Maria Inês Nassif: PT, sem a reforma política, um caminho sem volta

Tempo de leitura: 5 min

Há nove anos no poder, num regime presidencialista de coalizão que tem o poder de agregar todos os vícios do sistema partidário, e como partido profissionalizado que tem de competir com os demais por financiamento privado de campanha, o PT chegou ao seu limite.

por Maria Inês Nassif, em Carta Maior

O quadro eleitoral pós-ditadura envelheceu rapidamente porque nunca foi novo. Os partidos se rearticularam em torno das mesmas bases eleitorais do bipartidarismo, que por sua vez incorporou as mesmas práticas do quadro partidário que começou a se consolidar a partir de 1946, a redemocratização pós-Getúlio. Fugiu a essa regra, na redemocratização, o Partido dos Trabalhadores (PT).

Há nove anos no poder, num regime presidencialista de coalizão que tem o poder de agregar todos os vícios do sistema partidário, e como partido profissionalizado que tem de competir com os demais por financiamento privado de campanha, o PT chegou ao seu limite. Existe uma linha tênue que ainda difere a frente de esquerdas formada no final da ditadura militar do modelito das demais agremiações brasileiras. Aliás, muito sutil. Para o partido da presidenta Dilma Rousseff, a reforma política é uma chance de evitar a vala comum dos partidos tradicionais brasileiros.

Em 1994, quando Fernando Henrique Cardoso foi eleito presidente pela primeira vez, o PSDB era um partido pequeno, de quadros e não apenas com uma vocação definida para a negociação, mas em processo de conformação ao neoliberalismo, que se tornava hegemônico globalmente. Ser governo, nadar em direção ao centro, e posteriormente mais à direita, e contar com quadros que deram sustentação ideológica à mudança de rumos do partido que começou social- democrata, facilitaram as alianças necessárias à composição de uma maioria parlamentar sólida.

FHC tinha uma maioria mantida coesa com a ajuda da política tradicional, mas dispunha também de grande convergência de ideias. Fazer um governo do centro à direita , com a característica de unidade ideológica e de similaridade na práticas da política tradicional, foi o achado de estabilidade do governo FHC.

Após a vitória, entretanto, o partido de FHC, com a intenção de amortecer o impacto da aliança com os partidos mais fisiológicos, passou a investir na cooptação de quadros de legendas à sua direita – quadros que não deixaram de ser fisiológicos porque foram para o PSDB, mas, ao contrário, aceleraram a conformação do partido à política tradicional. O PSDB consolidou-se no Norte e no Nordeste graças à ação do “trator” Sérgio Motta que, no comando do partido e do Ministério das Comunicações, fez um trabalho de arregimentação destinado a aumentar rapidamente a bancada e dar maior poder de negociação aos tucanos, na aliança preferencial feita com o então PFL. No Sudeste, o partido comeu o PMDB pelas bordas. No Sul, manteve alguma influência por ter ao seu lado o PMDB.

Era a estratégia de fazer rapidamente um partido grande que, segundo o projeto do grupo original do PSDB, ficaria 20 anos no poder. A porta de entrada era a infidelidade partidária – a possibilidade de mudar de partido sem sofrer punições –, extinta no governo Lula pelo Tribunal Superior Eleitoral, uma decisão ratificada pelo Supremo Tribunal Federal, por provocação dos partidos governistas no governo FHC, que então eram oposicionistas e sofriam o efeito da perda de quadros para a bancada de apoio ao governo petista.

No final de oito anos de mandato, o PSDB havia sido tragado pela política tradicional. Era um partido com quadros nacionais originários do racha do PMDB, em 1988, aos quais se agregaram caciques vindos de outros, em especial no Nordeste. Nos Estados, todavia, estruturou-se absolutamente enquadrado na fórmula de cooptar o chefe político estadual e dar a ele autonomia para arregimentar os donos do poder nos municípios. A política do varejo passou a ser decidida pelos donos do partido nos Estados, a exemplo do que ocorria com o PMDB do qual rachou o tucanato; a política nacional, por “cardeais” que, no governo federal, davam o rumo ideológico do governo, articulavam “por cima” e garantiam a sua base atendendo aos interesses paroquiais de seus líderes estaduais (e nacionais também).

