
Alfredinho, líder da bancada: "Ah, mas poderia ser uma homenagem por um gesto de bravura..."
por Conceição Lemes
Pelas normas da Câmara Municipal de São Paulo, todo vereador tem direito de propor oito honrarias durante a legislatura. O coronel Telhada (PSDB) quer homenagear a Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) com uma salva de prata.
Criada em 1970, a Rota tem até hoje uma história marcada pela violação dos direitos humanos e de violenta repressão, da qual se orgulha.
Mesmo assim, Telhada conseguiu o número necessário de assinaturas para apresentar o seu projeto.
Dos 55 vereadores da Casa, 34 assinaram, a começar por outros dois integrantes da chamada bancada da bala: Conte Lopes (PTB) e o coronel Camilo (PSD) (veja lista completa abaixo).
Na lista, também figuram vereadores do PSDB (Andrea Matarazzo e Mário Covas Neto, por exemplo), PV (Gilberto Natalini), PPS (Ricardo Young), PMDB (Rubens Calvo), PSB (Noemi Nonato e Ota) e PRB (Jean Madeira).
Nenhuma surpresa.
O espantoso é que sete dos 11 vereadores do PT são signatários: Alessandro Guedes, Alfredinho, Arselino Tatto, Jair Tatto, Reis, Senival Moura e Vavá, todos na contramão da história do partido em defesa dos direitos humanos e da luta contra a ditadura.
Não assinaram: Juliana Cardoso, Nabil Bonduki, Paulo Fiorillo e José Américo. Orlando Silva (PCdoB) e Toninho Vespoli (Psol) também não.
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No dia 6 de março, a justificativa da homenagem à Rota foi publicada na página 86 do Diário Oficial da Cidade de São Paulo
Três parágrafos chamam a atenção. Fazem apologia a ações da Rota contra os que lutaram contra a ditadura civil-militar, mencionando Carlos Lamarca e Marighela.


Mesmo assim, o projeto andou na Câmara Municipal.
Passou por unanimidade pela Comissão de Constituição e Justiça com os votos de Goulart (PSD), Alessandro Guedes (PT), George Hato (PMDB), Conte Lopes (PTB), Sandra Tadeu (DEM), Eduardo Tuma (PSDB) e Arselino Tatto (PT). A Comissão de Constituição e Justiça avalia a legalidade da propositura, portanto analisa a formalidade.
Há duas semanas, no dia 26 de março, a homenagem foi questionada pela vereadora Juliana Cardoso (PT) na reinstalação da Comissão da Verdade da Câmara Municipal, que leva o nome de Vladimir Herzog, jornalista assassinado em 1975 nas dependências do DOI-Codi.
A Comissão da Verdade da Câmara Municipal é composta por oito membros: Natalini (presidente), Juliana Cardoso (vice), Covas Neto (relator), Rubens Calvo, Laércio Benko (PHS), Police Neto (PSD) e Ricardo Young. Apenas Juliana posicionou-se contra a homenagem.
“As ações da Rota ocorridas durante a ditadura ferem os direitos humanos e não queremos esse tipo de postura na sociedade”, justifica a vereadora petista. “Além disso, seria um desrespeito completo com as famílias das vítimas.”
“Fiquei espantada quando soube do projeto de homenagear a Rota. Trata-se de um projeto fora de propósito”, continua Juliana. “No momento em que pelo Brasil afora as Comissões da Verdade buscam elucidar acontecimentos nebulosos da época da ditadura e o Estado brasileiro se desculpa pelas atrocidades cometidas naquele período da nossa história, essa homenagem vai na contramão.”
Os colegas tentaram convencer Telhada a retirar a homenagem. O coronel só admitiu mudar trechos da justificativa, o que aconteceu na semana passada. Apenas dois dos três parágrafos referentes a Lamarca e Marighela foram retirados.
Diante da tamanha repercussão negativa que a homenagem à Rota teve, vereadores do PT tentam correr atrás do prejuízo. A bancada já divulgou nota, dizendo que vai votar contra.
“Nós obrigamos ele a tirar a parte da ditadura”, diz Arselino Tatto, que na Comissão de Constituição e Justiça ajudou a aprovar o projeto. “Agora, vou votar contra.”
O líder Alfredinho tenta se explicar.
— Houve o pedido protocolar de assinaturas, geralmente a gente assina, depois se posiciona se vota a favor ou contra.
— Sete dos 11 vereadores do PT assinaram a proposta do Telhada. O senhor não acha um absurdo o PT assinar um projeto de homenagem à Rota? Não é incoerente com a história do partido?
— Quando a gente assina, não sabe ainda do que trata…
— Mas todos sabiam que era a favor da Rota!
— Ah, mas poderia ser uma homenagem por um gesto de bravura…
— Soube que o senhor orientou os vereadores a votarem a favor na Comissão de Constituição e Justiça.
— Em algumas votações isso acontece, mas nessa cada um votou como quis, eu não dei orientação.
— Mas o senhor não orientou mesmo a favor do projeto do Telhada?
— Não interferiiiiii…
Alessandro Gudes, vereador de primeira viagem, seguiu a orientação do líder Alfredinho e reconhece que também votou favoravelmente na Comissão de Constituição e Justiça sem uma melhor avaliação do projeto. Em português: não leu a justificativa de Telhada.
“O mérito da proposta será avaliado pelo Plenário da Casa. Na oportunidade, votarei contra a homenagem, por entender que a atuação da Rota integrou o aparato repressivo montado pela durante a ditadura militar e violou normas de direitos humanos”, diz Alessandro. “Militantes foram perseguidos, presos, torturados, covardemente assassinados. E a Rota fez parte deste processo.”
A proposta de Telhada está agora na Comissão de Educação, Cultura e Esporte, que vai julgar o mérito nos próximos dias.
A vereadora Juliana Cardoso reforça: “Vou continuar combatendo o absurdo dessa propositura. É um desrespeito aos familiares das pessoas desaparecidas durante a ditadura militar”.
Uma pergunta óbvia fica no ar: sete dos 11 vereadores assinaram projeto de homenagem à Rota a troco do quê? Pragmatismo exacerbado? Oportunismo? Esqueceram-se que hoje só são vereadores por que muitos lá atrás lutaram contra a ditadura e foram vítimas da Rota?
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