Walace Cestari: Globo prega livre mercado, enquanto sufoca o mercado

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Foto Sergio Silva, Jornalistas Livre, do protesto em São Paulo

Plim-plim

Publicado em 26 de abril de 2015

por Walace Cestari, no Transversos

As efusivas comemorações sucedem-se na metalinguagem vaidosa da emissora poderosa. Cinquenta anos! Que glória. E com audiência! Que bênção. E ainda há os que acreditam que não se pode enganar a muitos por muito tempo. Pobres iludidos. Cada vez mais pobres. Cada vez mais iludidos.

Não há o que tanto se celebrar na história da Rede Globo de Televisão, parte do sistema Globo de controle absoluto da mídia nacional. Um monopólio descarado que detém 60% das verbas de publicidade do país. Um controle quase absoluto em determinados locais, algo que seria proibido nos EUA ou Europa, lugares com leis de regulamentação de concentração de mídia. Uma empresa que sempre usou seu poderio econômico e suas relações promíscuas com o poder em favor de ampliar sua dominação e impor sua visão conservadora de sociedade.

A Globo tem lado definido, tem time, tem bancada. Mas isso não é o mais fundamental, pois nem é tão problemático que se defenda uma posição – algo relativamente comum nos meios de comunicação do mundo. O problema é que a opinião da Globo é transmitida como verdade. A rede falta com qualquer honestidade quando se vende (e como é vendida!) com a imagem da imparcialidade.

Na defesa de seus interesses, noticia versões como fatos consumados, parcialidades como retratos da realidade, colaborando tão somente com a desinformação e a alienação das milhões de vítimas de seu jornalismo fajuto. Seu talento em criar pautas e esconder lutas que não lhe interessam, fazem a agenda do país girar em torno de suas conveniências.

A Globo cria crises e escândalos – não que eles não existam, mas é ela quem determina quais devem ou não existir – que envolvem seus inimigos, abafando completamente quaisquer desvios daqueles que lhe sejam aliados. A verdade é o veredito da análise que faz: são vândalos em 2013, um perigo para a nação; e são cidadãos cívicos os de 2015, quando ela mesma ajudou a organizar o coxinhaço. Até seu jornalismo vive da dramaturgia.

Não é de hoje que o canal se presta ao papel de envergonhar a verdade. A estação fez mais do que apoiar a ditadura, “trabalhou silenciosamente” – segundo os documentos abertos do governo estadunidense – para evitar eleições em 1965 e para endurecer o regime. A Globo tem as mãos sujas do sangue de mulheres e de homens torturados nos porões da ditadura militar. O que fez foi mais que apoiar, mas sustentar e defender ideologicamente o regime, vendendo ilusões e ocultando qualquer informação contrária ao regime. Jornalismo vendido, publicidade em forma de noticiário.

Não é necessário muito esforço para lembrar de como a Globo foi máquina de propaganda do regime militar, de como, por exemplo, buscou esconder as Diretas Já, transformando comícios por eleições em comemorações oficiais. Manipulações grosseiras, como a edição do debate entre Collor e Lula, são frequentes na emissora, que revela não ter limites na imposição de suas vontades à sociedade. Não é com a verdade que a empresa tem compromissos.

Uma concessão pública questionada em seu nascedouro pela parceria com o grupo estrangeiro Time-Life, condenada pela CPI do Congresso em 65, mas arquivada posteriormente, talvez pelos serviços prestados ao governo militar. A Globo coleciona parcerias com caciques locais, como Sarney e Collor em suas afiliadas.

Chegou a comprar a empresa NEC em uma tortuosa negociação que envolvia o então ministro das comunicações Antônio Carlos Magalhães – principal beneficiário da transação – e sua rede de tevê que, coincidentemente, logo após o acordo, passou transmitir o sinal da emissora de Roberto Marinho na Bahia – era uma retransmissora da extinta Rede Manchete – provocando o rompimento unilateral do contrato da Globo com sua então afiliada, a Tv Aratu.

O que dizer do escândalo da Proconsult, quando a Globo quis mudar o resultado das primeiras eleições do país depois do regime militar? Uma tentativa de impor uma derrota a Leonel Brizola – seu grande desafeto – a qualquer preço, mostrando que a falta de critério jornalístico é prima-irmã do mau-caratismo editorial que permeia a emissora.

