Dalva Garcia: Abro alas para a genial Chiquinha Gonzaga na esperança de um Brasil sem racismo e falsos moralismos

Tempo de leitura: 3 min
Array

Por Dalva Garcia

Por uma vida mais “atraente”

Por Dalva Aparecida Garcia*

Neste outubro tumultuado pelas eleições, comemoração do dia dos professores, Nossa Senhora Aparecida, funcionalismo público, além dos debates e embates pautados pelo o que comentaristas e jornalistas denominam “pauta dos costumes” – que rege campanhas do atual chefe do executivo e seus seguidores – é bom rememorar. Trazer à tona a beleza da cultura nacional e da música.

Em 17 de outubro de 1847 nascia Francisca Edwiges Neves Gonzaga, a nossa CHIQUINHA CONZAGA.

Muitos são os trabalhos de biografia dedicados a essa compositora, maestrina e brilhante instrumentista carioca.

A vida de conquista e resistência dessa mulher deixaria qualquer moralista ufanista de plantão, ainda hoje, de cabelo em pé.

Ainda no século retrasado Chiquinha subverte um mundo de convenções hipócrita, pautado num moralismo que ninguém seguia, mas proclamava com fervor.

Não havia exceção. Nem para o imperador D. Pedro II envolto em escândalo de infidelidade conjugal tal como seu pai D. Pedro I. 

Chiquinha escandalizou a sociedade carioca quando, em 1914, a primeira-dama Nair de Teffé (segunda esposa do marechal Hermes da Fonseca, oitavo presidente do Brasil) executou pela primeira vez no Palácio do Catete o maxixe ”Gaúcho”, que ficou conhecido como ”Corta-jaca”. 

Aos 11 anos a menina, fruto da miscigenação maravilhosa que compõe o povo brasileiro, já havia composto seu primeiro trabalho musical “Canção dos Pastores”.

Chiquinha era mestiça. Filha de ilustre militar do Império e de uma mulher escravizada, num país em que ainda hoje artistas são chamados de “macaco” em condomínios e shows. 

Em suma, Chiquinha trazia já na pele a marca de sua condição humana ultrajada pelo preconceito da família paterna.

Como toda mulher do período estava fadada ao casamento precoce.

Aos 16 anos, a nossa Chiquinha efetuava o casamento dos sonhos. Não dos sonhos dela, óbvio. Mas do sonho daqueles que ainda consideravam que profissão de mulher é caçar marido. E, de preferência, abastado e com status social reconhecido.

O senhor Jacinto Ribeiro do Amaral, mais velho, talvez pudesse jurar “que havia pintado um clima”, se essa fosse uma expressão do século 19.

O fato é que, logo cedo, o casamento arranjado pelo pai deu sinais de ruir. 

Na época, uma mulher dedicar-se à música era inconcebível. 

Aos 18 anos,  Chiquinha abandona o lar e é processada pelo marido defensor da pátria e dos bons costumes.

Ela perde a guarda de dois de seus três filhos. Foi acusada de adultério graças a uma nova paixão.

Apenas com a guarda do filho mais velho, Chiquinha retoma com afinco seu talento de pesquisadora musical e compositora.

Frequentadora de roda de choro, que somente no século 21 começa dar uma palhinha para mulheres instrumentistas, Chiquinha Gonzaga compõe seu primeiro sucesso estrondoso: “Atraente”.

O título da música foi considerado, é claro, uma provocação imperdoável para as pessoas de “bem” do mundo carioca e nacional.

Foram anos de pesquisa e trabalho musical permeados de escândalos como a frequente compra de cartas de alforria para músicos escravizados em troca de partituras vendidas pela artista já reconhecida.

Mais de duas mil composições em gêneros diversos: tangos, valsas, serenatas, choros…

No título de algumas canções, alguns nomes atraentes como seu primeiro sucesso reconhecido: Tupã, Tupi, Caobimpará, Tamoio…

A vida de mulheres como Chiquinha e muitas outras não era só glamour.

