Carta Maior: As mudanças no BC da Argentina

Tempo de leitura: 4 min

Argentina quer redirecionar BC para fomentar desenvolvimento

Projeto para reformar Banco Central da Argentina, anunciado pela presidenta Cristina Fernández de Kirchner diante do Congresso, pretende terminar com o modelo neoliberal no sistema bancário instalado pela ditadura de 1976 e aperfeiçoado pelo menemismo durante os anos noventa. Projeto propõe um Banco Central que intervenha no desenvolvimento econômico com equidade, estabilidade financeira e crédito produtivo. A presidenta argentina defendeu que os BCs devem acrescentar à sua tradicional responsabilidade em política monetária um papel de “forte intervenção na economia”.

06.03.2012

Francisco Luque – De Buenos Aires, na Carta Maior

Buenos Aires – O projeto para reformar a Carta Orgânica do Banco Central da República Argentina (BCRA), anunciado pela presidenta Cristina Fernández de Kirchner diante do Congresso, na quinta-feira passada, é um dos anúncios mais relevantes em matéria econômica tendentes a terminar com o modelo neoliberal no sistema bancário instalado pela ditadura de 1976 e aperfeiçoado pelo menemismo durante os anos noventa. Um projeto que tem como objetivo enterrar as idéias da lei de convertibilidade impostas em 1992, propondo um Banco Central que intervenha no desenvolvimento econômico com equidade, estabilidade financeira e crédito produtivo.

Em seu discurso no Congresso Nacional, a Presidenta frisou que os bancos centrais deviam acrescentar à sua tradicional responsabilidade em política monetária um papel de “forte intervenção na economia”.

“Em 1992 se suprimiram todas suas funções de orientação do crédito, imobilizando o Estado neste papel, e esse poder foi parar nas entidades financeiras, nos bancos e, por isso, aconteceu o que aconteceu na Argentina e no mundo inteiro. O resultado disso se chamou Consenso de Washington”.

De concreto, se for aprovado, o Banco Central terá como meta preservar o valor da moeda, além de somar à estabilidade financeira e ao desenvolvimento econômico com equidade social. Poderá regular e orientar o crédito outorgado aos bancos, estabelecendo as condições em termos de prazos, taxas de juros, comissões e cargos. Com isto, o BCRA recuperará seu papel histórico na promoção do crédito produtivo. Também enterrará formalmente o manual ortodoxo “Metas de Inflação”, que diminui a autonomia da política cambial e expõe a economia à instabilidade dos mercados financeiros.

A presidenta explicou que a iniciativa aponta registrar no marco normativo o atual funcionamento da política macroeconômica. Junto com a ampliação dos objetivos do banco eliminam-se os resíduos da convertibilidade. Para isto, se modificará a obrigação de manter uma relação direta entre a base monetária –dinheiro e depósitos na economia – e a quantidade de reservas. O um-por-um será substituído por uma nova forma de determinar o nível de reservas ótimas. O projeto dispõe que, quando o estoque de divisas supere este ponto, o excedente poderá ser destinado ao pagamento de vencimentos da dívida externa. Não obstante, embora o projeto estipule que só se poderá utilizar para pagar a dívida, o fato de que o BCRA possa cobrir boa parte do vencimento da dívida, implica uma economia significativa e abre uma porta para aplicar em diversos fins como, por exemplo, a reestatização da indústria nacional, privatizada nos anos noventa.

Um dos pontos para fortalecer o papel do BCRA no novo paradigma econômico é a ampliação de seu mandato com o objetivo de perseguir objetivos múltiplos. Estas mudanças recuperarão metas existentes no organismo desde sua criação, em 1935, com governos de diferentes orientações políticas, como o pleno emprego, o crescimento econômico e o desenvolvimento. Esta busca do desenvolvimento econômico com equidade social contempla um amplo espectro de objetivos, como a criação de emprego, o crescimento econômico, a distribuição de renda e também a questão do meio ambiente.

