
Isso vale para Marta, mas não só para ela…
Marta Suplicy é uma pessoa controversa e difícil, mas não deveria ser politicamente julgada por isso. Sua entrevista de hoje é recheada de armadilhas e sinaliza para uma saída ruidosa do PT, mas o partido deveria tratá-la como uma oportunidade para algumas reflexões.
Marta não é diferente de boa parte dos políticos. Ela se move muito mais em função dos seus interesses pessoais do que do projeto coletivo.
Marta também é tão vaidosa quanto a maioria deles. É tão arrogante quanto a maioria deles. Sabe fazer intrigas quanto a maioria deles. Gosta tanto de poder como a maioria deles, até porque é ele que permite exercer um lado autoritário que alimenta a alma da maior parte deles.
Marta não é uma espécie rara na política. Ao contrário, é um pouco a essência da vida pública no país.
A diferença é que ao contrário da maioria dos seus pares, Marta é mais transparente. Fala em público aquilo que homens que se se julgam mais espertos preferem confidenciar a jornalistas em off no cafezinho do Congresso.
O excesso de vaidade e de transparência foi o seu principal adversário na reeleição à prefeitura de São Paulo. Naquele pleito, Marta perdeu para ela mesma. Seu governo era muito bem avaliado e seu adversário só amargava derrotas antes de superá-la.
Na entrevista a Eliane Catanhede publicada no Estado de S. Paulo de hoje (a entrevistadora também diz muito sobre a entrevista) Marta vai pra cima do PT como poucos dirigentes importantes o fizeram na história do partido. \
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E Marta tem razão quando diz que o partido está em risco. O PT pode de fato, senão morrer, torna-se um projeto bem menor do que é ou já foi.
Mas o que Marta não diz é que ela é muito mais parte do problema do que da solução no que parece criticar.
Marta foi prefeita da maior cidade do Brasil e quando teve a oportunidade de oxigenar o partido e criar uma nova referência de relação com ele a partir do governo, não fez diferente do que aqueles que hoje critica.
Marta foi exageradamente pragmática, sufocou adversários internos, priorizou relacionamentos com setores da direita em algumas áreas e não apostou em novas lideranças.
Marta usou a máquina da prefeitura como um trator do ponto de vista das disputas internas.
Isso não significa que seu governo tenha sido um desastre. Muito pelo contrário, ela fez uma administração histórica em São Paulo e suas marcas (como os CEUs e os corredores) terão relevância por muitos e muitos anos.
A questão é que Marta hoje não tem poder e não pode exercê-lo do ponto de vista interno na mesma intensidade de quando era prefeita.
Hoje são outros que movem o partido e suas estruturas a partir da força que detém em governos ou parlamentos.
O PT se tornou um partido muito suscetível à força dos seus prefeitos, governadores, ministros e parlamentares. E muito menos permeável às demandas dos movimentos sociais do que em outros momentos.
Essa é a crise do PT e que já foi identificada por Lula e outros dirigentes. É isso que pode, se não matar o partido, diminui-lo e torná-lo insignificante.
Por isso a entrevista de Marta deveria ser tratada como um ponto de inflexão pela militância e dirigentes.
Não é o momento para agir com o fígado e sair por aí xingando-a ou acusando-a disso ou daquilo.
É hora de aproveitar para pensar o que leva personalidades políticas importantes a se acharem donos de um projeto e se comportarem como se não devessem nada a ninguém.
Isso vale para Marta, mas não só para ela.
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Marta critica Dilma, ataca colegas e afirma: ‘Ou o PT muda ou acaba’
Eliane Cantanhêde, em O Estado de S. Paulo
10 Janeiro 2015 | 22h 00
Para a senadora Marta Suplicy (SP), que foi deputada, prefeita e duas vezes ministra pelo PT, o partido chegou a uma encruzilhada: “Ou o PT muda, ou acaba”. Em entrevista ao Estado, Marta não assumiu explicitamente, mas deixou evidente que está a um passo de sair do PT: “Cada vez que abro um jornal, mais fico estarrecida com os desmandos. É esse o partido que ajudei a criar?”.
Articuladora assumida do “Volta, Lula” em 2014, ela também deixou suficientemente claro que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em alguns momentos, autorizou os movimentos nesse sentido. Quanto ao governo Dilma: “Os desafios são gigantescos. Se ela não respeitar a independência da equipe econômica, vai ser desastroso para o Brasil”.
