Claudia Dutra detona postura de Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência

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Aquivo pessoal

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Em defesa da Educação Inclusiva

por Claudia P. Dutra*, especial para o Viomundo

Para alguns a segregação das pessoas com deficiência é algo tão consolidado que se tornam avessos aos conceitos e às iniciativas em defesa da educação inclusiva.

Uma espécie de rejeição ao conhecimento e às mudanças que não condiz com qualquer pessoa, muito menos com a postura de conselheiros do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – CONADE.

1. Absurdamente, o presidente do CONADE divulgou uma resposta ao texto “Em defesa da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva” (PNEEPEI 2008), organizado pela Prof. Maria Teresa Mantoan, afirmando que não leu o texto que critica.

2. A publicação feita pelo Conselheiro diz que o texto veiculado por “Mantoan e demais autores” é duvidosa porque se refere apenas aos “slides” da proposta do MEC, que faz o desmonte da Política de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva.

É óbvio que são analisados os slides, uma vez que o MEC não deu transparência ao conteúdo completo do que pretende colocar em consulta, evitando o ampla participação na discussão da política.

O que se propõe é justamente fazer a reflexão sobre o que foi apresentado e desafiar o governo a fazer o debate sobre os objetivos da educação para as pessoas com deficiência e sua organização, a luz dos marcos legais, políticos e educacionais.

3. O Conselheiro reproduz preconceito e desprezo aos estudos, às pesquisas e aos avanço da inclusão no Brasil. Sem argumentos, são atribuídos rótulos a quem defende a inclusão e não são explicitadas as razões pelas quais o MEC pretende retroceder a um modelo de escola que sequer é citado na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência-CDPD (ONU, 2006).

4. Como não encontram base legal para defender escolas separadas para pessoas com deficiência, é dito que defensores do direito incondicional à educação inclusiva distorcem seus princípios.

Mas, qual significado teria um princípio de inclusão plena e efetiva de todas as pessoas com deficiência, senão o de lhes assegurar todos os direitos e liberdades fundamentais em igualdade de oportunidades com as demais pessoas?

5. A publicação do Conselheiro afirma ainda que as autoras do texto da defesa da PNEEPEI (2008) restringem a inclusão escolar ao lócus, o que seria perverso.

Uma afirmação absurda e mentirosa. A Política de 2008 foi responsável por investimentos de grande porte em recursos para o atendimento educacional especializado (AEE), a formação de professores e a acessibilidade nas redes públicas de ensino.

Tudo isso veio a constituir um efetivo serviço de apoio à inclusão escolar com a oferta do AEE aos estudantes com deficiência, de forma complementar ao ensino comum.

6. Com essa publicação o Conselheiro desconsidera o processo da PNEEPEI e abandona os desafios do seu aprofundamento, em termos do desenvolvimento inclusivo das escolas.

Não cabe mais ao MEC alegar falta de recursos para não fazer a inclusão escolar e ao CONADE compete promover mais avanços na garantia da inclusão plena e efetiva dos estudantes com deficiência.

7. Quando essa publicação questiona a não distinção entre deficiência intelectual e mental, não faz com intuito de aprofundar o debate sobre categorias de deficiência, mas para retomar a alegação da necessidade aparatos complexos que justificariam atendimento escolar segregado para algumas pessoas ou para determinado tipo de deficiência. Portanto, trata-se de reforço à discriminação, que a CDPD (ONU, 2006) busca eliminar.

Bom lembrar que a discriminação nem sempre é explícita, mas é usada para excluir e não para incluir.

8. O Conselheiro reafirma a estratégia do governo de enviar a proposta de reforma da política de Educação Especial diretamente para consulta pública.

Um fato grave, pois é sabido que tal proposta não é fruto da ampla discussão. E não adianta dizer que ir contra essa consulta pública fragiliza a democracia, quando o instrumento é usado como farsa para legitimar uma proposta que não teve interlocução com as posições divergentes.

O que deveria ser dito é qual base legal para o retorno ao modelo educacional que admite uma Educação Especial substitutiva ao ensino comum. Digo isso para dizer o mínimo sobre o que de fato fragiliza a democracia.

9. A referência à suposta ausência de avaliação da PNEEPEI mostra que o o Conselheiro e o MEC desconhecem os estudos que demonstram a inclusão como um fator de desenvolvimento do potencial humano e social.

A inclusão é uma reivindicação da pessoas com deficiência e de suas famílias, embora apontem a necessidade de expandir ações para os sistemas educacionais inclusivos.

Quanto à referência a uma avaliação de “eficácia”, conceito propagando por correntes centradas em resultados quantitativos, afirmo que essa lógica não condiz com a concepção de educação inclusiva.

10. O Conselheiro compartilha a suposição de que a PNEEPEI foi pouco avaliada em dez anos e não manifesta qualquer preocupação com a avaliação das instituições de ensino especial que ele defende e que existem há mais de século.

Cabe lembrar que a avaliação está prevista no PNE e que o CONADE deveria cobrar sua implementação.

Por tudo isso sugiro ao Conselheiro presidente do CONADE que leia o texto organizado pela professora Maria Teresa Mantoan, coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença -LEPED/ Unicamp.

É uma oportunidade de aprender, de aprendermos juntos a construir uma sociedade inclusiva!

*Claudia P. Dutra foi Secretária da Educação Especial/MEC (2003 a 2013).

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Comentários

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ERENICE NATALIA SOARES DE CARVALHO

Em resposta aos comentários sobre o texto divulgado pelo CONADE, faltou resposta de Claúdia Dutra, ex-secretária de Educação Especial do MEC, sobre considerar ilegítima uma escola especial que é legitimada pelo ordenamento legal brasileiro. Análise sobre slides é sempre superficial, rasa e aberta a múltiplas interpretações, inclusive ideológicas, que visam mais a cristalizar frases de efeito e perpetuar legados, do que estimular os avanços produzidos pela cultura. Manter uma política pública sem avaliação, durante 10 anos, é ignorar os avanços culturais e legais do país e, principalmente, decretar o direito de poucos ao pensamento e às decisões da população sobre normas que influenciam suas vidas. Negar à sociedade o direito de ler o texto de atualização de uma política reflete posturas autoritárias dos que a formularam. O que pretende a ex-secretária do MEC Claúdia Dutra? Manter seu legado? O CONADE representa os direitos e interesses das pessoas com deficiência e, legitimamente, corporifica o lema da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: “Nada sobre nós sem nós”. O CONADE precisa ser respeitado e ouvido e, não, “detonado”. “Detonadas”, vem sendo as pessoas com deficiência, historicamente, durante milênios!!! Posturas como essa, contribuem para isso. O CONADE tem e deve ter voz!! Aproveito para honrar esse colegiado que vem lutando pelos direitos das pessoas com deficiência e, não, se curvando a ameaças de desqualificação.

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