Guilherme Nafalski sobre a situação carcerária: O Maranhão é aqui

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Presídio Presidente Venceslau (SP): Em 2005, ao menos cinco decapitações; detentos jogaram futebol com a cabeça de uma das vítimas

por Guilherme Nafalski, sugerido por Ricardo Musse

Nas últimas semanas foi notícia em diversos meios de comunicação a situação dos presídios do Maranhão. A publicização de um vídeo com decapitações causou horror. Analistas passaram rapidamente a apontar àquele Estado como uma velha oligarquia, comandada de forma coronelista por uma família, ou um clã, os Sarney, que ali mandam e desmandam de acordo com seus interesses pessoais.

Não estão errados. Mas a análise, por simplista e pontual que é, acaba por criar uma cabeça, pronta a ser decapitada, neste caso em benefício do resto do corpo continuar não funcionando.

Apontar as falhas nos presídios Maranhenses é importante, assim como pontuar as devidas críticas à governante, Roseana Sarney, filha do ex-presidente da República e costumeiro presidente do Senado, José Sarney.

Também o é dar destaque à situação do estado, que parece não acompanhar a melhoria dos índices nacionais de qualidade de vida e, no sentido contrário, demonstra uma imensa ausência do Estado. Mas fechar a análise em Pedrinhas ou no Maranhão é facilitar o que proporcionou este desgoverno: o desconhecimento do público sobre a situação daquele lugar. “O Maranhão é aqui”, parafraseando a poesia que relaciona Brasil e Haiti.

Para um segundo uso do poeta a ilustrar o ponto em questão proponho os seguintes versos de Indio:

“E aquilo que nesse momento se revelará aos povos/ surpreenderá a todos não por ser exótico/ mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto/ quando terá sido o óbvio”.

Nenhum brasileiro que acompanhe minimamente as notícias do cotidiano, ou mesmo que assista novelas, imagina ser boa, ou mesmo razoável, a situação carcerária no Brasil. A situação das superlotações nas celas é antigo. A precariedade da comida nos presídios também. O mesmo pode-se dizer da organização de facções criminosas internas às casas de detenção. E da violência por elas empregadas.

Nada disso é exótico, mas óbvio. O que se coloca é a possibilidade de estes pontos ficarem por muito tempo ocultos de um grande público. O Estado da vez é o Maranhão. Mas por quê?

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Em ano eleitoral muita notícia surge a apontar culpados. E na maior parte das vezes devem mesmo ser, pois grande parte dos envolvidos possui fraquezas, o costumeiro “telhado de vidro”.

Mas ao analista, ao crítico, cabe buscar o que não é dito. No caso dos presídios brasileiros, como estão os demais estados? Pouco antes das manifestações que incendiaram o país em junho de 2013 em busca de mudanças políticas era noticiado na manchete de um jornal de grande circulação que os presídios do Estado de São Paulo abertos naquele ano já estavam superlotados (Folha de São Paulo de 1º de Junho de 2013 – “presídios abertos neste ano já estão superlotados”).

A matéria de então trazia ainda outros dados relevantes: o estado, São Paulo, possui 37% da população carcerária do país, sendo que esta população é o dobro da quantidade de vagas existentes no sistema prisional; que a situação mais crítica é nos Centros de Detenção Provisória, em especial os de Pinheiros e Santo André com 3,6 e 3,5 detentos por vaga e; que nestes Centros há detentos ligados às facções criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC).

Sobre a selvageria vale relembrar que em 14 e 15 de junho de 2005 esse mesmo grupo (que permanece ativo) liderou uma rebelião em Presidente Venceslau (SP), que contou com ao menos cinco decapitações e com uma bárbara cena de detentos jogando futebol com a cabeça de uma das vítimas servindo de bola.

Inúmeros cidadãos veem nas cadeias e presídios um espaço de segregação importante, que separa um “nós”, “cidadãos de bem”, de um “eles”, “criminosos, bandidos”. Poucos acreditam que estes espaços realmente se destinam à recuperação do detento. Mas são menos ainda os que buscam mudar uma política que diz respeito a um público específico e apartado pela grande maioria da população. Enquanto isso permanecer continuaremos a observar Estados paralelos serem formados e a insegurança se fortalecer.

Utilizando a questão Maranhense como gatilho, é importante buscar saber a realidade do sistema prisional nos demais Estados, não na esperança que um Juiz determine uma política, como se o papel resolvesse a realidade, mas trazendo a público mazelas não resolvidas em sucessivos governos para que não seja necessário o surgimento de barbaridades, como foi o vídeo, para que o problema surja na pauta política e seja trabalhada com responsabilidade.

Muito tem-se dito sobre o Maranhão ser politicamente atrasado, coronelista e isso ser a raiz do problema. E em estados como Minas Gerais, São Paulo, ditos modernos? Fácil atirar pedras tirando da conta que nos estados citados do sudeste a sucessão de governos de um mesmo partido ou alianças já contabiliza décadas, ou seja, que não é possível responsabilizar o pouco tempo dos mandatos de quatro anos. E não é só no sistema carcerário ou prisional que existem problemas crônicos. Também o são nas licitações, contratações, superfaturamentos, nos transportes e em todos os outros já conhecidos buracos da administração pública.

Aos analistas, críticos e ao cidadão informado, não esperemos apenas por eventos extraordinários, pois o ordinário já merece muita investigação, mesmo sem render manchetes. E olhemos para o nosso “quintal”. Há muitas mazelas próximas para que nos preocupemos todos em apontar um outro, “O Ruim”. Lembremos que há todo um corpo por debaixo da cabeça, que se coloca a prêmio no noticiário. Tratemos com seriedade do óbvio, para que não nos surpreendamos com o que sempre foi comum.

Guilherme Nafalski é mestre em Sociologia pela Universidade de São Paulo

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