Regina Cabral: Latifúndio, peça de exploração ideológica?

Tempo de leitura: 4 min

Joka Madruga, MST/Brasil de Fato

A CADA VEZ MAIS NECESSÁRIA REFORMA AGRÁRIA

Publicado em 5 de fevereiro de 2013

Por Regina Cabral (Instituto Formação), em seu blog, via Facebook

“A concentração de terras em poucas mãos, herança do Brasil colonial, alimentou, e ainda alimenta, muita luta política (….) O latifúndio é parte da história do país, seja como força política no Império e na República Velha ou peça de exploração ideológica principalmente na segunda metade do Século XX” (O Globo, 4 de fevereiro, 2013).

Para o Jornal O Globo é extremamente natural que haja no país a concentração de terras, como para eles é natural que apenas uma minoria detenha o poder político e financeiro.

“O que chama a atenção no Brics é que o Brasil tem pessoas tão pobres quanto as mais pobres do mundo e tão ricas quanto as mais ricas.” (EBC, 4 de fevereiro, 2013)

Esse fragmento acima de notícia publicada na EBC revela na contramão daquilo que o Editorial de O Globo defende, o quanto é surpreendente que essa concentração de terra e de renda ocorra, por ser extremamente absurda.

Outros fragmentos de notícia da EBC sobre a diminuição das desigualdades no Brasil dizem que:

“Entre as cinco maiores economias emergentes, o Brasil foi a que mais diminuiu a desigualdade socioeconômica nas últimas duas décadas. A conclusão consta de estudo comparativo, feito no ano passado com base em dados secundários (de organismos multilaterais internacionais como as Nações Unidas e o Banco Mundial) e publicado pelo Observatório das Desigualdades da Universidade de Lisboa (…) Os dados revelam que apesar da melhoria, o Brasil ainda é o segundo maior em desigualdade entre as grandes economias emergentes – só não é pior que a África do Sul que, até meados da década de 1990, vivia sob o apartheid (regime político e econômico de segregação racial)”.

A diminuição das desigualdades no Brasil está alicerçada nas políticas sociais como Bolsa Família e na geração de emprego e aumento de renda dos trabalhadores, mas isso não implica uma diminuição radical do distanciamento entre aqueles que ganham muito e os que apenas estão saindo da linha da pobreza extrema ou mesmo ingressando na classe média.

E por mais que o Governo se esforce (e esse esforço e as políticas sociais são importantes) não conseguirá transformar essa realidade se não mexer na argamassa que a gera, ou seja, a concentração de terra e de renda no país.

Não é apenas um PIB alto em um latifúndio que não gera muito emprego que resolverá essa questão, mas um PIB alto provocado pela soma de produção em pequenas e médias propriedades por muitos trabalhadores.

Quando O Globo diz que o  “latifúndio improdutivo” foi extinto”, inclusive questionando o termo improdutivo porque o coloca entre aspas como se não fosse verdadeiro e o era, esquece de dizer que esse latifúndio não gera muito emprego e expulsa o homem que vive na terra para as cidades concentrando gente e problemas em áreas já superpovoadas.

Quando o jornal diz que “a grande empresa agroindustrial não se deu em prejuízo do minifúndio e da agricultura familiar” citando exemplos do sul, esquece que o Brasil é muito maior e essa realidade não está nacionalizada.

Vamos imaginar o Maranhão, um estado potencialmente agrícola (no Maranhão tudo é apenas potencial, pois os governantes não o estruturam) em que muitos trabalhadores do campo não tem apoio nenhum e que se for transformado (como está sendo em algumas de suas áreas) em um grande latifúndio (de alguma forma já o é) expulsará (continua expulsando e matando) mais da metade de sua população para áreas onde também não existem agroindústrias, indústrias e emprego, porque são áreas onde os jovens  permanecem invisíveis nas plataformas que contém os dados de geração de emprego.

Só estão nessas plataformas quem é cadastrado… quais são os jovens da Baixada Maranhense, por exemplo, que se cadastraram?

Hoje, na Europa, estão agonizantes economias como da Espanha, onde as pessoas que produziam no campo saíram para dar lugar ao agronegócio. 25% de a população ativa está sem emprego. Entre esses estão  também aqueles que produziam no campo e foram convidados a irem para a cidade, dando lugar a empresas com poucos empregados.

Muitos desses estão sem renda ou vivendo com o bolsa família da Espanha, sem moradia e alguns vivendo nas ruas. Incluindo os jovens que ainda não ingressaram no mercado de trabalho esse índice se aproxima dos 50%. Essa é a realidade hoje em parte da Europa…

Estive na Espanha por quatro meses. Conheci de perto a realidade do desemprego….

