por Álvaro Rodrigues do Santos
Ariane Minouchkine, fundadora e diretora do Théâtre du Soleil, em um determinado momento de antiga entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, ressalvou orgulhosamente que sua companhia recebia recursos do Estado francês e não do Governo do país. Quis pontuar essa grande mulher que aí se colocava uma enorme e profunda diferença ética.
Se a atual polêmica sobre a ética na administração pública contribuir para que se perceba que uma das principais raízes de nossos maiores males públicos está na cultural promiscuidade com que são entendidos e se relacionam no país Estado e Governo, já terá sido extremamente positiva em seus resultados educativos. Entendidos aqui o Governo como a expressão da vontade política da população para, renovada e periodicamente, definir e conduzir as políticas públicas inerentes ao desenvolvimento econômico e social do país e ao bem estar da sociedade, e o Estado como o aparelhamento técnico-administrativo-gerencial permanente envolvido na gestão e execução das mais diversas atividades e serviços públicos nos campos da Saúde, do Saneamento, da Educação, dos Transportes, das Telecomunicações, da Energia/Mineração, do Meio Ambiente, da Justiça, etc.
Enfim, exemplificando para firmar conceitos, Secretaria da Saúde é Governo, Hospital das Clínicas é Estado; Ministério de Minas e Energia e Secretarias afins são Governo, Furnas, Petrobrás, CESP, CPRM, DNPM são Estado; Ministério e Secretarias de Estado dos Transportes são Governo, DNIT, DERSA e Metrô são Estado, Ministério e Secretarias do Meio Ambiente são Governo, IBAMA e CETESB são Estado. Como são Estado Sudene, Codevasf, Correios, Infraero, Dataprev, Embrapa, Eletrobrás, IPT…
Como costume trágico e culturalmente arraigado, cada novo governo, seja em nível federal, estadual ou municipal, tem desgraçadamente todo o Estado à sua disposição para a acomodação das composições políticas que lhe dão sustentação. A cada novo mandato loteiam-se e mudam-se assim todas as direções e comandos dos instrumentos de Estado, seja na administração direta, seja na indireta. Conseqüência deletéria natural é a descontinuidade de programas, de estratégias de conduta, das políticas de curto, médio e longo prazos, a desimportância para com a competência técnica, o descompromisso pelo zelo ético nas licitações e nas relações institucionais. A propósito, o uso político menor do Estado brasileiro e as graves conseqüências na eficiência de sua gestão explicam em boa parte a perniciosa, e também cultural, dissociação de confiança entre Estado e Sociedade.
Operar essa “desassociação” entre Estado e Governo não será fácil, muitos a quem caberia essa tarefa sentiriam estar “cortando a própria carne”, para utilizarmos uma expressão da moda. Como em outras questões similares, somente mesmo a vontade manifesta da sociedade terá a força necessária para a mudança dos atuais costumes. A proposta de uma legislação que bem delimitasse os espaços entre Governo e Estado poderia constituir o oportuno mote para um profundo e politizador debate da matéria. Que nos leiam os bons legisladores.
Álvaro Rodrigues dos Santos ([email protected]) é geólogo. Foi diretor de Planejamento e Gestão do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT), onde foi também diretor da Divisão de Geologia. Ex-diretor geral do Departamento de Ciência e Tecnologia do Governo do Estado de São Paulo.




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