Akerman: Violência não é “privilégio” da Medicina da USP

Tempo de leitura: 3 min

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“Bode expiatório” de excelência

por Marco Akerman, sugerido pelo deputado estadual Adriano Diogo

Há no cenário paulista atual uma importante notícia em todas as mídias: a quebra do silêncio e o enfrentamento do reino do medo que vem ocorrendo na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). Um grupo de estudantes e seus coletivos revelaram atos de violência e atitudes machistas, racistas e homofóbicas no seio da comunidade acadêmica da mais tradicional faculdade de medicina do Brasil.

Entretanto, os atos relatados pelos estudantes não são um “privilégio” da FMUSP. Estão disseminados por várias faculdades de medicina do estado de São Paulo e poderiam, também, ser narrativas de estudantes de muitas delas.

Já escutei de viva voz de estudantes, professores e pais de alunos relatos de casos bizarros de violência que ocorreram durante o período de ingresso dos novos alunos em algumas das mais importantes faculdades de medicina do estado como na UNESP de Botucatu, na PUC de Sorocaba, em Jundiaí, na FMABC em Santo André, no Centro Universitário Lusíada em Santos, em Catanduva, em Bragança Paulista, na UNICAMP em Campinas, na FAMERP em Rio Preto, na Santa Casa de São Paulo, em Mogi das Cruzes, na UNISA em São Paulo, em Presidente Prudente, na UNIFESP em São Paulo, na USP Ribeirão.

Somente nestas 16 faculdades (incluindo a FMUSP) são formados a cada ano 1677 médicos. Se subtrairmos os 175 médicos formados pela FMUSP a sociedade paulista irá conviver, ainda com, no mínimo, 1502 médicos, que sofrem o efeito de currículos ocultos baseados em premissas machistas, homofóbicas e racistas.

O poder está distribuído de forma desigual nas escolas médicas entre homens e mulheres, negros e brancos, ricos e pobres. Não há quase nenhum professor negro nas escolas médicas e a maioria dos professores titulares são homens.

Temos encontrado alguns indícios de que os trotes, festas e outras atividades coletivas dos estudantes, muito mais que momentos de congraçamento e recepção aos novos alunos, são dispositivos para difundir e incutir nos recém chegados a ideologia da hierarquia médica e os mecanismos de construção de redes de poder entre alunos e professores que irão perdurar ao longo do curso e da carreira dos egressos de suas, respectivas, escolas.

Há linhas de fuga, e nem todos os médicos são marcados de maneira indelével por esta lógica de construção de poder, há professores e alunos que resistem.

O que fazer para que esta resistência possa se sustentar com maior potência de intervenção na lógica hegemônica de poder nas Faculdades de Medicina?

Jogar luz na penumbra: desocultar e dar visibilidade a narrativas de estudantes e professores sobre os mecanismos internos de funcionamento das escolas de Medicina. Que venham à tona por meio de pesquisas, congressos, livros, artigos, etc., tanto no que tange a recepção de novos alunos, festas, atividades teatrais, esportivas, bem como nas atividades acadêmicas de ligas, congressos estudantis assim como nas lógicas decisórias que acontecem nas Congregações e Colegiados de cursos das Faculdades de Medicina.

Marco Akerman, Professor Titular do Departamento de Prática em Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da USP; autor, em conjunto com Silmara Conchão e Roberta Boaretto, do livro “Bulindo com a Universidade: um estudo sobre o trote na Medicina”

Leia também:

A carta denúncia sobre os casos de estupro na Medicina da USP


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Comentários

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FrancoAtirador

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Desta vez, o efeito Abdelmassih será inevitável.

E os estupradores vão pra mesma cela do Bolsonaro.
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Edgar Rocha

A violência nas universidades é institucional e anda de mãos dadas com a falta de um mecanismo decente para fiscalizar, responsabilizar e coibir qualquer ação de aparelhamento, abuso de poder e corporativismo da parte de funcionários públicos em diversos setores. O que é visto como conquista, como a discussão acadêmica sobre a autonomia da universidade e o direito à liberdade de pensamento, passa também por este viés. Afinal de contas, mesmo na área da educação, seus agentes AINDA são funcionários públicos, com obrigações, exigências e respostas a dar à sociedade. Direitos adquiridos tai como estabilidade precisam ser revistos sob a luz de problemas como este. É preciso haver critérios mais claros e limites a instituições e indivíduos que apoiam procedimentos como o abuso, ou se omitem. De fato, este problema não é privilégio da Medicina-USP, nem da disciplina. E tal problema está inserido, como diz o texto, num processo de controle e hierarquização mas, que não se resume apenas à violência física. Esta é apenas a mais notória. Mesmo em departamentos de Humanidades, o corporativismo institucional ainda esconde certas atitudes que só podem ser definidas como discriminação social e violência simbólica e abuso.

    Cidadã brasilis

    Edgar,vc tem toda razão. O preconceito permeia toda vida acadêmica, estudei na FFLECH e sei que é assim. Na medicina a coisa talvez seja pior, pq são alunos e professores que se sentem intocáveis. Acho que a completa socialização da educação, desde a pré- escola, é o melhor caminho pra livrarmo-nos desse atraso psicosocial.

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