Ricardo Musse: A pressão pela desvalorização do real

Tempo de leitura: 3 min

Os dilemas do neodesenvolvimentismo

Por Ricardo Musse

Revista Forum/junho 2013, enviado pela Sec Geral/MST

A economia brasileira vive atualmente um paradoxo. Os dados indicam que a renda e o consumo não cessam de crescer, com seus valores atingindo picos históricos, enquanto a indústria local, principal fornecedora do mercado interno, patina.

A adoção, pelo governo, de medidas vigorosas para atender às principais reivindicações desse setor – sintetizadas na expressão, popularizada pela grande mídia, “redução do custo Brasil” – ainda não conseguiram conectar o ritmo da produção com o aumento da demanda.

A desvalorização cambial, a desoneração da folha de pagamentos, a diminuição dos impostos, o incremento de tarifas e taxas de importação, o investimento em logística e mesmo os incentivos concedidos a setores mais fragilizados não foram suficientes.

Tudo isso num novo cenário econômico no qual se destaca, após décadas de reclamações, a redução da taxa de juros para patamares próximos dos países desenvolvidos.

Para o partido da produção industrial, mesmo após a conquista de algumas de suas maiores demandas históricas, esse esforço governamental mostrou-se insatisfatório.

Suas reivindicações estão concentradas numa única palavra de ordem, alardeada em altos brados: desvalorização cambial.

Alega que com a atual taxa de câmbio o Brasil corre o risco de “desindustrialização” (tese prontamente encampada pelos partidos de oposição).

Para legitimar sua reclamação, capitaneado por Luiz Carlos Bresser Prereira, introduziu com êxito no debate econômico a tese da “doença holandesa”.

Segundo essa teoria, países que dispõem de vantagens comparativas em áreas como a de energia correm o risco de se acomodar a taxas valorizadas de câmbio, por conta da existência de produtos que podem ser exportados com facilidade e com altos valores (já que submetidos a pouca concorrência).

A médio prazo, essa situação tende a afetar a produção industrial atingindo sua competitividade.

Grosso modo, sustentam que foi o que aconteceu com o Brasil nesta década de vigoroso crescimento impulsionado pela demanda, chinesa e mundial, por commodites.

Não há como negar que a valorização cambial – utilizada, desde o Plano Real, como um mecanismo de controle da inflação – gerou sequelas na indústria brasileira.

Tornou-se corriqueira a informação de que setores inteiros substituíram seus fornecedores nacionais de insumos, equipamentos e componentes, privilegiando, devido ao menor preço, importações.

A questão, no entanto, é mais complexa. Trata-se de avaliar se uma forte desvalorização cambial seria factível no atual cenário político e social brasileiro e, mais ainda, se essa medida seria suficiente para alterar significativamente a situação econômica do país.

O repique inflacionário do último ano atesta que há uma correlação incontornável entre o câmbio e o patamar dos preços.

A abertura comercial, iniciada ainda nos anos 1990 e nunca revogada, ampliou a dependência de importações para atender à demanda doméstica.

O principal, no entanto, consiste no fato de que a tranformação do agronegócio em uma potente fonte exportadora “dolarizou” os preços dos produtos agrícolas no país.

Não é por outro motivo que o etanol, cujo preço depende da demanda e da oferta internacional de açúcar, esteve cotado nos últimos anos em valores superiores ao da gasolina.

A persistência nesse ano do patamar inflacionário, gerado em grande parte pela desvalorização que elevou o valor do dólar americano de R$ 1,50 a R$ 2,00, contaminou os setores agrário, industrial e de serviços, numa economia que não foi (apesar do alarde em torno do Plano Real) inteiramente desindexada.

Isso indica que não há a menor condição política para se promover uma desvalorização cambial na intensidade sugerida pelo partido da indústria.

Desconsiderando o custo político e social de uma robusta desvalorização do Real, desconfio, no entanto, de que se trata de uma medida que dificilmente traria os resultados prometidos.

A experiência do II PND, implantado no auge do regime militar, não pode ser ignorada.

Recorreu-se então a empréstimos externos (matriz da dívida e da crise da “década perdida”) para completar a planta do parque industrial brasileiro.

No entanto, nesse exato momento, no hemisfério norte, surgiu uma série de inovações tecnológicas, potencializadas pela microeletrônica, que tornou a indústria local se não obsoleta (como a da URSS), pelo menos antiquada.

Um dos fatores que explicam esse descasamento entre o aumento da demanda e a difilcudade da indústria para atendê-la reside no fato de que o acréscimo de renda das famílias canalizou parte da demanda para produtos (sobretudo nos setores de eletrônicos, fármacos e químicos), cuja produção local ainda é incipiente.

Por fim, resta ainda discutir se o modelo de desenvolvimento da segunda metade do século XIX, exemplificado pelas trajetórias da Alemanha e do Japão, pode ser replicado hoje.

Suspeito que nesse início de século, apesar dos esforços da China em seguir esse itinerário, temos outras opções para construir uma nação mais próspera e menos injusta.

Alguns, dentre os países com melhores indices de desenvolvimento social, não obtiveram sua riqueza na produção industrial: Noruega, Canadá, Austrália, Nova Zelândia etc.

