“Anticomunismo é a base ideológica comum para o espectro fascista no Brasil”

Tempo de leitura: 7 min

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“Anticomunismo é a base ideológica comum para o espectro fascista no Brasil”, afirma historiador

por Igor Felippe, no Escrevinhador

O professor de história na Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Lucas Patschiki, pesquisa a continuidade e transformações do fascismo do começo do século 20 até agora.

No Brasil, ele estuda o portal de extrema-direita Mídia Sem Máscara, dirigido pelo filósofo Olavo de Carvalho, e o Instituto Millenium, que reúne diretores, colunistas, comentaristas e blogueiros vinculados aos grandes meios de comunicação.

Segundo ele, a onda conservadora que avança no Brasil é um fenômeno mundial, ligado ao enfraquecimento da democracia burguesa, à crise do capitalismo a partir de 2008 e às dificuldades do modelo neoliberal de encontrar uma saída para o seu projeto econômico.

Essa onda conservadora se manifestou nas eleições de 2014, com a votação expressiva de ícones da direita para o Congresso Nacional, e explodiu nas ruas com os protestos do dia 15 de março, quando segmentos extremistas catalisaram o sentimento de indignação de milhares de brasileiros.

No caso brasileiro, afirma Patschiki, a ascensão de atores conservadores pegou carona na doutrina do “anticomunismo preventivo”, que norteou a atuação da mídia hegemônica nos últimos 12 anos, como forma de pressão para que o PT cumprisse os acordos com a classe dominante e o imperialismo.

“O anticomunismo serviu como base ideológica comum para o espectro fascista da sociedade, um movimento organizador visando o acirramento da luta de classes, tendo como expectativa a crise aberta. O fascismo, como fenômeno surgido com o imperialismo, tem como função política e social primária reorganizar o bloco no poder de maneira brutal durante a crise aberta, para a manutenção e reprodução da sociedade de classes, o que denota seu caráter de organização visando a luta contra a classe trabalhadora e, de maneira geral, de luta contra qualquer avanço democratizante”, afirma.

Abaixo, leia trechos da entrevista.

Incapacidade do Estado

Vivemos historicamente uma ofensiva violenta do capital contra o trabalho sob a égide do neoliberalismo, e isto tem consequências que atingem a totalidade da sociedade. Para o que nos interessa discutir aqui, temos de sublinhar o deslocamento dos centros de decisão política. Há um esvaziamento da capacidade de universalização de direitos pela via parlamentar-eleitoral burguesa, que acaba por ser inundada pela pequena política (a política que é incapaz de mudar os rumos do Estado). Mas este esvaziamento não se traduz em uma crise de direção política, pois a capacidade de decisão é deslocada para esferas corporativas na ossatura material do Estado, no caso brasileiro notadamente para o Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), lugar de construção de consensos sociais em favor do capital, assim como o Banco Central.

Crise política

A Dilma tentou reavivar esse pacto social, abalado pela estagnação econômica. Primeiro, em contato direto com o empresariado na própria eleição e depois do pleito pela distribuição de cargos e ministérios (Joaquim Levy, Kátia Abreu, etc.). Não foi o suficiente, enfraquecendo as articulações políticas com os partidos na Câmara e no Senado. Isso, somado à ida para ruas, que em 2013 quebrou a política de apaziguamento das organizações das classes subalternas, via CUT e PT após a eleição de Lula. Agora, em 2015, se radicalizam, com parte dos atores políticos intitulados de direita passando a inclusive defender inclusive a ruptura institucional dessa democracia que temos. Abre-se um precedente preocupante para o futuro. Estamos, sem dúvida, vivendo uma crise política no âmbito da representatividade. Isso atinge todos os partidos, e os desdobramentos dessa crise ainda são nebulosos.

Onda conservadora

Com a crise de 2008, crise estrutural do capital, há uma ascensão de projetos, pautas e movimentos de cunho chauvinista, xenófobo e mesmo fascista. Eles são financiados abertamente pelo grande capital e servem tanto para se colocarem como possibilidade em caso de crise de direção política quanto para constituírem uma base social de sustentação e apoio ativo ao incremento da violência estatal, diante do esvaziamento das formas de resolução política formal da democracia burguesa. O caso mais claro é o do Tea Pparty estadunidense. Ou seja, há uma correlação fundamental entre a ascensão fascista, o aumento (qualitativo e quantitativo) da violência e autoritarismo estatal e o programa neoliberal.

