João Paulo Rillo: Coringa, fogo no circo assusta burguesia histérica

Tempo de leitura: 3 min
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Por João Paulo Rillo

Divulgação Warner

por João Paulo Rillo*

“Do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz violentas às margens que o comprimem.”

(Bertold Brecht)

Depois de 10 dias em cartaz, fui assistir ao filme Coringa e notei relativo esvaziamento nas salas de exibição.

Já era recorde de público no mundo inteiro, por isso estranhei a não lotação. Sucessos inferiores de bilheteria lotaram por mais tempo as salas dos shoppings paulistas pelo Estado.

Mas o estranhamento durou pouco, logo fui abduzido pela magia da sétima arte, comi um saco de pipoca e aproveitei cada segundo da obra de arte projetada na tela.

Tudo é encantador, o roteiro, a fotografia e a brilhante interpretação de Joaquim Phoenix.

O filme é sensível e profundo. Traduz com exatidão e urgência os conflitos e as letais doenças sociais produzidas pelo capitalismo.

Passei a indicar o filme aos amigos e conhecidos. E encontrei a mesma resistência e preocupação em várias pessoas: “ah, mas não é muito violento?”.

Eis a principal a razão do esvaziamento precoce das confortáveis salas de cinemas.

Os mesmos que naturalizam a violência real contra pretos e pobres e inflam o peito para dizer que “passou da hora de adotar a pena de morte nesse país” se assustaram ao verem desmoronar a ilusão pré-concebida do super-herói.

Passaram a difamar e a demonizar o filme que tanto os incomodou.

Nenhuma tese sociológica explicaria de forma tão impactante o caos que a indiferença social pode causar.

O protagonista é o anti-herói, um cidadão emocionalmente quebrado, perturbado e completamente solitário.

À medida que a sociedade do consumo empurra tudo que não é espelho para a margem, cria um ambiente paralelo extremamente imprevisível e perigoso.

Quem não se sente parte do mundo oficial não tem compromisso com ele. Esse é o detalhe sórdido que a burguesia produz e não admite.

Longe de ser panfletário e avesso ao maniqueísmo trivial dos filmes de heróis, Coringa é extremamente poético e assume lado nessa atmosfera de ódio e intolerância que acomete o mundo em seus quatro cantos.

Denuncia a degradação do tecido social e a ausência de Estado na vida dos mais desprovidos de renda e afeto.

Incomoda os opressores e seus cúmplices. Impossível não se mexer na poltrona, não se sentir opressor ou cúmplice pelo menos uma única vez durante a exibição.

O riso desesperado do protagonista – inconsciente do seu papel político – desperta indignação e insurgência nos moradores da cidade.

O filme desvenda, de maneira genial, a origem da violência e radicaliza a problemática do germinar da semente ao desmoronar da árvore.

Ele tira o espectador da zona de conforto e apresenta uma perspectiva utópica e revolucionária.

No meio do caos econômico e social que vive a cidade, o filme propõe que uma classe derrote a outra. Que os muito ricos e opressores paguem com a própria vida todo mal que causaram ao mundo.

Um final apoteótico para alguns e aterrorizador para outros.

Por isso que parte da burguesia nacional passou a militar contra o filme, dizendo se tratar de um palhaço marxista e doutrinador.

Incapaz de olhar em torno e assumir sua responsabilidade nessa tragédia social, a burguesia histérica prefere eleger fantasmas e confundir a realidade.

Para essa gente, a culpa é sempre dos outros; dos pobres, dos pretos, dos marginais, das prostitutas, dos gays e dos comunistas.

Uma obra de arte verdadeira carrega sempre uma beleza livre e subjetiva aos olhos de quem aprecia. Cada um entende como quiser a narrativa exposta.

Eu gosto da metáfora de que precisamos derrotar tudo que nos faz sofrer. Como alcançar esse objetivo é a busca diária dos que lutam por um mundo menos injusto.

O caos na velha Nova York fez-me lembrar de uma frase do jurista e ex-governador de São Paulo Claudio Lembo sobre os ataques do PCC em 2006:

“Nós temos uma burguesia muito má, uma minoria branca muito perversa. A bolsa da burguesia vai ter que ser aberta para poder sustentar a miséria social brasileira no sentido de haver mais empregos, mais educação, mais solidariedade, mais diálogo e reciprocidade de situações”.

Em tempo, Claudio Lembo não é um marxista, muito pelo contrário, é um liberal clássico.

*João Paulo Rillo é diretor de teatro,e militante do PSOL e ex-deputado estadual paulista.

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João Paulo Rillo

Vereador em Rio Preto e presidente do PSOL-SP.


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Zé Maria

Ultraliberalismo é a revolução da barbárie,
de Hayek, o “moderado”, a Guedes, o radical

Por Tarso Genro, no Sul21
[…]
Os estudiosos conhecedores do debate entre Popper e Hayek mostram
que ambos, liberais em graus diferentes e moderados, comparativamente
a Guedes, sustentavam a necessidade de regulações estatais para garantir
a “liberdade de mercado”, que implicava – por parte de ambos – no
reconhecimento de um certo “casamento auspicioso entre economia e política.”
A visão dominante no liberalismo, todavia, que já corteja a ditadura para eliminar
os entraves do Estado Social (que desloca renda “de cima para baixo”) já está
formulada de maneira diferente: a política, as eleições livres, o dissenso democrático atrapalha a criatividade empresarial e a livre iniciativa.

Trata-se da lógica defendida pelos que tem uma visão instrumental
da democracia e a considera método decisório não apropriado para o
convívio político, quando se trata de promover os imediatos interesses
empresariais.
[…]
… o Estado Social de Direito foi composto – historicamente – para proteger
um pouco aqueles que tem “Dificuldades para Viver”, não somente os que
tem “Dificuldades de empreender”.
[…]
Os que rejeitam as eleições democráticas porque elas tem influência política
no mercado, simplesmente propõe trocar os burocratas do Estado total,
pela autoridade suprema dos burocratas das empresas amantes do mercado
perfeito: o neoliberalismo “top model”, hoje na sua versão “ultra” radical.

íntegra: https://www.sul21.com.br/colunas/tarso-genro/2019/11/ultraliberalismo-e-a-revolucao-da-barbarie-de-hayek-o-moderado-a-guedes-o-radical/

Zé Maria

Excerto:

“parte da burguesia nacional passou a militar contra o filme,
dizendo se tratar de um palhaço marxista e doutrinador.

Incapaz de olhar em torno e assumir sua responsabilidade
nessa tragédia social, a burguesia histérica prefere
eleger fantasmas e confundir a realidade.

Para essa gente, a culpa é sempre dos outros;
dos pobres, dos pretos, dos marginais,
das prostitutas, dos gays e dos comunistas.

Uma obra de arte verdadeira carrega sempre uma beleza
livre e subjetiva aos olhos de quem aprecia.
Cada um entende como quiser a narrativa exposta.”

João Paulo Rillo
Diretor de Teatro,
Militante do PSOL
ex-Deputado Estadual (SP)

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