
Comandante da Revolução dos Cravos teme retrocesso político no mundo
O movimento que derrubou a ditadura salazarista completa 40 anos em Portugal, mas o coronel Otelo Saraiva de Carvalho é pessimista em relação ao futuro
Por Lúcia Rodrigues
O homem que, ao lado do capitão Salgueiro Maia, fez ruir uma ditadura de 48 anos em Portugal, não se considera um herói. Embora conte com orgulho que ainda hoje, 40 anos após a Revolução dos Cravos, como ficou conhecido o episódio liderado por ele e que depôs o salazarismo em 25 de abril de 1974, seja parado na rua por populares, que o abraçam para agradecer o ato de valentia.
“Os ideais de Abril mantêm-se naquela geração que sofreu a ditadura fascista e que sentiu o sopro da liberdade com o 25 de Abril. Eu todos os dias tenho o reflexo disso em gente anônima que me expressa seu carinho. Esses ideais mantêm-se vivos.”
Mas o coronel Otelo Saraiva de Carvalho, major à época da Revolução, teme que quatro décadas depois do Movimento das Forças Armadas (MFA) ter derrubado o arbítrio, Portugal possa vir a sofrer um retrocesso político e social. Ele considera que a crise econômica, imposta pelo capital financeiro, que atinge a Europa e o país, em particular, possa conduzir a um fechamento do regime.
“A situação é dramática e pode agravar-se. A brutal austeridade imposta pelo governo e pela Troika (FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu) tem gerado desemprego altíssimo e empobrecimento generalizado. A crise econômica abateu-se sobre os cidadãos. O governo busca (corta) dinheiro nos salários, nas pensões (aposentadorias), aumenta impostos… Os reformados (aposentados) estão sendo despojados de suas pensões, mas eles é que têm sustentado os filhos desempregados, os netos”, alerta.
Ele não esconde a frustração pelo rumo que o país tomou. “Nós (revolucionários) tínhamos esperança de que os avanços para a classe menos favorecida prosseguissem, mas 40 anos depois, vemos que a situação sofreu um retrocesso enormíssimo. Há mais de dois milhões de portugueses em estado de pobreza. Para nós isso é um desgosto enorme, é o fim de um sonho, o óbito do 25 de Abril.”
Otelo explica que a elite é quem ganha com a miséria do povo. “O mais dramático é verificar que essa situação permite que os ricos fiquem cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. A dívida pública portuguesa é muito grande, acho que está na casa dos 125% do PIB. Há economistas que consideram que não será possível pagá-la, mesmo vivendo sob austeridade durante décadas.”
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A situação é caótica e o euro é visto por ele como um dos elementos que contribuíram para a derrocada do poder econômico dos portugueses. Moeda valorizada para os padrões de consumo do país, só pode ser emitida pelo Banco Central Europeu sob o comando da Alemanha, que não tem interesse em alterar a situação. “Há economistas que advogam a necessidade de sair do euro e retornar a moeda própria. O euro seria uma coisa bonita, uma moeda única para a Europa, mas Portugal não tem capacidade para exportar seus produtos confrontando-os com os da Alemanha, França”, adverte.
Futuro sombrio
“O mundo caminha para que em um prazo de 10, 20 anos, sejamos inspecionados em qualquer parte, e convencidos de que isso é para nossa segurança. É assustador”, critica ao se referir ao controle exercido sobre o cidadão e às revelações feitas por Edward Snowden de monitoramento realizado pela CIA, a agência de espionagem estadunidense.
Ele considera que a democracia corre sérios riscos. “Eu vejo essa possibilidade e vejo com grande angustia. Poderá ser uma reação violenta. Julgo que pode ser possível pelo desespero. Mesmo o governo a dizer que esta a melhorar, se a austeridade (aperto do cinto) continuar, vai haver surtos e os aparelhos de repressão vão se intensificar. A situação está a agravar-se. Julgo que o governo montou uma rede de informadores. Escutas telefônicas (sem o consentimento judicial) existem, apesar de ilegais.”
O comandante Otelo é um militar atípico. Revolucionário convicto, ao invés da hierarquia, considera que a democracia direta, em que a população reunida em assembleias populares define seu destino, é o melhor modelo político de governo.
O líder da Revolução de Abril entende que o mundo é dividido em classes sociais. Apesar de não ter sido leitor de Marx, Engels e Lenin, o coronel considera que aprendeu a ser de esquerda na prática. Ele afirma, no entanto, que concorda com os conceitos marxistas. A luta de classes é um deles. “Para mim, ser de esquerda é ter uma preocupação muito grande para que toda a ação política seja orientada para elevar ao máximo o nível econômico, social e cultural do povo.”
Na juventude Otelo queria ser ator, mas foi impedido pelo pai. Acabou se convertendo em protagonista da história de seu país. Apesar de continuar a acreditar e a defender o poder popular é pessimista em relação ao futuro. “Ditaduras ainda são possíveis. A estratégia (adotada) é a do empobrecimento de milhões.” Ele não descarta a possibilidade de uma terceira guerra mundial. “O capitalismo precisa disso. Os recursos não comportam todo mundo, aí se eliminam pessoas”, ressalta.
Quarenta anos após a revolução que derrubou uma das ditaduras mais brutais do século 20, Portugal está novamente nas mãos da direita, embora bem mais moderada do que salazarista. O PSD, o Partido Social Democrata, comanda os principais postos do país. Dirige a Presidência da República, tem o cargo de primeiro ministro e o de presidente da Assembleia da República, uma espécie de presidência do Congresso Nacional.
A aplicação de políticas econômicas neoliberais pelo Partido Socialista, que sempre alternou o poder com o partido da direita, foi decisiva para que o PSD fizesse barba, cabelo e bigode, como se costuma falar em linguagem popular. “A população estava farta do Partido Socialista e deu maioria absoluta a coligação do PSD. Esse era o sonho do Sá Carneiro (político fundador do PSD, que morreu em um acidente aéreo em 1980), que se concretizou”, lamenta.
Brasil
O coronel Otelo defende a punição dos torturadores brasileiros que atuaram na ditadura militar. “Crime é crime, não interessa a profissão que exerce.” Ele também crítica a violência policial que executa negros e pobres nas periferias atualmente. “É uma ação criminosa. Me espanta que isso ainda persista, depois da presidência do Lula, da Dilma, que foi uma mulher de armas, uma guerrilheira.”
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