A declaração mais irada foi contra o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, que ela julga “inimigo do Lula” e “candidatíssimo” a presidente em 2018, mas “vai ter contra si a arrogância e o autoritarismo”. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Por que a senhora articulou o movimento “Volta, Lula”?
Em meados de 2013, os desmandos aconteciam e a economia ia de mal a pior. Foi aí que disse ao Lula: ‘Presidente, está acontecendo uma coisa muito séria. O que o senhor acha que está acontecendo?’ Conversamos a primeira, a segunda, a terceira, a quarta vez… E ele dizia: ‘É verdade, estou conversando com ela, mas não adianta, ela não ouve’. A coisa foi piorando e, um dia, ele disse: ‘Os empresários estão se desgarrando…’. E perguntou se eu podia ajudar e organizei um jantar na minha casa, já no início de 2014, com os 30 PIBs paulistas. Foi do Lázaro Brandão a quem você quiser imaginar. Eles fizeram muitas críticas à política econômica e ao jeito da presidente. E ele não se fez de rogado, entrou nas críticas, disse que era isso mesmo. Naquele jeito do Lula, né? Quando o jantar acabou, todos estavam satisfeitíssimos com ele.
E falaram nele como candidato?
Ninguém falou claramente, mas todo mundo saiu dali com a convicção de que ele era, sim, o candidato.
Ele admitia que queria ser?
Nunca admitiu, mas decepava (sic) ela: ‘Não ouve, não adianta falar.’
Ele estava incomodado com Dilma?
Extremamente incomodado. E isso é que foi levando ele a achar que tinha de ser o candidato e fui percebendo que a ação dele foi mudando. A verdade é que ele nunca disse, mas sempre quis ser candidato e achou que ia ser.
Por isso a senhora trabalhou pela candidatura do Lula?
Sim, providenciando os encontros para ele poder se colocar. Foi quando convidei políticos, artistas para um grande encontro político. Convidei a Dilma, o Mercadante e todos os ministros de São Paulo, avisando que o Lula estaria presente. Todos confirmaram, mas, na véspera, todos cancelaram. E ela, Dilma, também não foi. Nessa época, ainda estava confuso quem seria o candidato. Tinha uma disputa. E, depois, quando ela virou candidatésima, ele não falava mais com ela.
O Lula deixava uma porta aberta?
Quando o Lula escolheu o Fernando Haddad para disputar a Prefeitura, eu avisei a ele que eu ia sair do ministério, porque discordava da política econômica, da condução do País, e ia voltar para o Senado. ‘E vou dizer que o candidato é o senhor. A única que tem coragem de dizer isso publicamente sou eu e vou dizer’. E ele: ‘Não vai, não, de jeito nenhum’. Eu: ‘Por quê?’ Ele: ‘Porque não é hora’. Veja bem, ele não negou, ele disse que não era hora.
Depois, como evoluiu?
Um dia, eu fui direta: ‘Lula, tem de ir pro pau, tem de ter clareza nisso’. E listei pessoas com quem poderia conversar para dizer que ele tinha interesse, que estava disposto. Aí ele disse que não, que não era para falar com ninguém. O que eu ia fazer? Concordei. Só que, quando eu já estava saindo, perto da porta, ele disse: ‘Pode falar com o Rui (Falcão, presidente do PT)’. Dois dias depois, sentei duas horas e meia com o Rui e disse a ele: ‘A situação está muito difícil eleitoralmente para o PT, mas muito difícil para o País. Porque vai ser muito difícil a Dilma conduzir o País de outro jeito, você já conhece o jeito dela’. Mas ele disse que íamos ganhar e que eu estava falando de coisas que eu não entendia.
Acredita que o Lula queria ser (candidato em 2014)?
Ele é um grande estadista, mas não quis enfrentar a Dilma. Pode ser da personalidade dele não ir para um enfrentamento direto, ou porque achou que geraria uma tal disputa que os dois iriam perder.
E quando o próprio Lula encerrou de vez o assunto?
Foi quando ele disse: ‘Marta, acabou. Vamos trabalhar para a Dilma e pronto. Você vai enfiar a camisa e trabalhar de novo’.
E a senhora, nunca pensou em ser candidata?
A quê?
A presidente…
Pensei sim. Quando era neófita, tinha clareza de que poderia ser presidente. Depois, isso caiu por terra, até que um dia o Lula, no avião dele, quando era presidente, me disse: ‘Minha sucessora vai ser uma mulher’. E pensei que ou seria eu, ou Marina (Silva) ou Dilma. Logo vi aquela história de ‘mãe do PAC’ e que era a Dilma. Pensei: ‘O que faço?’ Bom, ou ficava contra e não fazia coisa nenhuma, ou ajudava. Mais uma vez, decidi ajudar. Sempre achei que ia acabar ficando meio de fora das coisas, talvez pela origem, talvez por ser loura de olho azul, não sei.