Anticomunismo preventivo

No caso brasileiro, a ascensão desses atores foi motivada pela justificativa do “anticomunismo preventivo”, mote para a atuação raivosa da mídia hegemônica nos últimos 12 anos: elemento de pressão para que o Partido dos Trabalhadores em suas gestões federais cumprisse os acordos acertados com a classe dominante e o imperialismo. O anticomunismo serviu como base ideológica comum para o espectro fascista da sociedade, um movimento organizador visando o acirramento da luta de classes, tendo como expectativa a crise aberta. O fascismo, como fenômeno surgido com o imperialismo, tem como função política e social primária reorganizar o bloco no poder de maneira brutal durante a crise aberta, para a manutenção e reprodução da sociedade de classes, o que denota seu caráter de organização visando a luta contra a classe trabalhadora e, de maneira geral, de luta contra qualquer avanço democratizante.

Intelectuais do conservadorismo

Intelectuais, colunistas e blogueiros conservadores disseminaram suas pautas por todo o campo político. Mas a atuação destes tem objetivos políticos mais profundos que o eleitoral, eles buscam a conformação cultural e ética de todo um modo de ser, visando prioritariamente a pequena e nova pequena burguesia. Existe uma série de marcos ideológicos que “pegaram”, tornaram-se referência para esses diferentes atores: a suposta existência de um movimento revolucionário de cunho gramsciano, corporificado no PT; que existiria a possibilidade da transformação automática de uma gestão presidencial sob a democracia burguesa em um regime de esquerda, o que remetem ao bolivarianismo; que as universidades e o conhecimento teria um filtro ideológico inevitável e que no caso brasileiro seria o de esquerda; que os diferentes movimentos de contestação ou de reconhecimento (caso das lutas pelo casamento LGBTs, por exemplo) possuem o mesmo sentido político comunista (conscientemente ou não). São variações sobre uma matriz anticomunista, que nem mesmo é original, já que é reprodução de discursos semelhantes estadunidenses ou europeus.

Sem resistência

O PT não cumpriu nenhum combate a esse tipo de discurso, inclusive, a partir de determinado momento, passou até a se apropriar dele de maneira pragmática, como elemento ideológico de distinção entre o seu programa e os demais, o que foi explorado amplamente na eleição. E por fim, a partir das Jornadas de 2013, há uma nova compreensão sobre as possibilidades da atuação do PT como gestor federal e mesmo sob os limites da democracia burguesa, o que se manifestou tanto na organização da esquerda quanto nos votos nulos e abstenções, abrindo espaços para a reação.

PT no governo

O PT das gestões federais é um partido que reivindica simbolicamente seu passado histórico como esquerda, bem longe de ter uma pauta ou um programa de esquerda. PT e CUT migraram para um projeto de ‘reforma dentro da ordem’ que evoluiu posteriormente para a ‘reprodução da ordem’ nos marcos do padrão de acumulação neoliberal e da autocracia burguesa reformada”. A “composição do blocão” tem a ver como o modo pelo qual o PT se conformou como gestor autorizado do Estado capitalista, ou seja, suas mudanças deram-se exatamente por sua institucionalização, seja nos marcos da democracia parlamentar-eleitoral ou pelo sindicalismo de Estado. Essa nova correlação de forças levou a ofensiva neoliberal a um novo padrão hegemônico, os limites que antes a esquerda balizava passaram a serem violentamente esgarçados. Mas é preciso deixar claro, somente a ascensão petista não explica a conformação desta “nova direita” fascista, sua emergência ocorre exatamente por ser o projeto histórico e social neoliberal incapaz de solucionar as suas crises.

Superdimensionamento

A questão da participação das igrejas neopentecostais na onda conservadora parece ter tido uma divulgação mais ampla que as demais, o que me parece que interessante, porque sua atuação é em relação às camadas mais empobrecidas da população brasileira (o subproletariado que falava Paul Singer já nos anos 80) em disputa direta com os mecanismos de transferência de renda federais, notadamente o Bolsa Família. Mas mesmo essas igrejas não atuam como bloco, pois a Igreja Universal colocou-se ao lado do PT em todo o processo eleitoral, o próprio Silas Malafaia participou ativamente das gestões de Lula com um discurso que até denunciava a Teologia da Prosperidade, que hoje reivindica (como já pode ser visualizado pela pesquisa em andamento de Jonas Koren).

