Ativistas condenam liminar que suspendeu a entrega de genérico contra hepatite C para 15 mil pacientes

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Ativistas condenam liminar que suspendeu a entrega de genéricos contra hepatite C

Agência Aids de Notícias

Após um ano de espera, cerca de 15 mil pacientes ficarão sem o medicamento sofosbuvir, usado no tratamento para a hepatite C.

A farmacêutica Gilead, fabricante do remédio, conseguiu na semana passa liminar que suspendeu a entrega de genéricos adquiridos pelo Governo Federal para poder atender esses pacientes.

“A Gilead, mais uma vez, faz uma manobra jurídica para barrar a entrada de medicamentos no Brasil, uma forma de ferir a universalidade do acesso e garantir o direito à saúde e à vida. A Gilead e o juiz da 14ª Vara deram sofrimento como presente de Natal às pessoas que sofrem com a hepatite C. É essencial que o Governo Federal não ceda às corporações farmacêuticas e distribua o sofosbuvir – que foi colocado no mercado de maneira legítima e legal”, declarou Pedro Villardi – Coordenador do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI) da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA).

Ainda, em nota publicada no site deolhonaspatentes.org (leia aqui), o GTPI afirma que “condena o bloqueio à entrega do medicamento sofosbuvir ao Ministério da saúde, em curso desde quarta-feira passada (19/12) e ainda sem solução. Este episódio lamentável condena milhares de pessoas à incerteza e sofrimento. Pacientes não podem ser reféns da guerra comercial e jurídica empreendida pela Gilead para bloquear seus concorrentes e manter seus altos lucros.”

A organização humanitária, os Médicos sem Fronteiras, informou em seu website oficial (leia aqui) que adquire o tratamento completo com medicamentos genéricos da mesma qualidade dos remédios de marca a US$ 120 para os projetos em 13 países onde trata a doença e também lamentou.

“Essa decisão prejudica 15 mil pacientes que estão na fila de espera pela possível cura da doença. São vidas que dependem do medicamento”, argumentou Ana de Lemos, diretora-geral de MSF-Brasil.

“É um retrocesso no acesso universal ao tratamento das pessoas vivendo com hepatite C. Já não bastasse o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) ter concedido a patente do sofosbuvir à Gilead, agora a justiça concede essa liminar inviabilizando o tratamento de milhares de pessoas. Vamos lutar agora pelo licenciamento compulsório, já passou da hora do governo decretar o licenciamento para poder comprar o genérico e viabilizar o acesso universal ao tratamento”, disse Rodrigo Pinheiro, presidente do Fórum de ONG/Aids do Estado de SP (FOAESP).

Para Cláudio Pereira, diretor do Grupo de Incentivo à Vida (GIV), o que se discute é o atendimento para as pessoas vivendo com hepatite C.

“A patente não deveria ter sido concedida. O FOAESP buscou o Ministério Público Federal, que entrou com uma ação civil pública. A Justiça Federal concedeu a tutela antecipada autorizando a aquisição do genérico antes da decisão. A intenção era regularizar a situação das pessoas que estão aguardando o sofosbuvir, mas há outros medicamentos também. O importante é ter os genéricos com preços condizentes que possam ser adquiridos pelo Governo Federal, e não um remédio caro que não pode ser comprado, dificultando o acesso.”

Em ofício ao Departamento de Logística em Saúde do Ministério da Saúde (DLOG-MS), o Movimento Brasileiro de Luta contra as Hepatites Virais (MBHV) refuta tecnicamente a liminar concedida à Gilead:

“(…) o argumento de que o preço vencedor não seria exequível não é verdadeiro, já que os preços internacionais de tratamentos com genéricos do sofosbuvir+daclatasvir, no Egito e Índia estão abaixo dos 200 dólares, e o preço do comprimido vencedor no pregão – R$ 32,85, aponta para o custo do tratamento de 12 semanas (84 comprimidos) com o sofosbuvir, em 706 dólares (dólar a 3,906), muito acima dos 200 dólares e, portanto, perfeitamente realizável.

(…) na tomada de preços realizada em 11 de julho de 2018 para compra de sofosbuvir, a Gilead ofereceu preço de US$ 34.32 por comprimido, enquanto o consórcio vencedor, com produto de fabricação nacional, ofereceu US$ 8,50 por comprimido, valor muito parecido com a proposta vencedora no pregão atual.”

O médico infectologista Dr. Evaldo Stanislau – fundador e diretor técnico do Grupo Esperança, consultor para hepatites da Organização Mundial da Saúde e integrante do Comitê Técnico Assessor para Hepatites do Ministério da Saúde e assistente-doutor do HC-FMUSP, considera a iniciativa nociva, porém inócua para o cenário atual e futuro da hepatite C no Brasil.

“Tenho claro que no Brasil o perfil epidemiológico e demográfico da doença aliado às ações de governos anteriores ao atual, que efetivamente trataram a grande massa a ser tratada, reduzem a demanda atual a uma segunda leva dos de doença branda (F0 e F1). Ou seja, após essa leva atual teremos casos episódicos e os poucos de retratamento, para os quais o sofosbuvir não é a resposta. De outro lado, no mundo todo onde a doença ainda é epidemiologicamente relevante e novos casos ocorrem, o genérico é usado. E isso é bom porque a despeito do compromisso, e propostas efetivas, de preços competitivos creio que a prerrogativa de construir as melhores políticas de saúde deve ser dos países e, não, da Indústria”, argumentou.

“Essas 15 mil alguns poucos milhares a mais, talvez um total de umas 30-50000 são, na minha opinião, a última grande leva a ser tratada. Depois disso a hepatite C ‘acaba’ como problema de saúde pública no Brasil (porque o perfil epidemiológico daqui não evidencia novas infecções, os pacientes são mais velhos e entre jovens a prevalência é quase zero). A partir daí lidaremos com casos episódicos”, concluiu.

Já o Dr. Paulo Abrão, professor adjunto da disciplina de Infectologia na Unversidade Federal de São Paulo (UNIFESP), discorda de seu colega.

“A situação é muito preocupante. Foi uma compra urgencial, são muitas pessoas esperando há muito tempo e não temos muito tempo. Temos casos iniciais mas temos quadros graves com cirrose e cirrose avançada. Esse lote de 15 mil foi uma tentativa de resolver o problema. Agora voltamos à estaca zero.”

Ele contou que ainda recebe pacientes recentes já cirróticos e que é necessário que se incentive a testagem, que as pessoas procurem o diagnóstico porque as pessoas não testadas podem continuar infectando outras, como acontece com o HIV.

“Essas 15 mil pessoas não são apenas números, elas estão registradas no SUS esperando tratamento. É muito importante informar, continuar as campanhas e tratar. Quinze mil pessoas esperando tratamento não é inócuo.”

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