Samuel Possebon: Telefonia, o modelo defasado

Tempo de leitura: 3 min

por Samuel Possebon, em CartaCapital

O modelo brasileiro de organização do mercado de telecomunicações foi estabelecido há pouco mais de 15 anos. Desde a privatização do Sistema Telebras, em 1998, todas as grandes ações estratégicas na área orbitam em torno do mesmo marco legal, dos mesmos princípios jurídicos e de uma linha política que estabeleceu determinadas prioridades e deixou outras de lado. Para quem olha a legislação do setor e as regras existentes, fica claro que a prioridade ainda é, por mais anacrônica, o telefone fixo.

Para esse segmento existem garantias reais de continuidade dos serviços, controle tarifário, obrigações de universalização e regras de qualidade mais rigorosas. Há ao menos uma década, porém, essa parte do modelo ficou incompatível com a realidade. Telefone fixo é hoje, para a maioria dos consumidores, desimportante, se comparado ao telefone celular e ao acesso à internet. Não por acaso, as operadoras fixas perdem clientes ano após ano. Em 2012, quase 2 milhões de assinantes deixaram de usar o serviço convencional das concessionárias e escolheram outras opções, em que o telefone fixo é acessório, um complemento dos “combos” de banda larga e tevê por assinatura.

A conversa sobre a revisão do modelo de telecomunicações vai e volta, mais forte ou mais fraca, ao sabor do momento político. No governo Dilma Rousseff ganhou força. Desde as primeiras manifestações do ministro das comunicações, Paulo Bernardo, logo ao assumir a pasta, e também nas poucas declarações da presidenta sobre o tema, está claro que a prioridade é a banda larga. Mas como priorizar algo que não é prioridade no modelo legal estabelecido?

A discussão é complexa e cheia de meandros. Do ponto de vista jurídico, um dos entraves é o conceito de bens reversíveis. Simplificadamente, os bens reversíveis são aqueles em poder das empresas de telefonia que voltam à União em 2025 ao final das concessões de telecomunicações e que são necessários para garantir a prestação do serviço de telefonia fixa. O problema é que em 2025 provavelmente não haverá mais telefonia fixa, e a rede, se houver, estará sucateada. Hoje, esses bens teriam um valor estimado em cerca de 17 bilhões de reais. Até lá, possivelmente não valerão nada.

Recentemente, surgiu a notícia de que o governo estaria disposto a trocar esses bens por investimentos na substituição da reade atual de telefonia fixa por uma rede de banda larga, de fibra ótica. Estimava-se o custo em 100 bilhões de reais. Parte desse investimento viria do valor presente dos bens reversíveis que as empresas não precisariam mais devolver à União, e outra parte viria do BNDES (hoje, ressalte-se, acionista importante, mas não controlador, da Oi, a concessionária presente em 26 dos 27 estados brasileiros). Mas essa é apenas uma das ideias na mesa. No jargão jornalístico, trata-se de um balão de ensaio. Nem mesmo o valor de 100 bilhões é certo.

Há, sobretudo na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), quem defenda essa ideia no contexto da revisão do modelo. Mas existem outras propostas. Uma delas é abrir o mercado de fibra ótica a novos competidores. Outra é permitir a formação de consórcios das empresas existentes. Tem ainda a defesa de uma solução que não interfira na infraestrutura das áreas atendidas, apenas possibilitando levar banda larga a locais onde o serviço não existe. Há até mesmo quem proponha o fortalecimento da presença do BNDES na Oi.

Na Anatel, a ideia de acabar com o serviço público e deixar a prestação de todos os serviços de telecomunicações apenas em regime privado, sem obrigações de universalização, sem bens reversíveis e sem controle tarifário é a que tem mais popularidade. Mas o assunto é, sobretudo, político e será filtrado pelo Ministério da Fazenda e pela Casa Civil antes de chegar à mesa da presidenta. Não há prazo para esse trabalho de revisão do modelo, até porque, a depender do caminho adotado, será preciso mexer na lei. Há preocupação de mostrar resultados concretos em 2014, por motivos óbvios.

