Reitora da PUC-SP a Juca kfouri: ”Escola sem partido, no fundo, é de um só partido”; veja a entrevista

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‘Escola sem partido, no fundo, é de um só partido’, diz reitora da PUC-SP

Maria Amalia fala sobre relação entre universidade e sociedade, a ira da elite com o acesso dos pobres ao ensino superior e a desconstrução da lei da mordaça. No “Entre Vistas”, 22h, na TVT

por Luciano Velleda, da RBA 

São Paulo – “Reitora, a PUC é uma universidade com ou sem partido?”, pergunta o jornalista Juca Kfouri ao abrir o programa Entre Vistas, que vai ao ar na noite desta terça-feira (13).

A psicóloga Maria Amalia Pie Abib Andery, desde 2016 reitora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), vai igualmente direto ao ponto: “É uma universidade de muitos partidos. A reitora tem o seu, os pró-reitores têm os seus, os estudantes têm seus vários, os professores têm seus muitos, e a universidade, desde de que a discussão seja democrática e que os direitos fundamentais sejam respeitados, está aberta a todos os partidos”.

Assim começa o Entre Vistas que vai ao ar pela TVT, a partir das 22h.

Para Maria Amalia, a expressão “Escola sem Partido” com a qual setores da classe política tentam impor uma visão estreita do mundo da educação não se encaixa em nenhuma realidade educacional.

“Eu diria que até hoje nunca houve uma escola sem partido. E nunca houve qualquer discussão séria, racional, que defendesse que alguma escola, em algum momento da história da humanidade, desde quando há a educação formal, tenha se considerado sem partido”, afirma.

A reitora lembra lembra que o Brasil não tinha nenhuma universidade até o início do século 20. “E por que não havia? Porque os portugueses proibiram universidade no Brasil”, explica, em que pese os portugueses serem os fundadores da Universidade de Coimbra, uma das mais antigas do mundo, criada em 1290.

“No começo da República, entrou-se numa enorme discussão de como deveria ser a universidade brasileira. Ou seja, ainda que a universidade se apresente como neutra, quem governa sempre soube que nenhuma escola jamais será neutra. Ela pode ser democrática, mas neutra não será nunca”, enfatiza.

A polêmica entorno do projeto Escola sem Partido – que setores especializados na ciência educacional classificam de “pedagogia da mordaça” – surge de uma narrativa fabricada por interesses econômicos e ideológicos que movem alguns partidos políticos e meios de comunicação.

“Escola sem partido, no fundo, é de um partido”, define Maria Amalia.

No caso da PUC-SP, a reitora afirma que a instituição está “vacinada” por causa de sua longa tradição democrática, que permite o debate plural em sala de aula.

“A universidade é uma das mais importantes instituições do mundo contemporâneo ao produzir conhecimento, ideias e a cidadania”, define.

A tradição democrática que deveria pautar qualquer ambiente universitário, porém, está sendo posta em xeque com a eleição de Jair Bolsonaro, um presidente de extrema-direita abertamente à favor da ditadura, e com o crescimento de bancadas igualmente conservadoras no Congresso Nacional e nos estados.

Maria Amalia enfatiza a importância de a sociedade resistir a qualquer arroubo autoritário.

“Estamos prontos para brigar, para ser o lugar da resistência, mas ainda mais, para ser o lugar da produção de ideias para o Brasil. Temos de nos preparar para construir novas perspectivas, produzir ideias novas, mais do que somente resistir”, afirma.

Universidade e sociedade

O papel das universidades numa sociedade se torna um dos fios condutores da entrevista.

Inclusive o ambiente em que se confrontam a produção de conhecimento como direito universal da coletividade com interesses do mercado privado de ensino no Brasil, com instituições sendo criadas mais para atender a objetivos de grupos econômicos do que propriamente educacionais.

A elitização do ensino superior do país, como observa a reitora, sempre foi projeto da elite para “manter a desigualdade”, apenas recentemente contestado.

“Até os anos de 1950, era só homem branco (na universidade). Depois entraram as mulheres. E no governo Lula, os negros, pobres e a periferia. Não há discussão. Os números estão aí. Então, ao mesmo tempo em que a universidade é o espaço da construção das ideias, era também um ‘bastião’ das elites”, explica.

