Túlio Muniz: Portugal, ame-o ou deixe-o?

Tempo de leitura: 3 min

por Túlio Muniz

Exportar gente parece ser mais que uma afirmação estúpida do  esdrúxulo primeiro ministro direitista de Portugal, Passos Coelho, e sim um projeto de governo da direita portuguesa.

Após defender a “exportação de professores” no fim de semana, Coelho foi replicado hoje (19 de Dezembro) por seu ministro dos Negócios Estrangeiros (equivalente brasileiro das Relações Exteriores), Miguel Relvas, que tentou vender uma pérola falsa ao afirmar   “o seu ‘orgulho’ nos portugueses que ‘em dificuldades’ partiram para Moçambique e ‘agora estão a ter sucesso na construção do país’, comentando as declarações do primeiro-ministro publicadas no domingo (conforme o jornal  i http://www.ionline.pt/portugal/miguel-relvas-afirma-orgulho-nos-portugueses-foram-mocambique).

Esses senhores demonstram como mantêm viva a mentalidade colonial, imaginando-se a ocupar territórios hoje puramente imaginários, irreais e inexistentes (imagine professores portugueses nos contextos escolares do Brasil). Genuína mentalidade pós-colonial, segundo a qual é preferível expatriar seus concidadãos  às incertezas do território do “outro” (aqui o da alteridade e não o da subalternidade) do que dividir a riqueza nacional para manter o bem estar social conquistado.

Portugal, onde a maioria da população não age nas urnas tampouco nas ruas. Saramago foi pura e genial licença poética ao iniciar “Ensaio sobre a Lucidez” com um dilúvio torrencial no dia das eleições para o governo, e ainda assim a afluência às urnas foi imensa como a chuva.

Até quando os estudantes universitários portugueses vão se manter aquietados, morgados em suas capas pretas que não  mais encobrem a precariedade de seu presente, sem perspectiva de futuro?

Sem ação, os senhores da direita portuguesa, um bocado de almofadinhas recém lançados na política, em breve, sentir-se-ão à vontade para aplicar  à toda população a “modesta proposta” de Swiftt, no século XVIII. Arguto como uma víbora, Swift imortalizou a sempre explícita intenção dos ricos em eliminar os que lhe são estorvo, os pobres e a classe média, ainda que tenha de imolá-los.

Diante do excesso de pobres a procriar, Swift sugeriu que as crianças fossem devoradas. “Os que são mais frugais (como devo confessar que o exigem os tempos) podem esfolar a carcaça, cuja pele, artificialmente tratada, dará luvas admiráveis para as senhoras, e botas de Verão para os cavalheiros elegantes”.

A direita portuguesa zomba e tripudia de seus concidadãos.  Expõe os portugueses ao vexame internacional de tal maneira que faria um Berlusconi corar de pudores. Assim será, sempre, se prevalecerem as ruas vazias e as universidades aquietadas.

Força, portugueses, força. Vosso país é bem mais valoroso e valioso que esse momento infeliz e cruel que lhes impõem o que há de pior na política contemporânea.

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Notas

* O título, proposital, remete ao lema da ditadura militar brasileira (1964-1985) que legitimava o exílio, a expatriação,  as expulsões e o massacre dos cidadãos que lhe davam combate.

* Swift: Uma modesta proposta para prevenir que, na Irlanda, as crianças dos pobres sejam um fardo para os pais ou para o país, e para as tornar benéficas para a República – 1729 – in:

http://www.fcsh.unl.pt/docentes/hbarbas/SwiftProposal.htm [Out.2004. Tradução: Helena Barbas

“Os homens ficariam a gostar tanto das suas mulheres durante o tempo da gravidez como gostam agora das suas éguas prenhas, das vacas com crias, das porcas prontas a parir – nem se proporiam bater-lhes ou dar-lhes pontapés (como é prática tão frequente) com medo de um aborto”.

“Professo, na sinceridade do meu coração, que não tenho o menor interesse pessoal em tentar promover este trabalho necessário, não possuindo outro motivo além do bem publico do meu país e, pelo avanço do nosso comércio, de prover pelas crianças, aliviar os pobres, e dar algum prazer aos ricos. Não tenho crianças com as quais possa conseguir um único tostão, pois o meu filho mais novo tem nove anos e a minha mulher está além da idade de procriar”.

Túlio Muniz, jornalista, historiador, doutor em Sociologia/Pós-Colonialismos e Cidadania Global pela Universidade de Coimbra (Portugal),  professor (temporário) da Universidade Federal do Ceará (Brasil).

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