“A atual Carta Orgânica do Banco Central está dissociada do modelo produtivo que persegue metas de inflação sem atender a economia real. A nova normativa deixa em letra escrita que a autoridade monetária passará a ter como objetivo principal a estabilidade monetária, a estabilidade financeira e o desenvolvimento econômico com equidade social”, afirmou a presidenta do BCRA, Mercedes do Pont, ao jornal Página/12.

Segundo os especialistas, o Banco Central argentino continuará tendo como objetivo defender o valor da moeda, mas agrega outras metas que já foram aplicadas explicitamente por outros países depois dos nocivos efeitos da crise financeira, e evitando o exemplo do Banco Central Europeu, uma entidade considerada excessivamente ortodoxa, demasiado preocupada com a inflação, que inclusive chegou a subir a taxa de juros na Europa quando estava à beira da recessão.

Outro aspecto interessante é o impulso ao crédito. Na Argentina, o crédito representa somente 14% do PIB, um dos percentuais mais baixos em nível regional, e estão concentrados nos setores que mais rentabilidade oferece aos bancos: o consumo e o comércio exterior. A proposta outorga um papel ativo na promoção do crédito produtivo de longo prazo. Para isso, poderá regular as condições dos empréstimos, estender prazos, fixar tetos para as taxas de juros, orientar o destino a qualquer setor produtivo ou região, limitar as comissões e os cargos. “Não existem exemplos no mundo de recuperação econômica exitosa onde o crédito ao investimento de longo prazo não tenha exercido um papel transcendental no processo de desenvolvimento”, sustentam as autoridades econômicas do país.

Neste aspecto, a ministra da Indústria, Débora Giorgi, assegurou que esta reforma permite orientar o sistema financeiro para investimentos produtivos. “O capital dos bancos deve ser dirigido para financiar a economia real, para aprofundar a reindustrialização e a geração de mais postos de trabalho”, sustentou a autoridade.

Este projeto impulsiona também mudanças para prevenir o abuso na relação entre o sistema financeiro e seus clientes. A nova norma incorpora às funções do BCRA a necessidade de limitar a concentração do sistema financeiro e evitar o abuso de posições dominantes. Assim, a autoridade monetária colaborará ativamente com as Comissões Nacionais de Defesa do Consumidor e Defesa da Competição. Também amplia a incompatibilidade para qualquer negócio financeiro e quem chegue à diretoria do Banco Central deverá renunciar a outras atividades do setor. A iniciativa também estimula o papel de supervisionar do organismo, assim como auditar todo o sistema bancário e as fusões e aquisições entre entidades.

“A ruptura com o legado dos anos 90 implica restituir ao Banco Central seu papel histórico na promoção do crédito produtivo acompanhando as políticas formuladas pelo governo. Será uma das funções estratégicas para garantir a estabilidade monetária, sustentar o crescimento econômico e caminhar para o desenvolvimento e o pleno emprego. É o mesmo que se definia na norma de 1992 e que postula em sua carta orgânica a Reserva Federal, banco central norte americano, referência para desorientados pelos alertas de espanto de porta-vozes de banqueiros e ex-presidentes do BCRA, sempre tão próximos dos interesses do mundo das finanças”, ironizou o editoralista Alfredo Zaiat, do Página/12.

Tradução: Libório Junior

Leia também:

Novo Código Florestal deve anistiar 75% das multas milionárias


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Davi Lemos

Bom também é ver como a mídia brasileira quebrou a cara (de pau): viviam dizendo que Cristina Kirchner não tinha personalidade própria, que era guiada pelo marido, Nestor, que seria quem comandava o governo de fora. Qualquer semelhança com o tratamento dado a Dilma durante as eleições não é mera coincidência.

    beattrice

    De fato dona Dilma tem vontade própria, contrária aos interesses do povo brasileiro, mas tem.

    Davi Lemos

    Sim, é isso mesmo, Beattrice, concordo contigo. O que quis dizer é que ela não é dependente do Lula, como a mídia alardeou.

Augusto Soares

Essas medidas darão certo e a Argentina ocupará seu lugar de direito entre as maiores economias mundiais. Por uma America Latina forte como prega nossa Constituição Cidadã de 1988 !!!

