Robert Fisk: A Arábia Saudita como fonte da democracia

Tempo de leitura: 4 min

Robert Fisk: Guerra síria, de mentiras e hipocrisia

O verdadeiro alvo do Ocidente não é o regime brutal de Assad mas seu aliado, o Irã, e suas armas nucleares

no diário britânico Independent, em 29.07.2012

Já houve uma guerra no Oriente Médio com tanta hipocrisia? Uma guerra com tanta covardia e imoralidade, falsa retórica e humilhação pública? Não estou falando sobre as vítimas físicas da tragédia síria. Estou me referindo às mentiras e enganações de nossos mestres e de nossa opinião pública — oriental e ocidental — em resposta à matança, à pantomima perversa que mais lembra uma sátira de Swift do que Tolstoy ou Shakespeare.

Enquanto o Qatar e a Arábia Saudita armam e financiam os rebeldes da Síria para derrubar a ditadura alawita/xiita-Baathista de Bashar al-Assad, Washington não profere uma palavra de crítica contra eles. O presidente Barack Obama e sua secretária de Estado, Hillary Clinton, dizem que querem democracia na Síria. Mas o Qatar é uma autocracia e a Arábia Saudita está entre as mais perniciosas ditaduras-reinos-califados do mundo árabe. Os governantes dos dois estados herdam o poder de suas famílias — assim como Bashar — e a Arábia Saudita é aliada dos rebeldes salafistas-wahabistas da Síria, assim como foi um dos mais fervorosos apoiadores do medieval Talibã durante a idade da escuridão afegã.

De fato, 15 dos 19 sequestradores-assassinos em massa de 11 de setembro de 2001 vieram da Arábia Saudita, depois do que, naturalmente, bombardeamos o Afeganistão. Os sauditas estão reprimindo sua própria minoria xiita da mesma forma como pretendem destruir a minoria alawita-xiita da Síria. E acreditamos que a Arábia Saudita quer instalar uma democracia na Síria?

Temos então o partido-milícia xiita Hezbollah no Líbano, mão direita do Irã xiita e apoiador do regime de Bashar al-Assad. Por 30 anos, o Hezbollah defendeu os xiitas oprimidos do sul do Líbano contra a agressão israelense. Eles se apresentam como defensores dos direitos dos palestinos da Cisjordânia e de Gaza. Mas, diante do lento colapso de seu aliado implacável na Síria, perderam a língua. Não disseram uma palavra — nem mesmo Sayed Hassan Nasrallah — sobre os estupros e o assassinato em massa de civis sírios por soldados de Bashar e pela milícia Shabiha.

E temos também os heróis dos Estados Unidos — La Clinton, o secretário de Defesa Leon Panetta e Obama. Clinton divulgou uma “advertência” para Assad. Panetta — o mesmo homem que repetiu para os últimos soldados dos Estados Unidos no Iraque a velha mentira sobre a conexão de Saddam com o 11 de setembro — anunciou que as coisas “estão saindo do controle” na Síria. Mas isso está acontecendo há seis meses. Descobriu isso agora? E Obama nos disse na semana passada que “dado o estoque de armas químicas do regime, continuaremos a deixar claro para Assad… que o mundo está de olho”. Mas, não foi aquele jornal do Condado de Cork, chamado Skibbereen Eagle, que temendo a cobiça da Rússia em relação à China declarou “que estava de olho… no czar da Rússia?”. Agora foi a vez de Obama enfatizar o pouco que pode influir nos grandes conflitos do mundo. Bashar deve estar tremendo de medo.

Será que o governo dos Estados Unidos realmente gostaria de ver os atrozes arquivos da tortura de Bashar abertos para nós? É que, apenas alguns anos atrás, o governo Bush mandava muçulmanos para Damasco para que os torturadores de Bashar arrancassem suas unhas em troca de informação, presos a pedido do governo dos Estados Unidos no mesmo buraco infernal que os rebeldes sírios implodiram na semana passada. As embaixadas ocidentais diligentemente ofereciam aos torturadores as perguntas que deviam ser feitas às vítimas. Bashar, vejam bem, era nosso bebê.

Ah, existe aquele país da vizinhança que nos deve muita gratidão: o Iraque. Na semana passada, sofreu em um dia 29 ataques a bomba em 19 cidades, com a morte de 111 civis e ferimentos em outros 235. No mesmo dia, o banho de sangue da Síria consumiu um número parecido de inocentes. Mas o Iraque estava no pé da página, enterrado abaixo da dobra, como dizem os jornalistas; porque, naturalmente, nós demos liberdade ao Iraque, uma democracia jeffersoniana, etc, etc, não é verdade? Então essa matança a leste da Síria não tem a mesma importância, certo? Nada que fizemos em 2003 levou ao que o Iraque sofre hoje, certo?