Há tanto de escândalos e corrupções para se apontar na Rede Globo… Desde o golpe do Papa-Tudo, uma pirâmide financeira patrocinada pelos grandes artistas da Platinada, até a acusação, via Wikileaks, de desvios no repasse de doações do Criança Esperança para a Unesco, passando pelo uso de paraísos fiscais na compra de direitos de transmissão. A lama parece ser o lugar ideal para se procurar a credibilidade das ações da concessionária de tevê.

Talvez o mais impressionante seja a hipocrisia global. Ideologicamente, defende a economia de mercado, privatizações e mais uma série de medidas de flexibilização de direitos e ataques às conquistas trabalhistas. Entretanto, não convive bem com a concorrência de mercado, buscando acabar com atrações de sucesso em outras emissoras.

A Globo, por inúmeras vezes, contratou artistas da concorrência a peso de ouro para, simplesmente, encostá-los na famosa “geladeira”. Como uma criança mimada, quer para si tudo aquilo que não deseja que apareça em qualquer outro lugar. Não basta o discurso simplista da “democracia do controle remoto”, pois é como se pudesse dizer que um viciado em drogas não larga o vício apenas porque não quer.

Assim, compra a exclusividade de eventos que não possui interesse em transmitir, como o carnaval carioca e seu desfile das campeãs. Historicamente, a Globo apresentou Brizola como um Odorico na construção do Sambódromo, inclusive veiculando o boato de que a estrutura não era segura e apresentava riscos. Boicotou a transmissão do carnaval de 84 e amargou uma de suas piores derrotas. Hoje, altera horários de desfile, deixa de transmitir algumas escolas e detém a exclusividade do desfile das campeãs apenas para que nenhuma outra emissora transmita.

O mesmo se passa no futebol, com um monopólio condenado pelo Cade – que orientou o Clube dos 13 a negociar de maneira separada os direitos televisivos – onde adianta cotas e endivida clubes, mantendo-os sob seu domínio, transmitindo apenas o que lhe interessa e alterando horários de jogos a seu bel-prazer. O torcedor passou a mero detalhe. Até no circo há o respeitável público, algo diferente do pensamento global, em que seus espectadores devem ser tratados como idiotas: a Globo transmite ao vivo a luta gravada.

E, dessa maneira, invade a vida da sociedade, influenciando seu comportamento e impondo sua visão de mundo em todas as áreas em que atua. As quase sete horas diária de teledramaturgia privilegiam os estereótipos, os preconceitos e a superficialidade. Nordestinos e gays retratados como figuras curiosas e divertidas. Negros que mostram a humildade de sua raça perante o domínio branco.

Histórias maniqueístas, que promovem os valores dominantes, atuando firmemente na manutenção do status quo. Os núcleos pobres felizes, passivos, indicando o quanto é bom ser pobre e ficar longe dos conflitos de ganância e poder que envolvem outros núcleos. Lá, o bom burguês é cercado de serviçais e mostra como pode ser boa a relação de exploração. O pobre humilde de bom coração vencerá na vida, mostrando que o mérito é possível e acessível a todos, normalmente pela via de um bom casamento.

E segue la nave. Escondendo dívidas bilionárias com o fisco, manipulando opiniões e produzindo verdades. Não é à toa que Roberto Marinho teve lugar na Academia Brasileira de Letras tendo escrito apenas “Uma Trajetória Liberal”, obra que nada tem de literária: seu lugar se justifica pelo fato de que, como jornalista, foi o maior autor de ficção do país.

São cinquenta anos de interferência na vida do brasileiro. Meio século a serviço da exploração e contra os trabalhadores brasileiros. Ilusionista da falsa democracia nacional, monopolizadora de opiniões, dona das verdades que podem criar mitos ou destruir reputações. Cinquenta anos de Rede Globo, a principal feitora da escravidão intelectual e cultural imposta a todo um país. Que não haja mais cinquenta. Não sei se toda gente aguenta.

PS do Viomundo: O sufocamento do mercado publicitário se dá através do BV, o bônus de volume, jabá pago às agencias para que concentrem suas verbas na emissora; o sufocamento do mercado se dá pela propriedade cruzada, por exemplo, no Rio de Janeiro, onde a Globo tem emissora de TV, emissoras de rádio, jornal, portal, etc.

