O que uma vaca diz sobre o estado de nosso “jornalismo investigativo”

Tempo de leitura: 3 min

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Da Redação

No último dia 22 o Estadão denunciou com grande alarde que o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari, era citado em anotações descobertas pela Polícia Federal nos celulares apreendidos de Marcelo Odebrecht.

Diz o texto:

Relatório da Polícia Federal sobre as anotações no telefone do presidente da Odebrecht Marcelo Odebrecht mostram que, em mais de uma ocasião, o maior empreiteiro do País relacionou o nome do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto a valores e a porcentagens ligadas obras da companhia.

Tanto Marcelo Odebrecht como João Vaccari estão presos na Lava Jato sob suspeita de participarem do esquema de pagamento de propinas a diretores da Petrobrás e a partidos políticos responsáveis pelas indicações de cargos na estatal petrolífera. O ex-tesoureiro é réu em duas ações penais na Justiça Federal no Paraná e apontado pelos investigadores como o responsável por operar a cota de 1% dos valores dos contratos repassados como propina para o PT na diretoria de Serviços da estatal.

No relatório de 31 páginas da Polícia Federal chamou a atenção dos investigadores a utilização da palavra “feira” em vários tópicos, e que posteriormente aparece relacionada a João Vaccari Neto. “Presume-se que esteja diretamente relacionada a distribuição de valores para pagamentos de contas estranhas a operação normal das atividades econômicas do grupo Odebrecht, tal assertiva se baseia em anotações datadas de 09/01/2013, onde Marcelo utilizava tal palavra vinculando-a ao número 40 e a Vaca (alusão a Vaccari)”, assinala a Polícia Federal.

O relatório a que se refere o Estadão é de autoria do policial federal Wiligton Gabriel Pereira, que aparentemente deu a interpretação que bem entendeu às anotações do empreiteiro.

Notem que ele usa o “presume-se” ao associar a “vaca” a Vaccari. Foi o suficiente para se tornar “verdade factual” merecedora de manchete contra o ex-tesoureiro do PT. O post do Estadão foi ilustrado com duas fotos de petistas.

O blog que apresenta documentos da defesa de Vaccari notou: “E vamos combinar: a relação feita da palavra vaca ao Vaccari é típica de uma investigação que não conseguiu sequer identificar sua cunhada, Marice Correa de Lima, nas imagens de um banco. Marice foi presa por engano – ou por pura lambança – e teve sua imagem injustamente exposta ao espetáculo da mídia”.

A defesa de Marcelo Odebrecht esclareceu: a “vaca” que aparece nas anotações do celular é na verdade um animal, comprado numa feira agropecuária por R$ 2,2 milhões.

Mas o que mais chama a atenção neste caso é o que o Estadão DEIXOU de descobrir no relatório do policial Wiligton. Aquilo que internautas descobriram com facilidade: escondido sob as tarjas pretas, está o nome do senador tucano José Serra. Mais que isso: se a agenda de Marcelo Odebrecht de fato foi cumprida, ele teve dois encontros razoavelmente recentes com Serra, um deles no escritório da filha Veronica. Isso talvez ajude a explicar outra anotação encontrada num dos celulares: “Adiantar 15 p/ JS”.

O que o Estadão noticiou sobre isso, na nota em que acusou Vaccari? A frase seguinte: “Há ainda o tópico notas antigas, no qual surge referência adiantar 15 p/JS e em seguida a anotação IPI até dez e pis/Cofins até jan. Ainda relacionado a este tópico, há o título Contribuição, a partir do qual surgem várias referências de valores seguidas de siglas que a Polícia Federal ainda não buscou identificar”.

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Talvez o “adiantar 15” não signifique nada, talvez aquele JS seja José da Silva, talvez os encontros entre Serra e Marcelo tenham sido para tratar de assuntos rotineiros.

Nosso ponto é que o Estadão especulou à vontade com a vaca do Wiligton, mas não teve a curiosidade de remover as tarjas e fazer o mesmo com o JS.

Não deixa de ser revelador do estado do “jornalismo investigativo” brasileiro, que na verdade é mero reprodutor de vazamentos seletivos.

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