Combustível neoliberal

O neoliberalismo serve como terreno que alimenta o fascismo. Se estes atores fascistas ainda não apresentam-se plenamente no Brasil é porque a conjuntura ainda não os fez “necessários”. Mas não podemos nos dar ao luxo de esperarmos, visto que a violência contra os que “não consentem” já está posta como prática política – e de maneira crítica, pois acumpliciada por um partido que se reivindica como “dos trabalhadores”. Não é preciso ir muito longe para visualizar o quadro terrível que já vivemos: no campo, a violência aberta contra indígenas, posseiros, movimentos sem-terra, militantes dos direitos humanos, etc.; nas cidades, a brutalidade do aparelho repressivo do Estado nas periferias, favelas, ocupações, remoções, manifestações, etc. Que os exemplos da Grécia, da Ucrânia e agora também do México sirvam como alerta.

Antecedentes da onda

Trabalho com a continuidade e transformações do fascismo durante os séculos XX e XXI, analisando este fenômeno como característico da fase imperialista do capitalismo, e que portanto, possui plena possibilidade de ressurgir. Eu entendo estes partidos e movimentos através de suas três “ondas” históricas, formulação de Jean-Yves Camus. A primeira onda histórica seria a do fascismo clássico. A segunda onda corresponde aos fascismos do Pós-Guerra, ou seja, o movimento de transformação exigido aos partidos e regimes (Portugal e Espanha) para sua manutenção, assinalando duas de suas maiores mudanças ideológicas: o abandono do corporativismo, típico da primeira onda, e a justificativa maior de sua existência marcada pelo anticomunismo preventivo, ou seja, a defesa de um modelo democrático altamente formal e restritivo, dentro da conjuntura geopolítica da Guerra Fria (o Tea Party remete sua origem a esta onda, cujo expoente naquele país foi o movimento macarthista).

Atualidade

A terceira onda ocorre durante e após os anos oitenta, quando os partidos fascistas passam a assumir o projeto econômico ultraliberal, assumindo uma postura de defesa “cultural” de cunho xenófobo. Embora estas peculiaridades assumam um formato “geracional”, na prática, isto não ocorre, pois, grupos com distintas características (assinaladas simplificadamente através das ondas) afloram no espectro fascista dentro de uma mesma temporalidade histórica. Em especial na contemporaneidade, cabendo a cada um destes grupos a atuação em uma frente específica, no “espectro” fascista da sociedade. Portanto, sua ascensão é de escala global e acompanha a crise estrutural do capital, onde o capital não oferece mais soluções para as questões estruturais globais, uma crise civilizacional.

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Comentários

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Carol Majewski

Excelentes as informações contidas nos artigos denunciando o modus operandi do fascismo que, sem nos darmos contas, está se disseminando em muitos países do mundo, inclusive naqueles ditos avançados, como a França por exemplo. Carol Majewski

FrancoAtirador

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MORREU O HOMEM CUJA BIOGRAFIA FUNDE-SE COM A HISTÓRIA DO CINEMA
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(http://www.esquerda.net/artigo/morreu-manoel-de-oliveira-1908-2015/36451)
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https://www.youtube.com/watch?v=Vj_1TKQrFN8

    FrancoAtirador

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    O GEBO E A SOMBRA
    (Legenda em Espanhol)
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    http://www.movshare.net/video/2faq44039wgki

