The New Digital Divide
Susan P. Crawford, no New York Times, em 03.12.2011
Professora da Escola de Direito Benjamin N. Cardoso e ex-assistente do presidente Obama para ciência, tecnologia e política de inovação
Pelo segundo ano consecutivo, a segunda-feira após o Dia de Ação de Graças – chamada Segunda Cibernética, quando vendedores online oferecem descontos para atrair compradores natalinos – foi o maior dia de vendas do ano, somando algo em torno de US$ 1,25 bilhão e ultrapassando o volume de vendas alcançado pelas lojas tradicionais três dias antes, na chamada Sexta-feira Negra, antigamente a eterna batedora de recordes.
[Nota do Viomundo: nos Estados Unidos, tradicionalmente, as lojas abrem na madrugada de quinta para sexta-feira, após o feriado do Dia de Ação de Graças, oferecendo grandes descontos]
Esses números parecem provar que os Estados Unidos estão, de fato, online. Mas eles mascaram uma divisão que está emergindo, uma divisão que tem implicações preocupantes para nossa economia e nossa sociedade. Mais e mais, somos um país no qual apenas quem tem dinheiro, nos centros urbanos e subúrbios, consegue acesso à internet de alta velocidade enquanto o resto – os pobres e a classe trabalhadora – não pode pagar por este acesso ou se conecta à internet apenas por acesso sem fio e restrito. Enquanto nossos empregos, entretenimento, política e até mesmo serviços de saúde se transferem para a operação online, milhões correm o risco de ficar para trás.
As telecomunicações, que em princípio deveriam nos unir, na prática frequentemente nos dividem. Até o fim do século 20, a divisão se dava entre os que tinham e os que não tinham acesso ao telefone. Depois foi a web: em 1995, o Departamento do Comércio publicou sua primeira análise da “divisão digital” e encontrou uma grande diferença racial, econômica e geográfica entre os que estavam online e os que não estavam.
“Enquanto uma linha padrão de telefone pode ser um caminho individual de acesso à Era da Informatização”, diz o estudo, “um computador pessoal e um modem estão rapidamente se tornando as chaves do cofre”. Se você fosse branco, de classe média e morador de um centro urbano, a internet lhe abria novas portas de informação e oportunidade. Se você fosse pobre, do meio rural ou membro de uma minoria, estava ficando para trás rapidamente.
Na última década, o acesso barato à web pelas linhas de telefone levou milhões à internet. Mas, nos últimos anos, o surgimento de serviços como vídeo-on-demand, medicina online e aulas pela internet redefiniram o topo da linha: estes serviços realmente exigem serviço de banda larga confiável, disponível quase que exclusivamente através das poucas e muito poderosas empresas a cabo do país. Este acesso significa contratos caros pelos quais muitos americanos simplesmente não podem pagar.
Enquanto nós continuamos a falar da internet como uma só, mais e mais temos dois mercados de acesso separados: o com fio de alta velocidade e o sem fio de segunda classe. O acesso de alta velocidade é uma super rodovia para os que podem pagar, enquanto as minorias raciais e os norte-americanos mais pobres e do meio rural têm de se virar na ciclovia.
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Pouco mais de duzentos milhões de americanos têm acesso de alta velocidade à internet em casa e quase dois terços deles acessam o serviço através da empresa local de distribuição de TV a cabo. As conexões são realmente de alta velocidade: com base em uma tecnologia padrão chamada Docsis 2.0 ou 3.0, elas podem chegar a 105 megabits por segundo, velocidade suficiente para baixar um álbum inteiro de música em três segundos.
Esses clientes são os alvos da próxima geração de serviços pela internet, uma tecnologia que vai incrementar muito a carreira profissional, a educação e a qualidade de vida. Em uma década, pacientes poderão falar de casa com seus médicos, online, e assim terão acesso a tratamentos de alta qualidade mais baratos. Conexões de alta velocidade também permitirão a educação à distância, com videoconferências em tempo real. Milhares de estudantes já estão tirando diplomas através de classes virtuais.