Fernando

Comparando com as ações práticas de Argentina, Venezuela, Equador, Bolívia e etc constatamos que o governo brasileiro é de direita.

    Fabio_Passos

    E não é por outro motivo que os avanços sociais na Argentina, Venezuela, Equador e Bolívia são muito mais expresivos do que no Brasil.

    Willian

    Tem aquela história do cara que era a favor do comunismo. Classe média, não era rico, mas podia se dizer que estava bem de vida. Perguntado por que era a favor do comunismo respodeu: "Ora, os comunistas vão dividir as riquezas entre todos. Com o que tenho, mas a parte que vai me caber na divisão, eu vou ficar rico. Tem gente no Brasil que pensa igual. Olham para o crescimento econômico brasileiro deste últimos anos (já somos o 6º PIB, viram?) e pensam: Se com esta economia neoliberal do PT estamos assim, imagina se tivéssemos como presidente Cristina Kirchner ou Hugo Chavez!!!! Aí sim este país ia para frente.

    Fabio_Passos

    "de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades.”

    Para os leitores da veja… feno.

    Willian

    Um dia o Atlas se revolta…

    Fabio_Passos

    Quem ainda lê veja é fósforo queimado… só tiro um tempo prá caçoar.

    Nelson

    Ao mesmo tempo, em termos de distribuição da renda, o Brasil está colocado em posição altamente vergonhosa: entre mais de 190 países, nosso país é um dos dez piores.
    Como se vê, meu caro Willian, somente crescimento do PIB não é tudo.

    Willian

    Estranhamente, a situação econômica do Brasil é muito melhor do que a deles. Discorda?

    Davi Lemos

    O Eike Batista que o diga, não é?

Willian

Ninguém confia nos dados de inflação divulgados pelo governo argentino. Assim, para que o BC vai cuidar do índice de inflação. Basta o governo divulgar um número baixo e fictício e estamos conversados. Há alguns dias, a revista Economist informou com não mais divulgará os dados argentinos, por não serem confiáveis. Segundo o governo, a inflação em 2011 foi de 9,7%. Pesquisas independentes apontam 24,4%. A central sindical CTA (Central dos Trabalhadores da Argentina), segunda maior do país, defendeu um aumento salarial de 25% para os seus trabalhadores, alegando que “uma negociação abaixo dessa cifra estaria cedendo ao aumento de preços”, conforme noticiou recentemente o jornal “Clarín“. A CTA foi uma aliada da presidente Cristina Kirchner na campanha pela reeleição, em outubro do ano passado.
Segundo a “Economist”, o próprio governo oferece aos sindicatos reajustes similares aos índices não oficiais de inflação.

LULA VESCOVI

Que inveja.

Fabio_Passos

Que inveja!

Aqui no Brasil a irresponsabilidade de um BC comandado pela especulação financeira, além de promover a maior roubalheira institucionalizada do país, ainda compromete nosso crescimento com estes resultados pífios e vergonhosos abaixo de 3%aa.

O Brasil deveria seguir este ótimo exemplo da Argentina:
“… A nova normativa deixa em letra escrita que a autoridade monetária passará a ter como objetivo principal a estabilidade monetária, a estabilidade financeira e o desenvolvimento econômico com equidade social”

Vlad

Excelente! Só falta agora parar de fraudar os índices.

    EUNAOSABIA

    Eles (o governo de los K), só atacam a imprensa que não se vendeu a eles, boa parte da imprensa nativa da Argentina se vendeu a essa senhora e seu governo incompetente e completamente medíocre, os jornais que teimam em permanecer independentes se tornam alvos – inclusive de violência física – por parte desse governo tresloucado.

    Veja o caso desse jornal chamado "Página 12", esse jornal era completamente crítico do governo argentino, ocorre que ele se tornou um adeísta do regime, hoje suas páginas são fartas em publicidade estatal, daí que pararam de criticar a Los K e só derramam elogios, rapaz, não é só aqui que jornalista de vende não.