Por falar em jornalismo, quem na BBC World News decidiu que os preparativos para as Olimpíadas deveriam preceder no noticiário os ultrajes da Síria na semana passada? Os jornais britânicos e a BBC no Reino Unido naturalmente deveriam destacar as Olimpíadas, como notícia local. Mas, em uma decisão lamentável, a BBC — transmitindo para o mundo — também decidiu que a passagem da tocha olímpica era mais importante que crianças sírias morrendo, ainda que os despachos viessem do corajoso repórter da emissora, diretamente de Aleppo.

E, naturalmente, há nós, os queridos liberais que rapidamente enchem as ruas de Londres para protestar contra a matança israelense de palestinos. Justo, com certeza. Quando nossos líderes políticos se contentam em condenar os arábes por sua selvageria mas se mostram muito tímidos para dizer uma palavra de tênue crítica quando o exército israelense comete crimes contra a humanidade — ou assiste a aliados fazendo isso no Líbano –, gente comum deve relembrar ao mundo que não somos tão tímidos quanto nossos líderes. Mas quando a matança na Síria atinge de 15 mil a 19 mil pessoas — talvez 14 vezes mais que as mortes causadas pela investida selvagem de Israel em Gaza, em 2008-2009 — praticamente nenhum manifestante, a não ser pelos exilados sírios, foi para as ruas condenar estes crimes contra a humanidade. Os crimes de Israel não atingem esta escala desde 1948. Certo ou errado, a mensagem é simples: demandamos justiça e direito à vida para árabes se eles forem massacrados pelo Ocidente ou seus aliados israelenses;  mas não quando eles são massacrados por outros árabes.

E enquanto isso, nos esquecemos da “grande” verdade. Que esta é uma tentativa de esmagar a ditadura síria não por causa de nosso amor pelos sírios ou nosso ódio pelo nosso ex-amigo Bashar al-Assad, ou por causa de nosso ódio pela Rússia, cujo lugar está garantido no panteão dos hipócritas quando vemos a reação do país às pequenas Stalingrados que se espalham na Síria. Não, esta guerra é sobre o Irã e nosso desejo de esmagar a República Islâmica e seus planos nucleares infernais — se eles existirem — e não tem nada a ver com direitos humanos ou com o direito à vida ou à morte dos bebês sírios. Quelle horreur!

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Comentários

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Regina

Concordo com o comentarista que o problema lá é o petróleo e o caminho para o Irã. No mais achei o artigo é tendencioso. Vejo com muitas restrições a opinião desse jornalista. No fundo sua posição é bem imperialista. O ocidente, o império e a gang da Otan são somente hipócritas. Na verdade são assassinos econômicos e de gente. Quem procurou realmente se informar a respeito da situação da Síria sabe mto bem quem são os ditos rebeldes e de onde vêm essas pessoas e por quem são patrocinadas. Um ditador que é ditador altera constituição? Um ditador que é ditador convive com um sistema multipartidário?

malba tahan

Certamente o Sr. Robert FISK já teve dias melhores de analista político… porque não falou sobre os paraquedistas franceses, os soldados quataris e sudaneses empregados elos rebeldes e presos, as remessas de armas israelenses e americanas e de petrodólarwes para os rebeldes e “otras cositas más”? bashir El-Assad certamente não é um santo, mas certamente é hoja uma garantia (mínima é verdade) de laicidade e plurarismo religioso e político na Síria, contra os wahabitas sauditas e a hegemonia de Israel e dos EUA no Oriente M´wedio!… que bola fora R. Fisk!!!