Visitei povoados quase desabitados ao lado de grandes áreas do agronegócio. Visitei também propriedades agroecológicas. Mas o que me chamou a atenção foi o debate que cresce da necessidade do retorno do espanhol ao campo e quem sabe de uma nova reforma agrária, como uma das saídas para a crise. Porque é impossível gerar empregos com tanta concentração de terra e de riqueza em sistema financeiro. E sem emprego não há consumo. Sem consumo não há arrecadação de impostos suficientes para garantir a bolsa família para os desempregados.

Por outro lado, os meios de comunicação aqui, na Europa, nos EUA, estão nas mãos de uma elite que hoje deseja manter o agronegócio e o sistema financeiro fortes…. e são eles que diariamente os defende e tentam confundir a população.

Cabe aos trabalhadores, aos jovens, aos estudantes, refletirem a partir do que vivem e saberem identificar e compreender entre as palavras escritas e faladas, aquelas que ecoam com  sentido de transformação ou de manutenção de uma realidade injusta.

No Brasil, as políticas sociais estão livrando brasileiros da extrema pobreza, mas é geração de empregos no campo (com a distribuição da terra, com a reforma agrária apoiada por políticas estruturantes e com a industrialização na cidade) que se resolverá na raiz essa situação, construindo pá a pá uma outra argamassa para nossa sociedade. Evidentemente, isso não interessa aos donos de O Globo.

É louvável ter as políticas emergenciais. Mas é fundamental ter as políticas estruturantes!

É fato, que temos que resolver problemas nos assentamentos. Mas essa é  outra questão, faz parte de outro debate!

Leia também:

MST pede a Dilma emergência para 90 mil famílias em extrema pobreza


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Comentários

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LEANDRO

Enquanto o governo depender, e cada vez depende mais, do agronegócio para equilibrar a balança já que a industria patina, esqueçam a reforma agrária.

Jotace

Interessante a abordagem da Regina Cabral no que tange à reforma agrária e determinadas políticas sociais como as dos últimos governos (PT). Foi exatamente o que pensei ao assistir neste blog o discurso de Dilma por ocasião da inauguração de uma pequena agro-indústria leiteira no Paraná, quando ela referiu “estar de alma lavada e enxugada” com o fato. Mergulhada nos seus devaneios planaltinos sobre a eliminação (?) da pobreza no Brasil, a nossa Presidente esquece que, sem que sejam procedidas medidas estruturantes algumas das quais mencionadas pela autora deste artigo, jamais que existirá uma sociedade livre, soberana, em nosso país. Por mais interessante, útil, e valiosa que poderá ser a experiência paranaense, o nosso governo parece não querer reconhecer a grandeza em termos numéricos das multivárias paisagens rurais do país, como a da Baixada Maranhense de características fisiográficas tão especiais. Estar parado como se encontra o governo ou mesmo se caminhar a passos de tartaruga na questão dos assentamentos, com muitos milhares de famílias vivendo em barracas de lona à beira de estradas, enquanto o agronegócio de latifundiários dispõe de fabulosos créditos é uma política desastrosa, antipátria, além de implicar uma terrível deshumanidade. Não seja construída uma nova “argamassa” como a de que fala a Regina Cabral, e que contemple os assentamentos, nada ficará para o futuro. Pois não faltarão pretextos a qualquer governo no amanhã, a serviço do latifúndio, para acabar facilmente com as chamadas medidas emergenciais. Jotace

FrancoAtirador

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Para a Mídia Bandida serviçal dos Espoliadores Apátridas

Latifúndio é um “Ativo Não Circulante Imobilizado Corpóreo”,

e não um INSTRUMENTO DE “DOMINAÇÃO SOCIO-ECONÔMICA, POLÍTICA E CULTURAL PERVERSA”,
como bem afirmou o ‘hermano’ Eudes Travasso, no comentário abaixo.
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A farsa do desenvolvimento econômico no Brasil

Latifúndio, agronegócio e madeireiras são os maiores beneficiários do trabalho escravo

(http://www.pco.org.br/conoticias/imprimir_materia.php?mat=37701)
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O latifúndio é uma das principais causas do trabalho escravo no país.

Para acabar com a senzala é necessário a reforma agrária com a expropriação do latifúndio

(http://www.pco.org.br/movimento-operario/trabalho-escravo-bate-recorde-no-para/ebje,i.html)
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SASP: Brasil – Latifúndio e Expansão

(http://www.sasp.org.br/index.php/notas/76-brasil-latifundio-e-expansao.html)
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Repórter Brasil Especial: O Latifúndio no Brasil

Concentração de terra na mão de poucos custa caro ao Brasil
A importância das pequenas propriedades do ponto de vista econômico, social e ambiental desmistificam os argumentos de quem quer preservar a supremacia do latifúndio.

