Urariano Mota: A morte de Tayná, a tortura e a imprensa

Tempo de leitura: 3 min

por Urariano Mota, em Direto da Redação

Recife (PE) – O inquérito do assassinato da menina Tayná, no Paraná, ilustra o tempo de trevas que  sobrevive no Brasil.

Em breves linhas lembramos que toda a imprensa noticiou que uma linda jovem de 14 anos, Tayná Andrade da Silva,  havia sido  estuprada e morta por quatro empregados de um parque de diversões, no dia 25 de junho. E que os frios estupradores confessaram o seu hediondo crime, depois de um rápido e eficiente trabalho da polícia.

Os apresentadores na tevê bradavam, elevavam a tensão em nossas veias: “E aí, o que devia ser feito com esses animais?”, e mostravam as imagens das quatro feras.

Assim estávamos nós com a nossa consciência insatisfeita, porque clamávamos pelo sangue desses monstros, quando, passados alguns dias, a brava perita Jussara Joeckel descobriu que jamais houve qualquer violência sexual contra Tayná.

Mais, que o exame de DNA no sêmen encontrado na calcinha da jovem não pertence aos tidos como culpados. E para o cúmulo do absurdo, a perita afirma que a menina foi morta depois dos “assassinos” presos.

Escândalo. A perita Jussara teve a sorte de ser apoiada por uma jornalista à altura, Joice Hasselmann.

A repórter divulgou a análise e registrou no Blog da Joice que em meio aos gritos e ao bate-boca de uma reunião na Secretaria de Segurança, um integrante da Polícia Civil chegou ao extremo da pergunta:  “será que na contraprova nós não conseguimos um laudo com resultado inconclusivo?”.

Sabe-se agora que o preso Adriano teve um cabo de vassoura enfiado no ânus,  amarrado de ponta-cabeça e agredido com uma máquina de choque, para que confessasse o crime.

A máquina de choque foi usada com uma haste de metal introduzida no seu ânus. Adriano, internado em hospital, tem sinais de perfuração no intestino. E todos os presos, depois de torturados, tiveram que assinar sem ler os “seus” depoimentos escritos.

Infelizmente, este é um caso exemplar da polícia brasileira, de Norte a Sul do país. Prende-se o culpado,  para depois iniciar-se a investigação que prove a sua culpa.

A investigação, todos sabemos, é sempre a mesma: porradas primeiro, uma pergunta depois. Se o culpado não responder logo o que se quer provar, tudo mal. Pau de arara e choques elétricos como método infalível de apuração. Se responder conforme a acusação, tudo mais ou menos.

A tortura continua, mas dessa vez para selar o depoimento, ou como gritam os torturadores: “Ah, então você escondia o jogo, não é, safado? Você vai ver agora o que um criminoso merece”. Pelo medo e terror, selam assim a culpa do culpado.

O costume da tortura se transformou em uma coisa tão banal, que os advogados falam nas entrevistas em invalidação do inquérito, porque contaminado pela violência. Isso é óbvio. Daí os doutores partem para a soltura dos presos, com a posterior cobrança ao Estado pela prisão indevida. O que é justo.

Mas da ação lhes escapa o maior horror: eles parecem não  ver que os policiais deveriam responder, antes de tudo, pela tortura, porque esse é um crime condenado, imprescritível em nossa Constituição e em todos os tribunais civilizados. O fundamental lhes escapa: a mais severa punição prisional para o torturador.

Mais. Chamamos a atenção para o comportamento da imprensa que reproduz as versões  da polícia sem um filtro, sem uma dúvida. Os repórteres copiam o Boletim de Ocorrência, e de tal modo que repórter policial é o mesmo que policial repórter. Mas isso é igualzinho ao tempo da ditadura.

É igual àqueles malditos anos em as mortes de “terroristas” eram reproduções exatas da Agência Segurança Press. Se não, olhem o que se falou sobre o assassinato da menina de 14 anos nas tevês:

“Polícia termina investigação sobre morte da menina Tayná”, em (clique aqui) 05/07/2013.  “Polícia conclui inquérito e afirma que os suspeitos mataram Tayná, em (clique aqui) 05/07/2013

Os exemplos da imprensa brasileira, que reproduz de modo literal o que a polícia lhe sopra, ao fim de torturante inquérito, poderiam ser mostrados a um infernal  infinito.

