Jair de Souza: Dupla moral não é exclusividade da mídia tupiniquim; vídeo

Tempo de leitura: 3 min

Duplicidade moral é o forte da mídia tupiniquim, mas não é sua exclusividade

Por Jair de Souza*

Nossa mídia corporativa e seus serviçais mais abnegados foram tomados pela indignação e fúria em razão do recente pronunciamento de Lula em um evento realizado em Addis Ababa, capital da Etiópia.

É que Lula ousou fazer severas críticas à matança por atacado que as forças militares do sionista Estado de Israel estão realizando contra a população civil da Faixa de Gaza, na Palestina, atingindo principalmente crianças e mulheres.

Antes de entrar de sola no assunto de meu interesse, queria propor a quem por ventura venha a ler este texto um exercício mental.

Imagine que, ao caminhar pelas ruas de uma cidade brasileira (São Paulo, por exemplo), você presenciou a seguinte cena:

“Um homem que também caminhava por ali, ao se deparar com uma dezena de crianças dormindo na calçada cobertas por chapas de papelão, tomou uma garrafa de gasolina que levava consigo, lançou seu conteúdo sobre o papelão e ateou fogo. Como resultado, todas aquelas crianças morreram com seus corpos carbonizados.

Uma outra pessoa que coincidia de passar por aquele local naquele momento não conseguiu se conter e dirigiu as seguintes palavras ao homem que havia ateado fogo nas crianças: Como você pôde fazer tal coisa? Você agiu como se fosse o diabo!

Por sua vez, ao ouvir isto, o homem que tinha queimado as crianças não conseguiu conter sua indignação e considerou que tinha sido vítima de uma monstruosa agressão ao ser equiparado ao diabo. Por isso, decidiu chamar a polícia e denunciar a seu ofensor.”

Agora, imagine também qual seria a reação dos policiais que atenderam a ocorrência quando souberam do acontecido.

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O que você pensaria se esses policiais demonstrassem estar totalmente afinados com os argumentos do homem que queimou as crianças.

Para esses policiais, o fato de o matador das crianças ter sido comparado ao diabo era um crime muitíssimo mais grave do que a eliminação pelo fogo daquela dezena de crianças.

Bem, esta situação hipotética vai nos ser útil, pois o caso que diz respeito a Lula tem muito de parecido, embora não se limite ao extermínio de uma dezena de crianças, e sim de mais de 15.000.

Sim, para nossa mídia corporativa, os bombardeios inclementes realizados pelas forças armadas da quarta maior potência militar do planeta contra um povo inteiramente desprovido de capacidade militar, com a expulsão de mais de dois milhões de pessoas de suas residências, a demolição de quase todas as suas casas, o bloqueio ao ingresso de alimentos e água, o ataque e destruição a seus hospitais e escolas, a morte de mais de 35.000 pessoas civis, sendo cerca de 70% delas mulheres e crianças, além das centenas de milhares de pessoas que foram vítimas de ferimentos graves, nada disso foi capaz de comover aos donos de nossos meios de comunicação corporativos, nem a seus serviçais mais afinados com seus interesses.

Porém, ao tomarem ciência de que Lula tinha feito um paralelo entre os crimes abomináveis que o sionista Estado de Israel estava cometendo com aqueles praticados por Hitler na Alemanha nazista, isto fez transbordar o limite de tolerância dos editores da mídia tupiniquim.

No dia seguinte às declarações de Lula, todas as manchetes desses meios exigiam em uníssono uma retratação de Lula.

Que os bolsonaristas se indignem com o que Lula disse é compreensível. Os bolsonaristas são nazistas, e de nazistas não se pode esperar nenhum tipo de empatia com o sofrimento dos mais humildes.

Portanto, não há nenhuma estranheza ao saber que representantes das igrejas que partilham do pensamento nazista-bolsonarista estejam pedindo a cabeça de Lula por ele ter feito um paralelo entre os crimes do sionista Estado de Israel e os que em seu tempo cometera a Alemanha nazista.

Deles, não se poderia esperar muita coisa diferente. Mas, de uma mídia corporativa que vive se dizendo equilibrada e serena, aí, não dá para aceitar.

Lamentavelmente, essa duplicidade moral é uma característica muito forte de nossos meios de comunicação corporativos. Porém, devemos admitir, não é sua exclusividade.

Por mais que nos seja desagradável admitir, nos países centrais do imperialismo ocidental, este costume de usar dois pesos e duas medidas de acordo com os interesses que estão em jogo também está presente.

E se o tema em questão for o sionista Estado de Israel e sua agressão genocida contra o povo palestino, mais ainda esta duplicidade moral se fará sentir.

Neste vídeo que apresentamos em associação com este material, vamos poder observar como os altos dirigentes dos Estados Unidos e da Europa sucumbem igualmente a esta mania de avaliar as coisas de modo diferente, dependendo do que esperam obter como resultado.

Como já se tornou habitual a imposição de dificuldades para a circulação de ideias que não estejam em sintonia com o esperado pelos centros dominantes do capitalismo ocidental, o vídeo foi postado em duas plataformas diferentes.

Esperamos que em alguma delas o vídeo possa ser visto:

*Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.

Leia também:

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Comentários

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Zé Maria

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Enquanto açula a claque interna e os antilulistas no Brasil,
Netanyahu prepara o que, provavelmente, será a maior e
mais mortífera ofensiva na Faixa de Gaza. Uma operação
militar em Rafah, na fronteira com o Egito, começará em
10 de março.

A escolha da data não é coincidência, ela marca o início do Ramadã,
período sagrado para os muçulmanos.

Expulsos do norte e da região central do enclave, perto de 1,5 milhão
de palestinos estão confinados na cidade como bois à espera do abate.

O governo egípcio decidiu construir um muro para evitar uma migração
em massa e a transferência do conflito para seu território.

Relatório da ­Unicef e da Organização Mundial da Saúde, ambas da ONU,
aponta um rápido aumento da morte de crianças, principais vítimas
do bloqueio e dos bombardeios israelenses.

Ao menos 90% dos menores de 5 anos foram afetados por uma ou mais
doenças infecciosas e 15% com até 2 anos sofriam desnutrição aguda.

“A fome e as doenças são uma combinação mortal”, enfatizou Mike Ryan,
responsável pelas emergências da OMS. ­

Netanyahu recusa-se a qualquer negociação em torno da criação de
um Estado palestino e os mais radicais integrantes do ministério do
governo de Israel defendem a expulsão da população de Gaza para
o Deserto do Sinai (no território egípcio).

No dia da votação da resolução de cessar-fogo no Conselho de Segurança,
no fim vetada pelos EUA, Netanyahu ordenou um bombardeio inclemente
e indiscriminado no enclave palestino.

Uma demonstração de força bruta e um alerta de que Tel-Aviv não pretende
submeter-se às regras internacionais.

Ou, na interpretação de grande parte da mídia brasileira, um exercício ‘legítimo do direito de Israel à autodefesa’.

Leia a Íntegra do Texto na Edição Impressa n° 1299 de CartaCapital,
Publicado em 28 de fevereiro de 2024, sob o título “Crise Fabricada”:

https://www.cartacapital.com.br/mundo/crise-fabricada/

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