Eliara Santana: JN e o despudorado pacto com o extremismo de Israel e contra Lula

Tempo de leitura: 4 min
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Por Eliara Santana

Por Eliara Santana*

A construção de narrativas para manipular as percepções do público nunca foi prerrogativa do grupo de extrema direita bolsonarista que consolidou por aqui o ecossistema de desinformação.

A mídia corporativa já se utilizava dessa ferramenta há bastante tempo.

E continua a fazê-lo muito bem, como mostra a cobertura da crise recente entre Israel e o Brasil, deflagrada por uma declaração do presidente Lula em evento na Etiópia, como segue:

“É importante lembrar que em 2010 o Brasil foi o 1º país a reconhecer o Estado palestino. É preciso parar de ser pequeno quando a gente tem que ser grande. O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus. “Então não é possível que a gente possa colocar um tema tão pequeno, sabe, você deixar de ter ajuda humanitária. Quem vai ajudar a reconstruir aquelas casas que foram destruídas? Quem vai retribuir a vida de 30.000 pessoas que já morreram, 70.000 que estão feridos? Quem vai Quem vai devolver a vida das crianças que morreram sem saber por que estavam morrendo?…

Vou me ater aqui apenas à cobertura do JN e sua estratégia narrativa de viés único e nenhuma pluralidade no trato com a informação, e farei comentários sobre as edições seguintes à reação de Israel à fala do presidente.

A estratégia narrativa para direcionar a percepção do público em relação ao embate entre Brasil e Israel foi tecida discursivamente a partir da condenação prévia da fala do presidente Lula – não havia nenhum interesse em mostrar contrapontos, declarações favoráveis, contextualização do problema.

E um ponto relevante: o JN, e a mídia toda, afirma que Lula compara a guerra na Palestina com o Holocausto, mas Lula não menciona o termo, ele se refere a “matança de judeus” – como vocês podem ler acima –, que tem sim outra conotação.

Vamos aos detalhes das edições:

Edição de 19/02

O JN deu 13 minutos e 20 segundos para mostrar a reação de Benjamin Netanyahu sobre a fala de Lula, e o assunto abriu a escalada (as chamadas que antecedem o começo da edição).

A condenação ao que Lula disse já estava definida na pauta, portanto, nenhum contraponto foi apresentado, não houve nenhuma contextualização par situar o que está ocorrendo na Palestina – por exemplo, números poderiam ter sido citados.

Sim, a reportagem colocou a declaração de Lula, na íntegra – isso não foi omitido, nem poderia ser –, mas ela não teve o mesmo destaque ou peso das declarações de Netanyahu dizendo que Lula havia “cruzado a linha vermelha” sem qualquer mínimo contraponto.

E na sequência, os entrevistados ouvidos já estavam prontos para corroborarem a máxima de que “Lula errou”, o que era a convicção do jornal, como ficou claro no comentário engessado da historiadora.

Outro detalhe que fica perdido na reportagem: o chanceler israelense fez uma armação muito bem calculada ao levar o embaixador brasileiro para o Museu do Holocausto após convocá-lo para a reunião de emergência, mas isso aparece como algo simples, fora do protocolo – inclusive com a postagem de Katz justificando a escolha do local.

Acontece que a declaração de Katz foi feita em hebraico, idioma que o embaixador brasileiro não domina. Fato que o JN omitiu dos telespectadores.

Outra fonte que ganhou destaque na condenação a Lula foi o senador Ciro Nogueira, ex-aliado de Jair; nenhuma fonte favorável foi ouvida, repito.

A reportagem deu destaque total à nota e às declarações da Conib (Confederação Israelita do Brasil), sem qualquer contraponto, sem notas de outras entidades, com total adesão.

Edição de 20/02

Já na escalada do jornal, o destaque foi para as declarações – absurdas, diga-se de passagem – do chanceler Israel Katz.

Na sequência da edição, o destaque continua, sem muitos contrapontos à narrativa falsa do chanceler.

Vale pontuar que a reportagem deu espaço à declaração do ministro Paulo Pimenta e do chanceler brasileiro Mauro Viana – mas num tempo bem menor.

Como a pauta de condenação já estava fechada, deu amplo destaque ao pronunciamento de Rodrigo Pacheco condenando (sem muita convicção) a declaração do presidente Lula e exigindo retratação e omitiu a resposta do senador Omar Aziz, que afirmou o óbvio, ou seja, que o povo de Israel não se confunde com o governo. Além disso, a única fala de um petista foi a Jacques Wagner, discordando da declaração.