Na visão da psicóloga, a entrada de uma parcela importante da população, que antes jamais teve acesso ao ensino superior, afetou, inclusive, a organização dos estudantes, antes restrita aos centros acadêmicos e agora convivendo com coletivos. E afetou ainda, para melhor, as relações professor-aluno e aluno-aluno.

“Vamos falar claramente: as elites foram contra as cotas. E todas as estatísticas mostram que as cotas são um sucesso. Todos os estudantes que entram pelas cotas têm desempenho igual ou melhor”, enfatiza Maria Amalia.

Os desafios do ensino superior no século 21, a forma de ensinar, as mudanças comportamentais dos jovens, e quais os cursos devem ser criados pensando no futuro próximo, são outros temas abordados no Entre Vistas.

“Nós ainda olhamos para o nosso aluno como se ele fosse dos anos 1970. Essa tarefa é nossa. Não adianta a gente achar que ele vai ler a obra completa do Freud. Ele vai chegar lá, mas de outro jeito.”

A crise do financiamento da educação no Brasil também é discutida. “Não há Estado moderno que não tenha universidades como instituições fortes, com liberdade para pensar e produzir”, afirma Maria Amalia.

Questionada sobre como imagina que será a relação das universidades com o governo de Bolsonaro, a reitora da PUC-SP não acredita que as ameaças venham por meio “da cavalaria”, mas sim pelos recursos financeiros.

“O grande estrangulamento será pela via do financiamento”, projeta.

O Entre Vistas desta terça-feira tem ainda a participação do teólogo, cientista social e professor Fernando Altemeyer, e a também teóloga e professora Lídia Maria de Lima.

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Comentários

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Zé Maria

O Sistema de Ensino braZileiro continua baseado nas 2 principais ‘reformas’ executadas pelo Ditador Militar General Garrastazu Médici (Reforma Universitária = Lei 5540/1968 e Reforma do 1º e do 2º graus = Lei 5692/1971) adaptadas pelo Governo FHC (Lei 9394/1996) e remendadas pelo governo Dilma (lei 12796/2013).

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5540.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5692.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7044.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12796.htm

Edgar Rocha

Eu assisti à entrevista agora pouco. realmente, muito boa. Mas, tenho uma discordância quanto ao posicionamento da professora referente às mudanças comportamentais dos alunos. Segundo ela, a Universidade deveria se adaptar. Eu discordo. Conhecimento se adquiri buscando-o e o caminho pra isto é a leitura e aula presencial, ora pois! Não se trata de ser antiquado ou conservador. É que os “novos hábitos” desta geração estão na base do processo de superficialismo intelectual padrão “Guia politicamente incorreto de História do Brasil”, só pra citar um exemplo. Eu mesmo li um cara (nem lembro o nome) com doutorado e tudo, defendendo numa matéria do Estadão que a leitura completa de uma publicação é absolutamente prescindível no processo de formação intelectual. Enfim, orelha de livro é tudo. O cara escreve uma tese com a profundidade de quem opina no Facebook. À bênção, Olavo de Carvalho! A falta de comprometimento com o aprendizado só pode ser decorrência de algo deliberado. Algo me diz que isto tem muito a ver com a tal “Escola sem Partido” ou com o padrão de bolsas do Prouni para “Universidades” como a Anhanguera. A função, na melhor das hipóteses seria o de oferecer um diploma universitário pra profissionais que aplicam vaselina na veia de criança pensando que é soro. Não são meramente “maus hábitos”. É uma concepção sobre educação adquirida desde o ensino fundamental.
Quanto ao ensino à distância, fazer gráficos com sugere a professora, pode ser um aprendizado adquirido à distância. O problema está no que fazer com eles depois, como analisar os dados, quais dados são relevantes. Isto, só na presença do mestre.
Acho um equívoco querer se adaptar a distorções como se isto fosse parte do processo adaptativo. Se o mantra continuar sendo este, melhor “já ir” se acostumando com o conservadorismo dos que trocaram Paulo Freire por Alexandre Frota. É uma realidade difícil de se adaptar.

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