silva (que à época já presidia Portugal). Todos os dirigentes do banco tinham sido ministros do Cavaco”, revela para mostrar a proximidade entre o governo do PS e a direita portuguesa.
Outro golpe do PS contra os trabalhadores, apontado pelo sindicalista foi o rompimento do acordo de reajuste do salário mínimo que havia sido firmado em 2006. “Celebramos um acordo para que o salário mínimo atingisse 500 euros (aproximadamente 1.600 reais), em janeiro de 2011. Mas o governo do PS não cumpriu. E o salário continua em 485 euros, próximo ao limiar da pobreza.”
A coalizão direitista PSD – CDS-PP, que assumiu o governo após o PS, aprofundou o arrocho contra os trabalhadores e tem sido intransigente em relação ao reajuste do salário mínimo. “Recusa-se a discutir o aumento.” A CGTP reivindica que o piso nacional seja fixado em 515 euros a partir de junho. “Quem é que não pode dar um aumento de um euro por dia ao trabalhador”, questiona o sindicalista.
A CGTP pretende deflagrar uma semana de greves e protestos em defesa do aumento do mínimo, logo após a realização das eleições europeias que ocorrem no próximo dia 25.
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