    FrancoAtirador

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    O Gebo e a Sombra
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    Título original: Gebo et l’Ombre
    De: Manoel de Oliveira
    Com: Claudia Cardinale, Jeanne Moreau, Leonor Silveira, Ricardo Trêpa, Luís Miguel Cintra
    Género: Drama
    Classificação: M/12
    Outros dados: POR/FRA, 2012, Cores, 95 min.
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    Apesar de viver no limiar da pobreza, Gebo continua a sua actividade de contabilista para sustentar Doroteia, a mulher, e Sofia, a nora.
    A existência daquelas três pessoas é triste e monótona, girando à volta da ausência de João, o filho, que ninguém sabe onde está ou as razões por que partiu.
    Apesar do velho senhor tentar encontrar maneiras de aliviar o sofrimento das duas mulheres, parece que nada consegue minimizar as suas dores.
    Até que, sem que já ninguém o esperasse, João regressa.
    E é a partir daquele momento que o equilíbrio familiar, já de si frágil, se rompe, dando origem a uma catástrofe….
    Baseado na peça homónima de Raul Brandão (1867-1930), escrita em 1923, a mais recente obra do mestre Manoel de Oliveira é um retrato da pobreza, da honestidade e do sacrifício.
    O “Gebo e a Sombra” teve a sua estreia mundial no início de Setembro, em dias sucessivos, no Festival de Veneza e na Cinemateca Francesa em Paris – onde a obra do realizador passou numa retrospectiva integral. PÚBLICO
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    “O Dinheiro Nunca se Perdoa”
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    Por Egas Branco
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    De cada nova obra do decano, a nível mundial, dos cineastas (103 anos) espera-se sempre algo de muito pessoal, que ele nos queira transmitir, a nós espectadores mas também provavelmente aos seus pares.
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    Embora esta peça de Raul Brandão, “O Gebo e a Sombra”, contenha algo de contraditório;
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    por um lado um desespero quase niilista (estado de espírito que está a reaparecer entre nós, neste início de século, perante o regresso da exploração mais selvagem, dos mais pobres pelos mais ricos, nesta fase de refluxo dos direitos humanos em mais um episódio da luta de classes, que essa mesma luta se encarregará de corrigir mais cedo ou mais tarde);
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    por outro lado uma exaltação da honestidade
    (hoje cada vez mais rara entre as classes dominantes.
    Mas não terá sido sempre assim entre os dessas classes?)
    e do espírito de sacrifício, apesar da sua aparente inutilidade,
    já que só isso não chega, porque não elimina as injustiças.
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    Terá sido isso que seduziu Oliveira?
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    De resto é como sempre o primado da voz e dos actores, em longos planos fixos e só por estes actores do nosso contentamento já valeria a pena ver este belo filme, porque eles são magníficos, a interpretar os diálogos da peça de um autor a que já chamaram o mais tchekhoviano dos escritores portugueses.
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    Convém no entanto lembrar outras das suas obras, de “Os Pobres” a “Húmus”, passando pelos livros de viagens – “Os Pescadores”, ele que descendia de homens do mar, até ao teatro, nomeadamente essa famosa tragicomédia “O Doido e a Morte” e relembre-se que, ainda há pouco tempo, Alexandre Delgado, se serviu dela para libreto de uma ópera e Joaquim Benite, encenou-a no teatro, do que resultou um espectáculo conjunto que nos fascinou, até pela modernidade do texto.
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    Para terminar desejava só lembrar uma frase chave no filme,
    porque Oliveira, e os seus actores, também a sublinharam:
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    “Sofia (como quem fala doutra coisa maior que a subjuga):
    -Mas se essas pessoas ricas lhe perdoassem?
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    Gebo: -Perdoar o quê? O dinheiro, filha? O dinheiro nunca se perdoa.”
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    (http://cinecartaz.publico.pt/Critica/309445_o-dinheiro-nunca-se-perdoa?cid=16653)
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FrancoAtirador

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Já que, no Terceiro Milênio da Era Cristã, o Capital decretou a abolição de “O Capital”,
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hoje, termos como ‘Comunismo’ e ‘AntiComunismo’ são apenas Clichês de Uso Genérico.
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Aliás, aqui no braZil, não só a Literatura Marxista foi abolida, como todo e qualquer Livro,
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seja de Ciências Humanas como de Química, Física e Biologia, restando somente a Bíblia
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e os Compêndios de Artigos de Colunistas da Revista Veja/Naspers e do Jornal O Globo.
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(http://pt.wikipedia.org/wiki/Anticomunismo)
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Mário SF Alves

“No Brasil, ele estuda o portal de extrema-direita Mídia Sem Máscara, dirigido pelo filósofo Olavo de Carvalho, e o Instituto Millenium, que reúne diretores, colunistas, comentaristas e blogueiros vinculados aos grandes meios de comunicação.”
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Este é um intelectual que se honra. Só por aí já ganhou o meu respeito.

Almir

Os neobabacas não tem mais nem água pra enxaguar o __zão.

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