Samuel Possebon é editor da revista Teletime


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Petição quer que Diretório Nacional do PT exija saída de Bernardo do governo – Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] Samuel Possebon: Telefonia, o modelo defasado […]

Santi

A telebras deveria ser responsavel pela rede de fibra ótica em todo Brasil, senvindo a dois propósitos; interligar os serviços publicos e permitir acesso da população, transparência e agilidade nos serviços. a Telebras venderia o sinal a distribuidoras regionais ou direto. A iniciativa privada só investe onde há lucro, a telebras estaria em todos os outros. Ou então estatisa tudo de novo e focaliza num objetivo só a Internet, com a iniciativa privada cada um puxa para um lado, eles só querem o filé o osso fica para Telebras.

    Nelson

    Meu caro Santi.

    Ao afirmar que “com a iniciativa privada cada um puxa para um lado”, você está constatando o quão enganoso é o discurso neoliberal de que devemos privatizar tudo para que vivamos em um país e mundo melhores. Enganoso, porque esse discurso intenta esconder a lógica intrínseca de uma empresa privada que é a da extração de lucros, do ganho estritamente individual, com preocupação nula ou praticamente nula com o bem comum, com o bem da cidade, ou do país.

    Lembro de uma coluna do Jânio de Freitas, da década de 1990, na qual o jornalista apontava para algo semelhante ao teu raciocínio. Freitas afirmou que a iniciativa privada não faz um país e que, para tanto, é necessário existir um serviço público bem constituído; totalmente na contramão do que é pregado pelos neoliberais. Por bem constituído, leia-se, administrado de forma transparente e democrática e com os trabalhadores valorizados.

    Nelson

    “eles só querem o filé o osso fica para Telebras.”

    Isto é claro, claríssimo, Santi. A acumulação de mais lucros por parte do empresariado privado – os grandes, que fique bem claro – é a a primeira, segunda, terceira, quarta… prioridade das privatizações. A oferta de produtos e serviços de melhor qualidade e menor preço ao povo vem depois, se e quando possível.

    É por isso mesmo que o imenso aparato de propaganda do sistema está sempre atuante. É preciso ter as mentes das pessoas na mão, fazer com que elas enxerguem as coisas da mesma forma como enxergam as elites dominantes. Por conta disso, vemos milhões de brasileiros ainda a reivindicarem mais privatizações, mesmo que elas tenham trazido gordos, gordíssimos lucros para uns poucos grandes grupos econômicos que assumiram as ex-estatais e resultados altamente deletérios para o país e seu povo.

Urbano

Hoje em dia no Brasil os empresários fazem fortuna oferecendo o que há de pior e isso tanto no comércio e na indústria, como nos serviços também e principalmente. Marcas que se fizeram sinônimo de primeira qualidade, atualmente estão de dar nojo, principalmente no setor alimentício. Cadê o setor público responsável pela vigilância da qualidade? Há coisa de um ano e meio, no máximo dois anos, minha filha chegou a encontrar tapurú, literalmente tapurú, em um biscoito recheado de marca antiquíssima, que ela havia aberto naquele instante. Entre os entraves para recorrer ao setor público competente, preferimos mudar de marca, mas sempre conferindo cada reentrância do biscoito. Sei lá se não vai virar moda…

    Urbano

    Sim! E os tapurús não estavam mortos não; todos alegres e saltitantes. Um acepipe daqueles, principalmente para eles… Há humanos, não sei onde, que degustam.

Jorge Nunes

Todos esses problemas seriam resolvidos se liberassem a banda larga via rede elétrica. A rede elétrica está presente em 98% dos lares brasileiros. A banda larga via rede elétrica é mais barata, fácil de implementar… só é sabotada por questões idiotas.

    Marcio H Silva

    Onde é mais barata?
    Onde ( qual país ) a implantou comercialmente?