Não seria oportuno pensar um pouco sobre o que o Brasil teria a aprender com eles?

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Comentários

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Bonifa

Interesses financeiros e outros parecem já, através da mídia, agir preventivamente para evitar medidas mais firmes do governo em relação ao incentivo e à proteção industrial. “Protecionismo” é um dos grandes palavrões dos pretensos liberais. Quem é “protecionista” é atrasado e ignorante. Acontece que os países centrais do capitalismo liberal são os que mais praticam o mesmo protecionismo que tentam fazer proibido aos países em desenvolvimento. Estes, têm que manter suas veias à mostra para que lhes seja tirado livremente o sangue. Assim, já voltam a se espalhar pelos jornais e canais de televisão, as notícias de que “O Brasil é um dos mais protecionistas países do mundo”, perdendo apenas para meia dúzia de países, todos africanos, para sublinharem que todos são atrasados. Uma escandalosa mentira.

José Sena

O Brasil é um país grande demais para dizermos que ele deve prescindir de uma ou outra atividade econômica, portanto, não concordo com o final do artigo. Vivemos em um país continental, complexo e riquíssimo tanto em cultura quanto em recursos naturais e temos um governo que está dando oportunidades para que as indústrias nacionais surjam e cresçam como nenhum outro governo fez (salvo o governo de Getúlio Vargas). No entanto, a nossa chamada elite econômica é composta por pessoas incompetentes, mau intencionadas, sem noção alguma sobre o que é fazer parte de uma grande nação como a brasileira, com raríssimas exceções. Além disso, esta nossa elite é preconceituosa e, sobretudo, rentistas, estas pessoas preferem mil vezes viver de rendas de alugueis, juros de aplicações financeiras e outras atividades nada salutares do que trabalhar duro produzindo bens e serviços, fazendo suas empresas competitivas e trazendo orgulho para nossa nação como empresas genuinamente nacionais. Lembrem-se da BrOi que o governo incentivou a fusão das duas companhias para criar um player brasileiro no mercado mundial de telecomunicações, os proprietários aproveitaram a valorização da empresa no mercado e a venderam para os portugueses (vejam agora vocês, que não temos mais nenhuma companhia telefônica nas mãos de brasileiros).
Concluindo meu humilde comentário, enquanto a nova elite brasileira composta pelos atuais pobres (classe C), batalhadores e concientes de suas responsabilidades para com o nosso povo, que conseguiram ingressar nas universidades (cotas, prouni, fies, etc), se formarem e forem bem sucedidos não tomarem o lugar desta velha elite, nenhuma iniciativa para reerguer nossa industria dará resultados, ou seja, o que precisamos é EDUCAÇÃO, EDUCAÇÃO, EDUCAÇÃO, EDUCAÇÃO, pois a EDUCAÇÃO liberta e nos prepara para aproveitar as grandes oportunidades.
Um abraço a todos.

    Bonifa

    Também não concordo. O Canadá é pouco populoso e atrelou-se visceralmente aos EUA quase abrindo mão de sua soberania. É como se fosse um estado especial da União americana. Em compensação se obriga a seguir, inclusive militarmente, todos os passos que os EUA lhes mandarem seguir. O Brasil tem um projeto de vida próprio como país independente. Não pode prescindir de uma indústria forte e sofisticada.

J Souza

A verdade é que ninguém gosta do livre mercado, principalmente os empresários, e menos ainda os da indústria.
Nem os americanos, que tiveram sua indústria não-armamentista reduzida a pó pelos importados, gostam muito do livre mercado. Sobrevivem de suas patentes. E ai, livre mercado no dos outros… (Sem falar dos recursos que multinacionais americanas não repatriam por causa dos impostos…)

Agora, o que o Jaime falou às 13:43 é um fato histórico. Manter o câmbio artificialmente valorizado é uma bomba relógio. Melhor teria sido o governo não ter deixado valorizar.

Todo mundo sabe que o fluxo de dólares não é estático, e segue as tendências de lucro. As ações brasileiras ainda estão mais baratas, o que segura dólares aqui, mas o crescimento americano e europeu força inevitavelmente a saída destes recursos do país.

A questão não é se o dólar vai ou não valorizar, a questão é em quanto tempo isto vai acontecer. Cabe ao governo e ao Banco Central usar suas reservas para que isto ocorra de forma lenta, gradual, para que a economia tenha tempo de se ajustar às mudanças.

Larissa Paes

Sinceramente, acho a economia tão complicada que fica difícil da população entender e compreender o que acontece realmente com a questão econômica em nosso país. Acaba que essas questões ficam meio que distantes da nossa realidade, por falta de uma maior compressão. Acredito que a economia possa seguir outros moldes, em que prevaleça o direito da coletividade e não de uma pequena parte da ‘elite’, como políticos, banqueiros, empresários que são beneficiados com o dinheiro público.
Se quisermos mudar para melhor, primeiro é fundamental que todo o dinheiro arrecadado seja usado em benefício de todos independentes da classe social, tornando assim, um país socialmente desenvolvido. Entretanto é necessário que haja um grande trabalho pela frente.