Não houve nenhuma fonte ou comentário dos apresentadores para criticar a linguagem absurda utilizada pelo chanceler israelense nas declarações fake dadas por ele em redes sociais.

Por fim, quero destacar aspectos que não poderiam estar ausentes de qualquer reportagem sobre o assunto:

1. Benjamin Netanyahu está politicamente desgastado com o ataque selvagem que impôs ao povo palestino.

2. Há uma falsa dualidade entre criticar a ação de Israel e apoiar ações terroristas do Hamas.

3. O que Israel fez com o embaixador brasileiro foi uma absurda armação e aquela exposição cretina típica dos manipuladores que se parece com uma ação normal e sem grandes intenções.

4. O mundo não se resume à Europa e aos Estados Unidos, ou à opinião desses grupos.

5. Lula verbaliza algo que é um forte incômodo para inúmeros países que não têm nem a coragem nem a devida representação no mundo para dizê-lo. O Brasil tem peso mundial, e a declaração de Antony Blinken na reunião do G20 mostra exatamente esse tamanho.

6. É absolutamente ridículo e desprezível a imprensa querer reduzir Lula, em seu terceiro mandato e após retirar o Brasil do caos, a um indivíduo inconsequente que diz coisas sem pensar. Ele é um chefe de Estado da maior magnitude.

Minha aposta: com o avanço da reunião do G20 no Brasil, a não intenção dos EUA em ampliar esse debate e a exposição da reação caricatural e fake de Israel Katz, a mídia vai, aos poucos, empurrando a cobertura vergonhosa para debaixo do tapete. Aguardemos.

Leia também:

Maria Carlotto: É erro de análise interpretar a escalada do governo Netanyahu contra Lula como crise diplomática

Jair de Souza: Dupla moral não é exclusividade da mídia tupiniquim; vídeo

Valter Pomar: O governo de Israel deveria ”aprender História e pedir desculpas”

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Eliara Santana

Eliara Santana é jornalista e doutora em Linguística e Língua Portuguesa e pesquisadora associada do Centro de Lógica, Epistemologia e Historia da Ciência (CLE) da Unicamp, desenvolvendo pesquisa sobre ecossistema de desinformação e letramento midiático.


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Comentários

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Zé Maria

https://t.co/v8z5gTWEX2

“Comitê Nacional de Cibersegurança
é criticado por conflito de interesses.

Duas Advogadas ligadas a Entidades Empresariais
ocuparam duas (2) das três (3) Vagas destinadas
à Sociedade Civil no Comitê.

Entidades de direitos digitais pedem anulação da escolha.”

https://tibr.in/comite-gsi
https://twitter.com/TheInterceptBr/status/1761076280072548667
DIRETORA DA FIESP E ADVOGADA DE EMPRESAS ABOCANHAM VAGAS
DA SOCIEDADE CIVIL EM COMITÊ NACIONAL DE CIBERSEGURANÇA
Entidades de Direitos Digitais Pedem Anulação das Escolhas
https://www.intercept.com.br/2024/02/23/diretora-da-fiesp-e-advogada-de-empresas-abocanham-vagas-da-sociedade-civil-em-comite-do-gsi/

Zé Maria

.
.
Isto é o que perturba mesmo os Herdeiros Bilionários do Roberto Marinho:
.
.
“Editorial d’O Globo hoje ataca a operação da Petrobras
para retomar o controle da Refinaria de Mataripe (RLAM)
na Bahia.

Nenhuma linha sobre relatório do TCU apontando que BOLSONARO
ENTREGOU A REFINARIA, em 2021, por um Preço U$ 1,2 Bilhão de Dólares, ABAIXO DO SEU VALOR DE MERCADO.

Mas O Globo, que em 1953 fez campanha contra a Lei do Petróleo
que criou a Petrobras, não se escandalizou com aquele crime
de lesa-pátria.
Nem com a entrega dos gasodutos do Nordeste e Norte, em 2019,
a um fundo canadense que passou a cobrar aluguel da Petrobras
e em apenas 3 anos recuperou todo o capital investido. Outro crime.

É atrás desse e de outros enormes prejuízos [causados por Bolsonaro]
que a Petrobras e o governo do presidente @LulaOficial estão correndo.”

https://twitter.com/Gleisi/status/1760331642957082876
.
.

Zé Maria

A American Israel Public Affairs Committee ( AIPAC)
é um Grupo de Lobby Pró- Israel junto aos Poderes
Legislativo e Executivo dos Estados Unidos da América.