    Neste ponto estamos anos luz dessa gente, Fernando Henrique criou as bases, Lulas as manteve – tudo bem que ao não mudar NADA, gerou uma herança maldita – e Dilma a duras penas vem tentando fazer o melhor que pode…. sem fanfarronismo e lutando contra uma estrutura arcaica…

    Viva FHC que criou as bases do que temos hoje, 17 anos de macro economia criada por Fernando Henrique, Viva Lula que manteve tudo intocado e Viva Dilma, viva esses três, que apesar dos pesares, estão bilhão a frente desses malucos governantes argentinos et all cucarachos.

    E a gente é obrigado a ler esses fanáticos por aqui elogiando esses incompetentes de los K.

    Não tem a menor noção do que dizem.

    Luiz

    Será que a uma alternativa ao capitalismo?

    leandro

    Fraudam tanto que no cardápio do McDonalds de lá não tem o Bigmac. Fui em janeiro e nem no aeroporto de Ezeiza tem Big mac. Tudo para mascarar os indicies. Para a Argentina não ficar mal no índice Big mac. Republiqueta de bananas inflacionadas. O combo similar custa o dobro e nunca tem o Big mac.

    "É baseado na teoria da paridade do poder de compra: como o Mc Donald's usa ingredientes e procedimentos idênticos nos 120 países em que tem filiais, o preço do Big Mac deve refletir as variações do câmbio local. Ou seja: se o Big Mac de um país custa o mesmo preço em dólares que nos Estados Unidos, há paridade cambial entre o dólar e a moeda deste país. Ao longo do tempo, a variação do preço do lanche também serve como um indicador da inflação de cada região."

    Nelson

    Fizeram bem em retirar esta grande porcaria, que muitos, manipulados até a medula pela propaganda, seguem acreditando que seja comestível.

    leandro

    não retiraram o macdonalds, retiram um item do cardapio para manipular indice de inflação. Em Buenos Aires tem mais macdonalds que no Rio.

    abolicionista

    A fascistada mostrando seu lado xenófobo.rs

E S Fernandes

Como eu queria uma Cristina por aqui
Ela não tem medo; enfrenta o latifúndio oligárquico; a midia podre; o banqueiro rentista; o deputado vendido; a justiça injusta; a velhacaria fardada de pijama e assassina
Não tenho inveja da Argentina, mas do seu governo
Que sepulta o neoliberalismo e põe em marcha um projeto de nação
Um dia no governo do PT (de um partido efetivamente do trabalhador), chegaremos aos pés da Argentina
Viva o nosso Brasil!

    Fabio_Passos

    Cristina promove avanços na Argentina enquanto Dilma promove retrocessos no Brasil.
    Indignante.

Porco Rosso

Isso sim é uma presidenta.

beattrice

Votei na CFK e vejo no governo uma gerente de bancos, com todo o respeito aos gerentes de bancos.

    Elton

    Bem interessante sua visão de gerente de banco. Realmente você deve ter muito dinheiro para ser bem tratada por gerentes de banco que respeitam muito bem um bom saldo em conta.
    E sem ironia digo: " Com todo respeito ao gerente de banco" que nada mais é do que um trabalhador como outro qualquer, que só tem serventia quando da lucro ao patrão.
    Mantenha sua magnânima quantia de dinheiro no banco! E fique feliz pois os donos dos bancos jamais estiveram tão felizes quanto agora.
    Sem duvida você nunca pediu dinheiro emprestado ao banco ou sequer sabe o que significa financiar algo.
    E o que KIKO!!!! Gentalha, gentalha…assim você me deixa loucooooooo

    beattrice

    Só pensa que gerente de banco não é mais um trabalhador expoliado pelo patrão, nas suas palavras, quem nunca conversou de fato com um para saber o que se passa sobretudo depois da grande concentração de capital financeiro permitida pela fusão absurda dos bancos privados no Brasil.
    Diga-se de passagem os estatais não ficam atrás no assédio moral e violação de direitos em todos os níveis e setores da hierarquia.

eunice

Eles não têm BNDS….

Deixe seu comentário

Leia também