Álvaro dos Santos: Estamos melhor preparados para enfrentar enchentes?

Tempo de leitura: 3 min
Fortes chuvas que atingiram Petrópolis (RJ) provocaram inundações e deslizamentos de terra. Foto: Tânia Rêgo/ABr

As chuvas, e o medo, chegaram

Álvaro Rodrigues dos Santos, Tendências/Debates na Folha de S. Paulo, via e-mail 

Como já o mais simples calendário de papelaria alertava, adentramos no sul-sudeste brasileiro o período chuvoso crítico que anualmente tem marcado a região por terríveis tragédias associadas a enchentes e deslizamentos. Tragédias em que milhares de brasileiros perdem suas vidas de forma estúpida e brutal, e a sociedade pago altíssimo preço com prejuízos de toda a sorte acumulados. Nesse ano, o interior baiano, a cidade do Rio de Janeiro e municípios da Baixada Fluminense, com mortos e milhares de desabrigados, abrem o já comum lúgubre espetáculo.

Cabe perguntar: estamos hoje melhor preparados para enfrentar esses graves fenômenos?

Em que pese o maior envolvimento de instituições e órgãos públicos com o problema, poder-se-ia dizer que muito pouco. Prevalece ainda a visão curta e irresponsável que tem levado as administrações públicas a tratar a questão sob uma ótica corretiva e emergencial, pela qual se busca atenuar as consequências dos conhecidos erros que vem sendo cometidos pelo crescimento urbano ao invés de, corajosamente, focando as causas, enfrentá-los e eliminá-los dentro de uma ótica preventiva.

Tal visão distorcida na prática lança toda a carga de responsabilidades sobre nosso já sobrecarregado sistema de Defesa Civil, missão humanamente impossível de ser atendida, em que pese o heroísmo dessa brava gente.

Nossas cidades continuam a crescer, sob os olhos e complacência da administração pública em seus diversos níveis, praticando os mesmíssimos erros e incongruências técnicas de planejamento urbano e uso do solo que as conduziram a esse grau de calamidade pública.

No caso das enchentes, impermeabilizando o solo, promovendo uma excessiva canalização de rios e córregos, expondo por terraplenagem o solo à erosão com decorrente assoreamento dos cursos d’água; no caso dos deslizamentos e solapamentos de margens, ou ocupando encostas e fundos de vale que jamais poderiam ser ocupados dada sua já alta instabilidade natural. Ou, com resultados semelhantes, ocupando da maneira mais inadequada e desastrosa terrenos até potencialmente urbanizáveis, se utilizadas as técnicas adequadas para tanto.

Em torno e em função desse cabedal de erros cometidos, obviamente se organizaram e se estabeleceram grandes interesses empresariais, econômicos e políticos, dos quais parece que a maior parte de nossas autoridades está refém. Por incompetência, covardia política, ou por interessada passividade.

Permitamo-nos raciocinar: qual o interesse de empresas que lucram milhões de reais com o desassoreamento das redes de drenagem em um programa que reduza ou elimine a erosão geradora dos sedimentos assoreadores?

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E qual o interesse das empresas que hoje se enriquecem com os projetos, a construção e a manutenção dos famigerados piscinões em um programa voltado para a recuperação da capacidade das cidades em reter grande volume de águas de chuva?

Dentro dessa mesma lógica, que interesse haveria por parte de administradores públicos e empresas beneficiadas em deslocar recursos de serviços e investimentos anteriormente combinados para agora abrigar em habitações seguras e dignas a população pobre que imperativa e urgentemente teria que ser retirada das áreas de alto riso geológico e hidrológico?

Ainda que haja hoje ótimas e eficazes soluções técnicas para reduzi-las drasticamente, as tragédias irão se repetir, e muito provavelmente, em anos mais chuvosos, aumentar sua letalidade. Nesse contexto, é essencial que a sociedade perceba que os impedimentos para a pronta e plena adoção dessas soluções residem na esfera política, especialmente em seus atributos éticos e de competência.

ÁLVARO RODRIGUES DOS SANTOS, 70, é geólogo, autor de “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções” (Editora Pini).

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Comentários

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Fernando Garcia

Olá Azenha, por um acaso você sabe o que aconteceu com os governadores de Minas e Espírito Santo? É que só tenho lido Dilma pra lá, Dilma pra cá, etc…

    Leandro

    Ela já fez isso antes. Aqui na região serrana do rio em 2011 onde morreram quase mil pessoas. E depois disso sumiu e ta tudo como estaa após a tragédia. Nada mudou.

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