A Organização Sionista tem sido considerada um dos
Grupos de Lobby Mais Poderosos dos Estados Unidos.

https://en.wikipedia.org/wiki/AIPAC
https://en.wikipedia.org/wiki/AIPAC#cite_note-106
https://en.wikipedia.org/wiki/AIPAC#cite_note-McGreal22-130

Zé Maria

Excertos

“Estratégia narrativa para direcionar a percepção do público
em relação ao embate entre Brasil e Israel foi tecida
discursivamente a partir da condenação prévia da fala
do presidente Lula – não havia nenhum interesse em mostrar
contrapontos, declarações favoráveis, contextualização do problema.”
[…]
“A reportagem [do JN/Globo (19/02)] deu destaque total à nota
e às declarações da Conib (Confederação Israelita do Brasil),
sem qualquer contraponto, sem notas de outras entidades,
com total adesão.”

.

Zé Maria

.

“É quase como se os Interesses Alinhados aos Sionistas

controlassem o Governo, a Imprensa e a Segurança dos EUA.

Sim, a AIPAC [American Israel Public Affairs Committee] é Muito Poderosa.

Não se trata de Religião de forma alguma.

Trata-se de IDEOLOGIA Sionista.”

[“Gee it’s almost like zionist-aligned interests

control the government, media, and security state.

Yes, AIPAC is that powerful.

It’s not about Religion at all. it’s about zionist IDEOLOGY.”]

https://twitter.com/nixedPoE/status/1760015216979407303
.
.
Aqui no braZil não é diferente de lá:

A CONIB é a ‘AIPAC braZileira’.
.
.

Zé Maria

https://pbs.twimg.com/media/GG-IP-QXMAAzYg8?format=jpg
Os tempos de “Uso do Holocausto como Escudo acabaram”
Jornalista Glenn Greenwald
https://twitter.com/GGreenwald/status/1759990787935216041
.
.
“Thousands of Jews and allies are outside the AIPAC Headquarters in NYC
calling on Congress to listen to the will of the people and reject AIPAC as the
extremist warmongers they’ve always been. AIPAC gave money to over 196
reps in November alone. It’s time to #DumpAIPAC.”

[“Milhares de judeus e aliados estão em frente à sede
da AIPAC [American Israel Public Affairs Committee]
em Nova Iorque, apelando ao Congresso para ouvir
a vontade do povo e rejeitar à AIPAC como os
extremistas fomentadores de guerra que sempre foram.

A AIPAC deu dinheiro a mais de 196 parlamentares [dos EUA]
somente em novembro. É hora de #DumpAIPAC .”

“With over 30,000 Palestinians killed by Israeli forces in Gaza, we demand our electeds stop answering to a far-Right group and start listening to their constituents. #DumpAIPAC now!”

“Com mais de 30.000 palestinos mortos pelas forças israelenses em Gaza, exigimos que os nossos representantes eleitos parem de responder
a um grupo de extrema-direita e comecem a ouvir os seus eleitores. #DumpAIPAC agora!”

Movimento Anti-Sionista “Voz Judaica pela Paz” (“Jewish Voice for Peace”)
https://twitter.com/JvpAction/status/1760777797805527334
https://twitter.com/jvpLive/status/1760775802965148051
https://twitter.com/jvpliveNY/status/1760784509430055096

Zé Maria

‘Parece até’ que a Imprensa braZileira, com Destaque
para os Grupos Globo, Estadão e Folha (GEF), é Financiada
pelos Países Maiores Produtores de Fake News (Notícias Falsas)
Pró-Sionismo do Mundo: Estados Unidos da América e ‘isRéu’.
Da mesma maneira que a Mídia Estadunidense Neoliberal.

Bernardo

Não assisti, ainda bem. Mas já imaginava que todo o PIG agiria dessa forma; fiquei atento às reações internacionais e nelas, tirando o óbvio governo nazifascista dos sioinistas, não houve manifestação contrária e explícita ao que Lula falou, aio contrário, ficou a impressão que ficaram aliviados porque queriam falar assim e por motivos que só eles sabem, mas podemos imaginar, estão mudos.

Luis Edmundo Nascimento Araujo

A boa notícia disso tudo é que edições como essas do JN não abalam mais ninguém, só expõem cada vez mais o terraplanismo dessa mídia corporativa que alguns ainda insistem em chamar de “grande” ou “hegemônica”, mas não apita mais nada.

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