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Medievaldo Pereira: A globalização e os idiotas


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Comentários

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carmen silvia

Até quando eles irão sobreviver e nós iremos suportar? Até quando?

Jadson Oliveira

Caros Azenha e Conceição,
Temos que continuar denunciando a ditadura da Globo e seus parceiros da mídia hegemônica, isto não há dúvida. Entretanto, não podemos ficar apenas nas denúncias, para mim, às vezes, chegam a soar como lamentações, embora reconheça a importância do esforço abnegado dos nossos companheiros blogueiros e também da nossa militância nas diversas esferas. O fato é que precisamos enfrentar, de alguma forma, esses monopólios da informação que desgraçam o país e a vida do povo brasileiro, A nossa situação é calamitosa: o governo não dá um único sinal de reação, muito pelo contrário, cada dia verga mais a espinha. E o movimento democrático, popular e de esquerda se debate em mil e uma debilidades.

Está claro para mim – já há algum tempo tenho escrito alguns artigos sobre isso no meu blog – que temos de buscar o enfrentamento, construindo, de alguma forma, uma mídia contra-hegemônica, além de continuar a luta pela regulação da mídia, especialmente a democratização das concessões de rádio e TV. Luta esta que não anda, apesar do empenho dos ativistas, Agora mesmo – parece deboche – o governo acabou de anunciar a decisão de debater o assunto, através do nosso ministro das Comunicações – grande decisão: o governo decidiu debater. É demais!

Quanto à construção duma mídia contra-hegemônica, é um tema que ainda não está nem em debate, é um tema, na verdade, ignorado, inclusive por nossa blogosfera progressista (ou “suja”).

Estou em Quito e publiquei hoje no meu blog um artigo falando do protagonismo do presidente Correa na batalha da comunicação, um protagonismo inexistente no caso da nossa presidenta aí no Brasil (e também do Lula). Tenho dito em meus artigos que no Brasil não há batalha da comunicação, há um massacre diário.

Bem, colo aí abaixo meu artigo de hoje, pois creio que se trata de uma abordagem relevante que merece maior divulgação (repito a dose nos comentários lá do Facebook).

Me angustio, às vezes, ao pensar no bombardeio que sofrem as mentes e corações da gente brasileira, através de veículos como a Globo. Só uma versão, as informações enviesadas (e as interpretações) sempre pra direita, sempre a fomentar o ódio, a violência, a competitividade, o consumismo, sempre em defesa dos interesses anti-nacionais e anti-populares.

Bom, grande abraço, vcs e os outros blogueiros progressistas fazem um belo trabalho, Jadson Oliveira

NO EQUADOR, HÁ UM PRESIDENTE QUE É PROTAGONISTA NA BATALHA DA COMUNICAÇÃO

‘Enlace Cidadão’, aos sábados, pela Equador TV: durante quatro horas, o âncora/presidente Correa repassa os temas da semana, os planos e ações governamentais, rebate os adversários e polemiza com os meios de comunicação: apresenta o seu contraditório às “verdades” do pensamento único da mídia hegemônica.

Por Jadson Oliveira (jornalista/blogueiro) – editor do blog Evidentemente – publicado em 28/04/2015

De Quito (Equador) – “A imprensa corrupta como sempre… corrupta e corruptora”; “Os mandantes aqui não são o império e o FMI, são o povo equatoriano”; “A verdade, companheiros, nada mais que a verdade… aprendamos com a história, é proibido olvidar!” “Vamos rumo à segunda e verdadeira independência!” “Somos mais, companheiros, somos muitíssimo mais”.

Quem já imaginou escutar bordões deste tipo saídos da boca de um presidente (ou presidenta) brasileiro, na tela da TV? Pois é, que morram de inveja e desespero os patriotas e ativistas do Brasil: isto acontece aqui no Equador, na nossa América Latina, através do programa ‘Enlace Ciudadano’, todos os sábados, das 10 às 14 horas, na emissora pública Equador TV, canal 7.

O âncora é nada mais nada menos que o presidente da República, Rafael Correa. Durante quatro horas, com ênfase, humor e ironia, respaldado por uma plateia animadíssima – não faltam os gritos de “reeleição, reeleição!” -, ele repassa os temas locais e internacionais da semana, relembra toda a agenda da presidência, fala das inaugurações de obras, anuncia outras e apresenta planos de ação governamentais.