Regras protegem a grande propriedade e retardam reforma agrária
Movimentos sociais reivindicam mudanças na Constituição na tentativa de acelerar a democratização do acesso à terra.
Justiça também dificulta a execução da política de reforma agrária, que tem alterado pouco a estrutura fundiária do país.

Desmatamento e poluição seguem o rastro do agronegócio
Degradação ambiental e concentração fundiária acompanham o avanço da agricultura empresarial no país.
Prejuízos causados ao Pantanal, Cerrado e Amazônia são a face mais conhecida dos danos que também atingem camponeses e populações tradicionais.

“Se dermos terras, poderemos resolver o que prende comunidades à servidão”
Em entrevista exclusiva, Juan Carlos Rojas, do Ministério de Desenvolvimento Rural na Bolívia, diz como o governo pretende erradicar o trabalho escravo e afirma que há uma “Revolução Agrária” em curso no seu país.

Latifúndio e expansão do agronegócio acirram conflitos no campo
Trinta e oito pessoas assassinadas e mais de 4.500 libertados do trabalho escravo engrossaram os números da violência no campo em 2005. Trabalhadores rurais, comunidades tradicionais e indígenas são os principais alvos.

Agricultura familiar gera empregos mas recebe pouco recurso
No Brasil dos latifúndios, a robusta produção da agricultura familiar disputa com o agronegócio exportador a atenção do poder público e o reconhecimento de sua participação no desenvolvimento do país.

Ser “celeiro do Brasil” devasta o Cerrado
Enquanto o país bate recordes de produção e exportação de grãos, cursos d’água são contaminados, animais entram em listas de extinção e uma área do tamanho do Estado de Alagoas é desmatada, anualmente, no Cerrado.
“Há favelas gigantescas geradas por essa monocultura que está aí”
Conhecido internacionalmente por sua história de luta pela terra, o líder camponês Manoel da Conceição, em entrevista à Repórter Brasil, diz que a expansão da monocultura da soja e do eucalipto está expulsando os jovens do campo no Maranhão.

A economia da escravidão
O trabalho escravo está inserido em parte do latifúndio brasileiro e, portanto, no agronegócio internacional.

(http://reporterbrasil.org.br/2006/08/especial-o-latifundio-no-brasil)
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Eudes Hermano Travassos

O LATIFÚNDIO É A RAIZ DE UMA DOMINAÇÃO SOCIO9ECONÔMICA, POLITRICA E CULTURAL PERVERSA.

Porco Rosso

“A luta pela Reforma Agrária é um dos maiores desafios do Brasil. O latifúndio acirra as desigualdades e gera dependência. Isso é a modernização do atraso. A pequena e média propriedades são responsáveis por 70% dos alimentos consumidos no Brasil. O Cícero Guedes (líder do MST assassinado em janeiro de 2013) é o maior exemplo de que a luta pela terra não está esgotada, está viva. Viva como sempre será a memória de Cícero”

http://www.youtube.com/watch?v=Xc4fBLJnyLs

Luiz Carlos

Fantástico!!!

Mardones

A reforma agrária – que desapareceu quase por completo da pauta do governo Dilma – foi uma bandeira dos ‘radicais’ do PT. No entanto, o PT que chegou ao governo com a inglória aliança com o PMDB trouxe como realização as mudanças não estruturais.

Em nome de mandatos, o PT abriu mão das reformas. Isso sem falar nas cooptações que são úteis para acalmar certos ânimos reformistas necessários.

Pior é aceitar um discurso de fizemos muitos e há ainda muito por fazer. Típico do PT que chegou ao poder e que não teme associar-se com quem quer que seja para se manter lá.

Depois de 10 anos no poder, além da reforma fiscal (com tributação progressiva, taxando os mais ricos), agrária, política e auditoria da dívida (como fez o Equador) o PT apresenta como avanços aumento do consumo e inclusão de 40 milhões de brasileiros na ”nova classe média”.

    Julio Silveira

    Por falar coisas assim já me mandaram votar no PSOL. E francamente estou refletindo, quem sabe o PSB, mesmo sabendo que no Brasil firmou-se a sopa de letrinhas politica. Não existe de fato ideologia, existem aproveitadores da ideologia. Meu caro, a turma que manda hoje no PT tem muita afinidade com o PMDB, e ouso dizer assim como tem com o PSDB, a midia corporativa é que ainda não percebeu isso, talvez por que seus donos considerem-se os herdeiros dos império brasileiro mantendo ainda aquele preconceito decantado de não aceitar “aventureiros” de baixa estirpe em seu meio. .

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