E o mais grave, leitor. Agora mesmo, neste preciso instante, um preso comum está sendo torturado, sofrendo empalação ou é morto. Isso em plena democracia. Era bom que transformássemos o caso Tayná em um começo de real mudança, nas delegacias de polícia e na imprensa.

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O Ernestinho


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Comentários

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Dr. Rosinha: Quando o comportamento da mídia é criminoso – Viomundo – O que você não vê na mídia

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Alex Back

“E para o cúmulo do absurdo, a perita afirma que a menina foi morta depois dos “assassinos” presos.”

Onde está escrito isso? Quando a perita disse isso? Se afirmativo, é de EXTREMA GRAVIDADE e não se pode afirmar tal coisa sem a devida fonte. Principalmente por qualquer comentarista a milhares de km de distância.

Onde está escrito ou quando se disse isso?

joao pinheiro

URARIANO,

Seu artigo é uma maneira de demonstrar que não podemos fechar fileiras com o discurso da imprensa dominante. Bravo.

Mardones

Esse é mais um daqueles casos para os que sentem saudades da ditadura. O estado – por meio da polícia militar – forja uma situação de admissão de culpa e apresenta os criminoso à nação. A imprensa pega carona, sem a mínima investigação dos fatos, e a sociedade se satisfaz com a ‘justiça’.

Quando ‘a verdade’ é questionada, poucos se atrevem a redimir os antes culpados e pedir a apuração dos fatos. Todo o aparato estatal é colocado a carga para insistir na mentira e não admitir a culpa e o crime cometidos. Acuados, os cidadãos, assistem a um ritual de horror que segue nos nossos governos e polícia militar.

Os paranaenses – que se acham melhores que os outros brasileiros – muitas vezes, são incapazes de ver o governo de mentira que tem administrado o estado sem vergonha de manter uma polícia militar tão vergonhosa quanto as demais. E um governador que insiste em passar a imagem de homem moderno e administrador de excelência.

O caso da menina Tayná é um desses que deixa claro o tipo de sociedade que temos – de norte a sul: uma população que não percebe a maquiagem política que tenta vender a ideia de modernidade e de excelência, mas na verdade exibe a face do atraso e do mais do mesmo (igual a qualquer outro aparato estatal de qualquer lugar do Brasil).

p.s: a tal Joice Hasselmann é uma comentarista do tipo que ‘vomita’ a culpabilidade dos ‘mensaleiros’ do PT, mesmo antes do STF julgar os méritos e outras verborragias. É uma ‘jornalista’ que agradaria a audiência da Globo ou da Folha de São Paulo pela sua parcialidade.

Tiao

Precisamos acabar com programas do tipo Datena/Marcelo Resende,que fazem
apologia à tortura e à pena de morte todos os dias na televisão.Esses programas são uma excrecencia.

    maria olimpia

    Concordo com você, Tião!

Malvina Cruela

enquanto isso os ladrões quando presos não são obrigados a devolver o que roubaram a suas vitimas…pq??? fácil…. pq é com o produto do roubo que pagam advogados, juízes, promotores, delegados, carcereiros etc..etc..

Miro Bacin

Pois é… E as redes sociais? Esta é a hora do “gigante” dizer a que veio. Deixemos de lado a grande mídia (ela é imutável)e façamos aquilo que tanto sentimos pedidos aos aos tradicionais meios de comunicação.

janaina

o mais preocupante é que é o segundo caso de tortura na região de ctba que vem à publico em menos de um mês. ambos nos mesmos moldes.

Mauro

A imprensa investigativa é tão eficiente que não estranharam o fato de os quatro terem confessado o crime e não apontavam o local onde foi enterrado o corpo.