    Rogério Ramirez

    Estão estudando ….

    http://www.youtube.com/watch?v=fVmxPxhL76A

    Jorge Nunes

    No curso de IT Essencials da CISCO já é dado como modelo implementado e já testado da banda larga via rede elétrica (PLC) no Brasil pela CEMIG. O material é bem completo e a primeira vez que ouvi falar disso antes de fazer a certificação da CISCO foi através de um amigo meu que esteve nos EUA. Seja como for funciona e tem documentação sobre isso. Mas sua exploração é impedida no Brasil por que as operadoras elétricas tem que se associar a uma telefônica para usar a tecnologia no Brasil. Através da CISCO sei que a tecnologia é de conhecimento comum, é possível sua implementação, o grande entrave é ser uma tecnologia barata e faria as telefônicas serem insignificantes. Quem iria pagar assinatura de telefone com internet se com mais alguns trocados conseguiria o mesmo serviço de sua rede elétrica? Hoje temos a experiência com o SKYPE onde ninguém paga mais pelo DDD e DDI… ou seja a PLC colocaria as telefônicas fora do jogo completamente.

    Este é problema da PLC ser barata e de fácil implementação numa estrutura econômica que não quer isso.

    http://www.hardware.com.br/artigos/internet-rede-eletrica/
    http://www.plcbrasil.com.br/

    Nelson

    “A banda larga via rede elétrica é mais barata, fácil de implementar… só é sabotada por questões idiotas.”

    Discordo, meu caro Jorge Nunes. A sabotagem nada tem a ver com idiotia. A questão de fundo é que, na visão dos neoliberais, tudo o que estiver sob controle público/estatal e que estiver dando lucro ou tenha potencial para tanto, deve ser repassado para mãos privadas. O lucro que daí for extraído tem que ser apropriado pelo empresariado privado; o grande, é óbvio. Ao povo restará apenas a conta a ser paga – salgada, bastante salgada.

    Como segue obedecendo e aplicando o receituário neoliberal – vide as concessões, cujo resultado será o mesmo das privatizações – o governo Dilma não quer meter a mão em espaço que, pelo dogma neoliberal, deve ser reservado para que o grande empresariado possa acumular mais e mais lucros.

Luciano Bastiani

“Na Anatel, a ideia de acabar com o serviço público e deixar a prestação de todos os serviços de telecomunicações apenas em regime privado, sem obrigações de universalização, sem bens reversíveis e sem controle tarifário é a que tem mais popularidade.”

Interessante notar que uma agencia reguladora apenas tem como premissa regular o serviço de acordo com as normas vigentes, e não querer modificar tais normas a seu bel prazer.
Aí está a prova de que as tais agencias reguladoras do serjão só regulam o que interessa para os regulados.
Algo como colocar raposa pra cuidar de galinhas…

    Marcio H Silva

    Correto. É o legado dos neoliberais……

grilo

É inadmissivel o monopólio exercido pela Vivo/Telefonica na telefonia fixa em SP. Pelo menos no interior não há como optar só pelo telefone celular tendo em vista que só a telefonia fixa opera na rede de internet. De qq forma a tarifa praticada tanto no fixo como no móvel é fora da realidade, agora imagine se deixar isso ao sabor das concessionárias. Um dia se Deus quiser eu me liberto da Telefonica.

jaime

Discordo de certas colocações, como por exemplo, de que o telefone fixo está se tornando desimportante. Na verdade, ele está se tornando é muito caro, dada a cobrança do valor da assinatura. Isso é o que faz com que muitos o abandonem, na comparação com os custos de se ter apenas celular. Faltou informar se em outros países o telefone fixo já foi abandonado, o que, em princípio, não me parece pois eventualmente faço algumas ligações e lá do outro lado usam telefone fixo para responder. O texto deixou de informar várias coisas, como por exemplo, quais os equipamentos que constituem a rede fixa e que estariam sucateados lá na frente. Da forma como foi exposto está muito próximo de uma simples repetição do discurso do governo, justificando sua posição de entrega de todo esse patrimônio.

    Marcio H Silva

    Predio não será sucateado. A não ser se um terremoto o derrubar.
    Muito menos os terrenos onde estão os prédios.
    As torres, as galerias de cabos, os cabos implantados de 97 em diante são todos bens da união, portanto do povo brasileiro.
    Os equipamentos digitais novos instalados pós privatização tem vida util de 30 anos, no mínimo. E estes equipamentos, se envelhecer, ou sua tecnologia for superada, é obrigação da operadora substitui-los, bem como os cabos, torres e etc….faz parte da LGT e quando compraram o direito de operar, sabiam disso…..não podem é querer mudar as regras aos 40 do segundo tempo. É crime contra o patrimônio público……

Deixe seu comentário

Leia também