Como vê o governo Dilma?
Os desafios agora são gigantescos, porque não se engendraram as ações necessárias quando se percebeu o fracasso da política econômica liderada por ela. Em 2013, esse fracasso era mais do que evidente. Era preciso mudar a equipe econômica e o rumo da economia, e sabe por que ela não mudou? Porque isso fortaleceria a candidatura do Lula, o ‘Volta, Lula’.
E a nova equipe econômica?
É experiente, qualificada. Vai depender de a Dilma respeitar a independência da equipe. Se não respeitar, vai ser desastroso. Agora, é preciso ter humildade e a forma de reconhecer os erros a esta altura é deixar a equipe trabalhar. Mas ela não reconheceu na campanha, não reconheceu no discurso de posse. Como que ela pode fazer agora?
Se Dilma não deixar a equipe econômica trabalhar, os ministros Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa (Planejamento) podem correr para o Lula, pedindo apoio?
Você não está entendendo. O Lula está fora, está totalmente fora.
Tudo isso criou uma cisão indelével no PT, entre lulistas e dilmistas, como ficou claro na posse, quando o Lula foi frio com o Mercadante?
O Mercadante é inimigo, o Rui traiu o partido e o projeto do PT, e o partido se acovardou ao recusar um debate sobre quem era melhor para o País, mesmo sabendo as limitações da Dilma. Já no primeiro dia, vimos um ministério cujo critério foi a exclusão de todos que eram próximos do Lula. O Gilberto Carvalho é o mais óbvio.
Qual o efeito disso em 2018?
Mercadante mente quando diz que Lula será o candidato. Ele é candidatíssimo e está operando nessa direção desde a campanha, quando houve um complô dele com Rui e João Santana (marqueteiro de Dilma) para barrar Lula.
Quais as chances de vitória do PT com o Mercadante?
Ele vai ter contra si sua arrogância, seu autoritarismo, sua capacidade de promover trapalhadas. Mas ele já era o homem forte do governo. Logo, todas as trapalhadas que ocorreram antes ocorrem agora e ocorrerão depois terão a digital dele.
Afinal, quais são os desmandos da gestão do Juca Ferreira na Cultura?
Foi uma gestão muito ruim. Enviei para a CGU (Controladoria-Geral da União) tudo sobre desmandos e irregularidades da gestão dele.
O que aconteceu com a Petrobrás?
Para mim, todo o conselho e diretoria deveriam ter sido trocados. Respeito a Graça (Foster), até gosto dela. Não questiono sua seriedade e honradez. Mas, no momento, o mais importante é salvar a Petrobrás.
O PT foi criado com a aura de partido ético. Imaginava que pudesse chegar a esse ponto?
Cada vez que abro um jornal, fico mais estarrecida com os desmandos do que no dia anterior. É esse o partido que ajudei a criar e fundar? Hoje, é um partido que sinto que não tenho mais nada a ver com suas estruturas. É um partido cada vez mais isolado, que luta pela manutenção no poder. E, se for analisar friamente, é um partido no qual estou há muito tempo alijada e cerceada, impossibilitada de disputar e exercer cargos para os quais estou habilitada.
Então, a senhora vai sair do PT.
A decisão não está tomada ainda, mas passei um mês e meio, dois meses, chorando, com uma tristeza profunda, uma decepção enorme, me sentindo uma idiota. Não tomei a decisão nem de sair, nem para qual partido, mas tenho portas abertas e convites de praticamente todos, exceto do PSDB e do DEM.
Para concorrer à Prefeitura?
Não será uma decisão em função de uma possível disputa à Prefeitura, por isso é tão dura. É uma decisão duríssima de quem acreditou tanto, de quem engoliu tanto.
Tem uma gota d’água?
Não, mas na campanha da Dilma e do (Alexandre) Padilha em São Paulo, fui totalmente alijada. Quando Padilha me ligou pedindo para eu gravar, disse: ‘Ô Padilha, entenda. Eu não sou mais objeto utilitário, acabou essa minha função no PT’.
Por que Dilma e Padilha foram tão mal em São Paulo?
Não foi um voto pró-Aécio (Neves), foi um voto anti-PT, pelos desmandos que o PT tem perpetrado nesses anos todos.
O que vai ocorrer com o PT?
Ou o PT muda ou acaba.
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