Edgar Rocha

Eu já desanimei. Não há o que fazer e não vejo saída. A gente vem num espaço como este, acaba tendo acesso a informações que muito bem poderiam ser consideradas privilegiadas, se comparadas à opinião pública, que acaba por não ter outra versão senão aquela veiculada na TV pelos Datenas, Rezendes e múmias globais. Fica aquele gosto amargo de que, apesar do contraponto claro em relação ao noticiado, as autoridades, a imprensa acessível e senhora da repercussão nacional, a justiça e tudo mais garantirão a versão oficializada pela verdade forjada do “anseio popular”. Não punirão policiais, abafarão a realidade simplesmente ignorando-a, divulgarão somente o que for conveniente e nenhuma repercussão, por mais incisiva, seja em manifestação popular, seja na ação de algum abnegado a fiar-se pelos fatos e a agir com retidão… tudo isto será diluído, as atenções desviadas e a revolta contida na garganta dos injustiçados não passará dos efeitos em sua vida particular destroçada. Se já não mais adianta denunciar, agir coletivamente, reivindicar, questionar ao menos… Falei recentemente em outro post que quando a dor é por demais aguda, mesmo o mais inerte dos seres acaba por se mexer. Pra mim, no entanto, qualquer ato circunscrito ao respeito por esta sociedade em que vivemos não passará de mero esperneio. Há uma boa parcela de pessoas neste país que já está pela tampas. Basta só mais um pouquinho pra se abrir mão do conceito de auto-inclusão. Será mesmo que desejamos nos incluir neste beco sem saída? Vale à pena buscar seu espaço neste lixo? Espernear pra garantir seu espaço é muto pouco. Já tá na hora de largar de mão, mesmo. Se mexer sim, mas na direção correta. A oposta.

    Márcio Gaspar

    NADA É IMPOSSÍVEL MUDAR –
    Bertold Brecht
    Desconfiai do mais trivial,
    na aparência singelo.
    E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
    Suplicamos expressamente:
    não aceiteis o que é de hábito como coisa
    natural,
    pois em tempo de desordem sangrenta,
    de confusão organizada,
    de arbitrariedade consciente,
    de humanidade desumanizada,
    nada deve parecer natural
    nada deve parecer impossível de mudar

Gerson Carneiro

Com a palavra: Datena e Marcelo Rezende.

    renato

    AH! eles vão comentar mais tarde, bem mais tarde quando
    lhes convier.
    Não são pessoas que me representam.
    Representam o IBOPE.O CAPITAL, vendem pessoas e policiais.
    O fato existe mas não tem ética…
    Deveriam escutar o mestre.

SERAFIM GOUVEIA

A incompetência com a maldade policial desmonstra que nossa polícia é um lixo! Não sabem investigar! Ela é um monte de ignorante, não tem formação intelectual, apenas formação de arma e abuso de autoridade! Acham que podem fazer tudo! Essa raça de policial deveria ser extinta! MIDIA RAIVOSA E INCONSEQUENTE acabam com a imagem das pessoas, passam no moeder de carne e aí é tarde quando descobrem que destruiram pessoas de bem! Provavelmente o assassino da TAYNÁ seja filho de alguém do governo do Paraná! Quem sabe do governador ou do próprio delegado!

vladimir lacerda

O pior de tudo é que o crime de tortura ficará impune.O inquérito administrativo que poderia resultar na exoneração dos delegados não ocorrerá. Serão enviados para uma delegacia do interior e lá continuarão seus avançados métodos de investigação. E olha que foi no Paraná centro de civilidade e respeito às leis.Sim! e quem matou a jovem Tayná?

Leonardo

Já exoneraram os “policiais”? Vai demorar quanto para o Estado tomar uma atitude?

renato

EEEEEEEEEEEEEEEEEE ……agora…….cade aqueles que escracham os ….
DIREITOS HUMANOS…….acham que são só estes.
EEEEEEE quem foi o filho da mãe que fez isto com a menina…

Reinaldo José Mercador Dantas

E AGORA?????????????????? cadê os movimentos sociais???????????????????

    Olegário

    Esses movimentos sociais já foram prestar solidariedade aos familiares da garota morta?

Bacellar

Esse é o M.O. de boa parte das policias Brasil afora. Ja testemunhei inumeras vezes repórteres “acreditando” mais na versao da PM do que em seus proprios olhos. Os apelidos populares dados aos policiais no Brasil mostram como os mais humildes os encaram: Vermes, ratos cinzas, porcos…

Leo V

O mais grave é que provavelmente quem havia sequestrado Tayná não teria a matado caso a polícia e a imprensa não tivessem apresentado já os “assassinos”.

Joaquim Vaz

Por isso e por essas, não coadunei e saí, e muito arrependido por ter entrado (na polícia). A justiça, a polícia, as Leis só funcionam para os menos favorecidos e isso Eu descobri quando tinha 12 anos, ou seja em 1976, desde então luto da forma que posso, esbravejo/dialogo com colegas do trabalho, numa quase vã tentativa de mostrar que estamos num país atrofiado pela mídia, não desisto nunca, mostro para filhos/netos e a todos que posso compartilhar essa revolta.

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