Constantemente traída pelo segundo marido, a nossa brilhante música lhe dá adeus. E também adeus ao convívio com a filha do seu segundo casamento.

Com 38 anos de idade, em 1885, pela segunda vez desquitada ( o divórcio é conquista relativamente recente) Chiquinha Gonzaga estreia no teatro a trilha da Opereta “A corte na roça”. Como chamar essa estranha mulher?

Chiquinha responde: como maestrina. Vejam! Não se denominou mito… Não afirmou que sua família pertenceu a uma dinastia de lavadeiras, colocou no feminino o que era seu ofício e talento: ser maestro, logo, maestrina.

Aos 52 anos de idade, essa mulher não perseguiu meninos em supostas casas de prostituição para denunciar os ditos “ Maus costumes” …

Apaixonou-se com a intensidade de quem não teme uma vida mais atraente e sem falso moralismo.

Conhecia o peso da chibata e da execração pública, era inteligente. Sua paixão era um jovem português de 16 anos.

Alguns diriam: que absurdo, ela poderia ser a avó do moço!!!

Esses mesmos que não consideravam e ainda não consideram absurdo o casamento arranjado e a maternidade de 3 filhos de uma menina de 16 anos.

Os mesmos que não entendem por que uma passadinha de mão numa mulher atraente é desrespeito e misoginia.

Calejada de tantas andanças, a compositora não reluta em adotar o rapaz.

Na defesa de um amor incondicional sem rótulos e acusações hipócritas e de falso moralismo, torna fraternal e maternal o amor passional. Foram 36 anos de convivência e respeito mútuo.

O novo amor a acompanhou até o leito de morte.

Chiquinha fez a marchinha “Abre alas”.

Abriu as portas da defesa dos direitos autorais para músicos e compositores.

Neste outubro de 2022 que parece não ter fim, resta a mim abrir alas para CHIQUINHA GONZAGA. 

Abrir alas para a esperança de um mundo de sons mais belos que não seja os de maledicências descabidas.

*Dalva Garcia é professora de filosofia da rede pública de São Paulo.

Leia também:

Lelê Teles: Lampião de fancaria

Dr. Rosinha: Derrotar o fascista é questão de vida para nós e as futuras gerações

Array

Dalva Garcia

Professora de filosofia da rede pública de São Paulo.


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Zé Maria

https://pbs.twimg.com/media/Ff1DEJaWAAAdxIL?format=jpg

Hoje é o 353º Aniversário de Manaus,
Querida Capital do Amazonas,
“Cidade Morena Majestosa, Construída
no Coração da Floresta Amazônica.”
“Terra do jaraqui, tambaqui,
farinha d’água, do açaí e buriti
Evocada no encontro das águas
Tu nasceu guerreira Baré
Esbravejando com tuas chuvas
torrenciais de abril a maio
Rachando a moleira dos curumim
de junho a setembro” (*)

Nossos Parabéns aos Manauaras!

No 23º Festival Amazonas de Ópera, no Histórico Teatro Amazonas, em Manaus,
houve, no Ano Passado (2021), um Belíssimo Recital de Canto e Piano Dedicado
à Obra Musical de Chiquinha Gonzaga: https://youtu.be/spJEcbT5-xg?t=282

https://chiquinhagonzaga.com/wp/recital-dedicado-a-obra-de-chiquinha-gonzaga-no-23o-festival-amazonas-de-opera/

“Manaus de Antigamente”
*(@BragaGisella)

https://pbs.twimg.com/media/FfwvbQ6X0AIMpUo?format=jpg
https://pbs.twimg.com/media/Ff06GgfXoAAKdEL?format=jpg
https://pbs.twimg.com/media/Ff1D1ETWYAEM8Te?format=jpg

https://pbs.twimg.com/media/Ffrf2ipWAAUWv8J?format=jpg
https://pbs.twimg.com/media/FfsJtNLWIAEIRX2?format=jpg

https://pbs.twimg.com/profile_banners/1244750346288869379/1585853436/600×200

*(https://twitter.com/BragaGisella/status/1584486509704454144)

.

Deixe seu comentário

Leia também