E – certamente a parte mais interessante – rebate os políticos adversários e polemiza com os meios de comunicação opositores, a grande maioria da mídia privada. Dá a sua versão sobre cada um dos temas importantes abordados pelos jornais e noticiários durante a semana, desmascarando, com detalhes e sem eufemismos, as tramas, mentiras e manipulações, em conformidade com a visão do governo. (Numa de suas investidas, disse: “Essa imprensa não serve nem para amadurecer abacate” – no Brasil seria “enrolar peixe”).

Ou seja, no ‘Enlace Cidadão’, Correa apresenta ao vivo e em cores, na tela da TV (tem transmissão também por rádio e o programa é repetido em outro horário), a partir de um cenário instalado em algum ponto do país, o seu contraditório às “verdades” do pensamento único da mídia hegemônica.

E o faz sem ser enfadonho. Lembra inclusive o famoso “Alô Presidente!” do líder venezuelano Hugo Chávez, que todos os domingos, durante horas, encantava a grande audiência formada por seus seguidores. Talvez Correa não chegue a ter a eloquência e o carisma de seu amigo Chávez, mas creio que se sai muito bem na televisão.

Não é à toa que o conceituado jornalista e acadêmico Ignacio Ramonet, diretor do Le Monde Diplomatique em espanhol, tenha comentado recentemente que Correa estudou comunicação depois de se tornar presidente. (Uma boa dica para os presidentes e políticos do Brasil).

A visita do Papa, “as mãos sujas da Chevron” e Cantinflas

Assisti todo o programa do dia 18 de abril, no sábado seguinte à Cúpula das Américas. A recapitulação dos fatos da semana abrangeu, na verdade, duas semanas, já que o presidente no sábado anterior, dia 11, estava no encontro do Panamá.

Além, portanto, dos destaques da agitada Cúpula – com a reaproximação de Cuba e EUA e as ameaças do império contra a Venezuela –, Correa repassou assuntos como a inauguração da Escola de Defesa da Unasul, um contra-ponto à famigerada Escolas das Américas (no Panamá), que fomentou as ditaduras militares na América Latina;

Apresentou planos de ação nas áreas de educação tecnológica e de políticas industrial e agroindustrial, contando com a ajuda duma bancada de ministros e assessores; enalteceu a figura do grande Eduardo Galeano, que tinha morrido naquela semana; falou dos últimos desdobramentos da campanha “As mãos sujas da Chevron” – o governo e o povo lutam por indenização pela destruição ambiental causada pela petroleira na Amazônia equatoriana;

Falou também, além de vários outros temas, do pedido que fez – e foi atendido – para que o Papa incluísse a cidade de Guaiaquil (a maior do país) no roteiro da visita ao Equador, na primeira quinzena de julho próximo; e do convite feito pelo Vaticano ao país para ajudar na elaboração da encíclica sobre o meio ambiente e as mudanças climáticas, em virtude dos avanços explicitados sobre o assunto na sua Constituição de 2008.

Há ainda alguns quadros que diversificam a programação, como ‘Equador em positivo’, que no programa que assisti expôs números sobre a redução da pobreza e das desigualdades; outro é ‘A cantinflada da semana’ (o nome vem do consagrado ator e humorista mexicano Cantinflas).

Aliás, nesta linha de explorar o humor, há também, já no final do programa, a participação de quem julgo ser um comunicador/comediante, que discorre – com interlocução frequente de Correa – sobre temas que devem ser picantes, engraçados e relacionados ao dia-a-dia da cultura nacional, a julgar pelos risos da plateia. (As pessoas normalmente não entendem chistes/piadas em língua estrangeira, é o meu caso).

Ah, quase ia me esquecendo duma frase muito repetida pelo presidente âncora/apresentador/animador: “Nosso trabalho não visa as próximas eleições, mas as próximas gerações”.

PS: Estou devendo aos meus leitores matéria sobre a construção da mídia contra-hegemônica da chamada Revolução Cidadã e a aplicação da “Ley de Medios” equatoriana, aprovada há quase dois anos, visando a democratização das concessões de rádio e TV.

Afonso Guedes

Se o BV é um jabá que a Globo dá às agências, essas são tão corruptas
e venais quanto ela.

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