Guanabara

Agora vos pergunto: o que Noruega, Canadá, Austrália e Nova Zelândia tem em comum?

    Alemao

    São países pequenos em termos de população, e com história totalmente adversa ao do Brasil.

Fabio Passos

Assustador.
Cambio e questao capital. A hipervalorizacao do real foi o que quebrou o Brasil durante fhc.

Defender o real hipervalorizado e defender o atraso e o subdesenvolvimento!

Marianne

É muito difícil entender esses senhores ao longo do tempo. Afinal, o país deve ou não focar sua produção nos produtos que apresentam vantagem comparativa, que no caso do Brasil são as commodities minerais e agrícolas? Até alguns anos atrás vociferavam que se a indústria era ineficiente, que o país tratasse de importar de quem produzia com vantagem, e que fossem para o diabo os trabalhadores demitidos e os ´ineficientes´empresários quebrados. Agora já não pensam mais assim? De que serve a desvalorização cambial senão para exportar produtos baratos? E por que querem exportar se a demanda interna não está sendo atendida? Quem entender que me explique…

    Guanabara

    Como já li por aí, o Brasil não pode só exportar câmbio…

jaime

Desvalorização do Real… Já vi esse filme em algum lugar… Acho, se não me falha a memória, que foi aí pelo final do primeiro “governo” FHC, quando a cotação do dólar foi mantida até o primeiro minuto após sua reeleição. Percebo uma semelhança incômoda…
Quanto à tese do Bresser Pereira, de uma vantagem comparativa na área de energia, francamente, não entendi, mas peço por favor que não explique. Do Bresser Pereira, aquele que apregoava que “não é função do Estado cevar a prosperidade de uma classe média parasita”, espero absolutamente nada.

Félix Gomes da Silva

É isso aí Ricardo. Outro mundo é possível. Acho a economia tão rebuscada, tão cheia de rococó que as vezes o cidadão comum perde a sua essência, ou seja, fica distante e incompreensível. Só tenho certeza que ainda é possível outra economia noutros moldes, nos quais prevaleçam os interesses da coletividade, do bem comum e não como vemos: banqueiros,agropecuaristas e industriais sendo beneficiados com dinheiro público e o “desenvolvimento” do país se arrastando, patinando. Eu acredito mesmo é no maxixe plantando pelo seu Zé lá na roça. E viva a agricultura familiar!!!

Julio Silveira

O Brasil sob diversos aspectos é uma decepção. Amo meu país, mas as vezes o vejo como aquele filho que a gente deposita muitas esperanças, mas que na hora de fazer cumprir seu destino opta pelos caminhos que só lhe trarão sofrimento, caminhos já trilhados por outros, em outros momentos, mas que não os levaram a lugar nenhum a não a sofrimento para si e aqueles que deles gostam. Fazem essas opções ruins por questões de personalismos sem sentido e auto afirmação pessoal, com pouca racionalidade, mas seguem, contrariando todas a recomendações. Meu Brasil me faz sofrer, assim como acredito que faça sofrer grande parte da cidadania. Mas tenho certeza que boa parte de nós, brasileiros, sequer entendem o significado disso e da extensão dessas escolhas para o seu futuro, o nosso, o de nossos filhos. O Brasil é cada vez mais a confirmação de ser uma casa, de uma mãe, a Joana. País de brasileiros que costuma relativizar o interesse nacional, como sendo o interesse de meia dúzia de poderosos esquecendo o interesse primário da maioria de seus cidadãos. Isso é cultural, por isso digo é difícil manter-se esperançoso.

    jaime

    Concordo com suas colocações, Julio. E parabéns pela maneira emotiva e genuína que você usou para se expressar. Infelizmente o noticiário sobre a política é tão árido que nosso estado de espírito para comentar quase sempre nos leva para o lado da crítica feroz, ou para o sarcasmo, ou para a ironia (fina ou grossa), mas é importante a exposição daquilo que se sente, daquilo que se quer e espera do País, da comunidade, do futuro.
    No final tudo gira em torno disso: as pessoas querem escolher o melhor caminho e ser felizes.
    Não precisava ser tão difícil.
    Abraços.

Leo

Acho temerária a afirmação do autor ao final do texto.
Não precisamos abrir mão de um, para ter outro.

Tudo depende do Projeto de Estado nação que o Brasil quer trilhar, implementar.

Se queremos ser global Players, e fazer frente aos desafios impostos ao complexo jogo da geoestratégia entre as nações, assumindo influência política, não tem jeito:

A nação tem que se basear na industria de alta intensidade tecnológica e de importantes bens de consumo duráveis, migrando com sucesso, para uma economia do “conhecimento”

E, com capacida de produção bélica que permita criarmos dissuasão, à altura dos desafios impostos à defesa de um território, cada vez mais cobiçado por possíveis potências extra-continentais

Este foi o exemplo, durante o período social-democrata, do Estado Sueco.

Ou então, podemos ser o Canadá, como falado pelo autor:

Socialmente desenvolvido, mas com um padrinho forte para sua defesa, com quem se alinha automaticamente na política externa, os EUA.

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