Luca K

Esta matéria do Fisk é uma PORCARIA. Que piada! O cara mistura verdades fáceis de ver, mas poucos veem, com propaganda. O artigo é super confuso. Há muitas mentiras. Claro que Assad é um autocrata e a Síria um estado policial, até certo ponto. Mas esse papo furado de que Assad está massacrando milhares de sírios e come criancinhas, KÔ puro! E outra; a Arabia saudita e o Catar, bem como Turquia, não estão conduzindo estas operações por conta própria, estão agindo como agentes de Washington e o Fisk sabe muito bem disso. os “soldados de Bashar” são soldados do exercito nacional sirio, formado por conscritos de todos segmentos da sociedade e são sunitas em grande número!! O malvado Assad tem o apoio da maioria dos sírios de acordo com pesquisa de opinião encomendada por órgão do Catar! Todas essas estórias de massacres de civis vem dos “rebeldes” que criam atrocidades para demonizar o governo e idiotas como o Fisk e em geral a mídia ocidental as repete sem qualquer crítica. Os insurgentes tb cometem inúmeras atrocidades e depois culpam o governo. Houla foi um caso típico. Vários jornais alemães importantes investigaram o massacre e chegaram a conclusão de que foram os insurgentes os responsáveis. Até a imprensa ocidental já se viu forçada tb a admitir a presença de grande número de jihadistas estrangeiros, inclusive muitos membros da Al-Qaeda. A inteligencia alemã(BND) vazou para Die Frankfurter Allgemeine Zeitung que a Al-Qaeda e grupos afiliados cometeram cerca de 90 ataques terroristas na Síria. Os EUA usam esses fanáticos estrategicamente; ora são os inimigos e o motivo para se invadir e ocupar um país(Afeganistão) ora são usados como aliados como contra os sovieticos no Afegnistaõ e recentemente na Libia e agora na Siria. Combatentes oriundos dos seguintes paises já foram identificados na Siria; iraquianos, libaneses, jordanianos, sauditas, líbios, argelinos, egípcios, somalis e sudaneses, chechenos, afegãos e pasmem, até muçulmanos(de origem imigrante) nascidos na França e Inglaterra. Todos salafistas ou simplesmente mercenários mesmo. Pepe Escobar relatou como a maioria dos comandantes militares do “exercito sirio livre(que PIADA)” são IRAQUIANOS! Então, se o sr.Fisk quer mostrar indignação com a mortandade de civis na Síria que seja HOMEM E IDENTIFIQUE os verdadeiros responsáveis; Washington e os sionistas, OTAN e as ditaduras monarquistas sunitas do Golfo que estão armando, treinando, pagando e dando apoio logístico para esses bandidos. A Turquia por exemplo, tem bases em seu territorio a partir do qual os insurgentes lançam ataques e depois fogem. Isto é um ato de GUERRA!
O que a mídia ocidental, Fisk incluso, não quer que vejamos é isto aqui;
grandes manifestações de apoio a Assad; http://www.youtube.com/watch?v=00e8_wueuJQ
http://www.youtube.com/watch?v=NPlPQd8Yyro

Urbano

Algo em torno da bomba nuclear é o tapia pra enganar a torcida. Na verdade, a coisa se chama petróleo e gás. Só que a coisa está ainda mais difícil porque há dois outros concorrentes: China e Rússia. Aí é demais, principalmente para quem sozinho só ganhou a guerra de secessão…

maribel dias kroth

Mas não é diferente do que tentam fazer no Brasil

O_Brasileiro

“Porque mil anos são aos Teus olhos como o dia de ontem que passou, e como a vigília da noite.” Sl. 90:4.
Para que a pressa?
A humanidade é como a água em um vale, que vai se moldando conforme o terreno e as condições climáticas.
Hora chove, hora seca.
Se Bashar está passando por isso, talvez seja porque não se preparou suficientemente.
Como bem sabem os americanos, que praticamente abriram mão da diversidade na política, o mais importante é defender uma política de Estado, e não de governo. Lá não há ideologias diferentes, há apenas estratégias diferentes para os mesmos objetivos.

    O_Brasileiro

    Errata: Onde se lê “Hora chove, hora seca”, leia-se “Ora chove, ora seca”.

Molina

Este antissemitismo de “esquerda” seria cômico se não fossem suas implicações trágicas, ou seja, o elogio de sociedades e governos autoritários que tem pouca relação com projetos emancipadores de uma esquerda realmete séria.Com a falência do socialismo real o pessoal mais desesperado se apega a qualquer coisa, mesmo que vá contra o bom-senso…

    RicardãoCarioca

    Quer mais contrassenso do que o apoio dos EUA à ditadura da Arábia Saudita? Não tem lado inocente nessa história não, rapaz.

    ZePovinho

    Mais um ashkeNAZI sionistóide????????????

    MARCELO

    Cala a boca,Zé Povinho.A nossa ditadura matou o Vladimir
    Herzog e você vem com essa?

    Molina

    Seu apelido combina bem com a qualidade do comentário: vulgar e insignificante.

Julio Silveira

É triste verificar que o mundo vai curvando, e se permitindo marionetes das manobras de Israel.

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