O PT teve um período de consolidação maior antes de chegar ao poder, em 2002, com Lula; e, como foi criado por quadros que militavam fora da política tradicional, sua absorção ocorreu de forma mais lenta. O partido de militância voluntária, no entanto, foi um modelo que começou a ruir nos anos 90; o discurso antiprofissionalização e anti-institucionalização de alguns grupos perdeu ainda mais força a partir de 1995, quando José Dirceu assumiu a presidência nacional, organizou uma burocracia partidária e estruturou profissionalmente o partido para disputar o poder dentro das regras estabelecidas pelas leis, com as devidas adequações às práticas eleitorais e partidárias, inclusive a entrada do PT no mercado de financiamento privado eleitoral, numa realidade em que o custo da disputa pelo voto aumentava de forma geométrica.

Nos dez anos que separaram a posse de Dirceu na presidência do PT do chamado escândalo do “mensalão”, que tirou o seu poder no governo Lula e no PT, o partido viveu um dilema hamletiano: aprendeu a usar o dinheiro e a mensagem publicitária para angariar votos e montou uma estrutura municipal que não apenas capilarizou seus votos, mas ampliou suas fontes de recursos; e de outro lado, submeteu os grupos mais radicais mas ainda os manteve na órbita do partido, “terceirizando” a esses grupos a tarefa de pressionar internamente por decisões de caráter mais programático e orgânico.

O PT completou com Lula oito tumultuados anos de poder, onde assumiu o desgaste pela inserção plena na forma tradicional de financiar partidos, teve de se escorar na popularidade de Lula e completou o ciclo de regionalização. Segundo um parlamentar petista, nos Estados onde o partido tem mais tradição de organização, já está distritalizado – isso quer dizer que, onde tem prefeitos, consegue eleger deputados estaduais e federais. Esse é um indicativo bastante forte de que, do ponto de vista funcional, o partido já opera de forma muito semelhante aos demais.

Proliferam também, Brasil afora, situações onde os grupos do PT mantém-se rachados em relação aos governos estaduais e municipais: dividem-se na escolha dos candidatos, os grupos vencidos se afastam durante a campanha e, na composição com um vitorioso de outro partido, uns grupos ficam, outros vão embora. Isso era impensável no passado, exceto no Rio, onde constantes intervenções da direção nacional mais atrapalharam do que ajudaram a unidade do partido.

Do ponto de vista nacional, existem louváveis tentativas de costurar uma certa organicidade no partido que está há nove anos no poder, mas numa coalizão que vai, a partir dele (com seus setores mais de centro-esquerda e outros à esquerda) até partidos de extrema-direita, convivendo com uma oposição que interrompe o arco de alianças ao tentar situar-se ao centro (embora com muita tendência à direitização). A direção nacional tenta definir uma pauta política do próprio partido, que não esteja atrelada simplesmente às posições de governo, e discute seriamente mudanças na legislação eleitoral e partidária para evitar que quadros ideológicos desapareçam diante da necessidade de fazer caixa de campanha (e portanto atrair o interesse das empresas), e para interromper o processo de favorecimento de lideranças boas de voto e dinheiro, em detrimento dos melhores quadros orgânicos.

Sem a reforma eleitoral e partidária, certamente o PT, como partido de governo num regime presidencialista com as características do nosso, não deixará de crescer. Com uma reforma eleitoral que privilegie o voto distrital, também tem chances de manter um crescimento consistente. Com finaciamento privado de campanha, todavia, deixará de ser em pouco tempo o partido que se diferencia no quadro partidário. Em muito pouco tempo. Está no seu limite.

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Comentários

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Sagarana

Pobre Maria Inês, fica tentando explicar o inexplicável, justificar o injustificável… Acha até que o PT ainda não acabou…Ô Maria Inês, um partido que fede a suvaco do seu dono, o Lula, não pode ser considerado como tal

Fernando

Parabéns ao deputado petista Alessandro Molon, único do partido que se manifestou contra a aliança com Eduardo Paes nas eleições municipais de 2012.

Ozeias Laurentino

Aos meus caros internautas, à vocês com diria a presidenta DILMA, esta bom os nossos quero dizer de vocês, deputados ficar no poder 40 anos articulando através de seus grupos econômicos, a manutenção e queda de ministros, tentativas de golpes, tirando as garantia, as liberdade dos militantes partidários de se elegerem e, transformando os partidos em propriedades particulares dos parlamentares. O poder legislativo esta na MONARQUIA , e nos samos uma REPÚBLICA?. Tá tudo normal,tudo muito bom à vocês. Aparecida de Goiânia, GO.

luiz pinheiro

O finaciamento privado de campanha de fato iguala – e no pior sentido – todos os partidos. O que está em jogo não é apenas o PT, se o PT ainda poderá diferenciar-se ou não no quadro partidário. O que está em jogo é a natureza da democracia, é saber se os políticos (e os partidos) devem ser financiados pelos bancos e grandes empresas ou, bem ao contrário, pelo poder público, em condições de igualdade de recursos financeiros e de proibição do abuso de poder econômico. Hoje, sequer há limites para os gastos de campanha. É uma situação absurda. As campanhas ficam cada vez mais caras e os políticos cada vez mais aprisionados por interesses privados nada democráticos.

Cenossaum

Tenho seriíssimas desconfianças de que esse tal limite de que a autora falou já tenha sido ultrapassado faz tempo.

Não se sai da máfia sem declarar guerra a ela. É muito gato escondido com rabo de fora…

Ozeias Laurentino

O PT precisa rapidamente se reformar internamente, como acabar com A REELEIÇÃO LEGISLATIVA, proibir que os cargos de confiança do partido perdedor participe na nova administração, como forma de renovar de verdade a nova administração e, os partidos, não fazer o estelionato com o eleitor, como acontece hoje o comissionado adere aos parlamentares reeleitos e continuam nas novas administrações, causando uma grande decepção a sociedade e, frustração aos partidários principalmente os mais ideológicos, os mais aguerridos que ficam com vergonha de reclamar seu direitos, de participar do governo de serem chamados de oportunista. Enquanto os verdadeiramente oportunistas e que estavam no governo passado continuam. Cargos de carreira como os concursados estes não tem problemas, tem direitos garantidos.

    Ze Duarte

    "proibir que os cargos de confiança do partido perdedor participe na nova administração"

    esta á uma idéia antidemocrática e ridícula. se o cara é bom, tem que ficar, seja de que partido seja.

    o que você quer é um aparelhamento, como se o estado fosse para ser loteado aos vencedores.

    mas, em todo caso, quem escolhe é quem está no poder, logo, isso é desnecessário. se estão por aí é porque os mandantes querem

Jucilei

Nem a ditadura do proletariado (ou qualquer outro tipo de ditadura), nem essa democracia totalitária, falsa, viciada, (ou qualquer outro tipo de democracia disfarçada) serão capazes de solucionar os problemas de quem realmente leva a sociedade nas costas. Nem PT, nem qualquer outro partido, novo, ou velho, direita ou esquerda. Não há solução dentro do Estado democrático de direito. E fingir que as coisas estão mudando, "aos poucos", não é nem um pouco honesto. A velha história do "água mole pedra dura" vai "por água abaixo" quando, nesse exato momento, crianças buscam comida no lixo, velhos morrem de frio, e pobres trabalham, trabalham, e continuam apanhando na cara, literalmente.

francisco.latorre

financiamento público.

o resto é gato na tuba.

..

    Tobias Reis O. LLory

    achar q financiamento publico de campanha vai resolver ou mesmo diminuir os problemas da politica brasileira e a corrupção epidêmica q temos é o mesmo q achar q "protetor solar" salvaria Joana D'Arc da fogueira!

    o ladrão não rouba pra se eleger… ele se elege pra roubar!

    betinho2

    Tobias
    O financiamento público pode não acabar com as mazelas, mas certamente dá condições de candidatos de esquerda se posicionarem categoricamente como de esquerda, pois não dependeriam de doações de empresas, que por sua natureza são de centro, centro direita ou ainda de direita. Como está, os Serras da vida, que venderam a alma para o neoliberalismo, que os financiam, se apresentam como pseudo esquerda e depois de eleitos governam para a direita. Ou seja, estelionato ideológico.

    Klaus

    O que impede que candidatos "aéticos" recebam tanto o financiamento público quanto o privado? Fiscalização? quá quá quá

    Rafael

    O que acontece hoje é exatamente isso, políticos recebem do privado e público. Ficando somente o público se corta o vínculo com o financiador, pelo menos legalmente, oficialmente. No final sempre é o Estado que paga o custo da eleição. Ou vamos considerar que um empresa "doa" dinheiro para um candidato sem esperar depois esse dinheiro de volta e corrigido? Seria infantil até considerar que alguma empresa faz doação sem esperar receber o dinheiro de volta.
    Concordo com o Betinho2 que com financiamento público faicará mais claro diferença entre esquerda e direita.

    francisco.latorre

    a direitalha treme.

    só de pensar em financiamento público.

    ..

    luiz pinheiro

    O ladrão rouba porque o sistema tá montado pra ele roubar.

    Ze Duarte

    e porque o financiamento publico iria proibir o financiamento privado?

    só vai fazer dinheiro do contribuinte ir pelo ralo

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