Muito em breve, residências poderão monitorar seu próprio uso de energia via tecnologia de rede inteligente para manter baixos os custos e as emissões de dióxido de carbono. Até mesmo a maneira com que os americanos conectados trabalham vai mudar: muitas inscrições para empregos já são feitas exclusivamente online. Em breve, entrevistas para empregos serão feitas através de videoconferência, economizando tempo e dinheiro.
Mas o restante dos Estados Unidos ficarão de fora disso. Milhões ainda estão completamente off-line, enquanto outros conseguem pagar apenas conexões através de linhas telefônicas ou de telefones inteligentes [smart phones], sem fio. Eles podem esperar, então, um serviço de saúde, oportunidades profissionais, educação e opções de entretenimento de qualidade ainda mais baixa do que recebem hoje.
É verdade, norte-americanos de todas as origens estão adotando telefones inteligentes, em grande velocidade. Em pouco mais de quatro anos, o número saltou de 10% para 35% da população. Entre hispânicos e afro-americanos, a taxa é de cerca de 40%. Na maior parte das vezes, os proprietários de telefones inteligentes também têm acesso à internet por cabo, em casa: o Projeto Pew de Internet e Vida Americana divulgou, recentemente, que 59% dos adultos norte-americanos com renda anual acima de US$ 75 mil têm um telefone inteligente. Um estudo de 2010 da Comissão Federal das Comunicações descobriu que mais de 90% das pessoas dessa faixa de renda tinham, em casa, acesso de alta velocidade à internet por cabo.
Mas isso não é verdade para os norte-americanos de baixa renda e para as minorias. De acordo com os números divulgados no mês passado pelo Departamento de Comércio, apenas 4 em cada 10 domicílios com renda anual abaixo de US$ 25 mil, em 2010, tinham internet via cabo em casa, enquanto a vasta maioria – 93% – das famílias com renda acima de US$ 100 mil tinha. Apenas pouco mais de metade dos afro-americanos e hispânicos (55% e 57%, respectivamente) têm acesso à internet por cabo, em casa, comparado com 72% entre norte-americanos brancos.
Essa diferença nos números deve aumentar quando os 30% dos norte-americanos que não têm acesso algum entrarem na rede. Quando isso acontecer, particularmente se nos próximos anos a renda pessoal crescer pouco, eles provavelmente vão adotar a única opção que estará a seu alcance: internet sem fio através de telefones inteligentes. O plano de internet de alta velocidade com fio pode custar US$ 100 por mês; o plano em um telefone inteligente pode custar a metade, quase sempre com um aparelho recebido de graça ou com um belo desconto na compra incluído no pacote.
O problema é que o acesso através do telefone inteligente não é um substituto para a internet com fio. A grande maioria dos empregos exige o preenchimento de formulários online, mas é difícil digitar um currículo em um aparelho pequeno; é difícil tirar um diploma universitário, a partir de uma região remota, usando serviço sem fio. Pouquíssimas pessoas abririam um negócio usando apenas uma conexão sem fio.
Não é apenas inconveniente – é fisicamente impossível desempenhar várias destas atividades com uma conexão sem fio. Por sua própria natureza, as ondas têm uma limitação severa de capacidade: os mesmos 5 gigabytes de dados que podem levar nove minutos para serem transmitidos em uma conexão a cabo de alta velocidade, podem levar uma hora e 15 minutos para viajar em uma conexão sem fio.
Mesmo que um telefone inteligente tivesse o potencial tecnológico para competir com o serviço a cabo, os usuários ainda teriam outra dificuldade, por conta do limite mensal de dados imposto pela ATT e pela Verizon, as maiores prestadoras de serviço sem fio dos Estados Unidos. Por exemplo, muito antes de terminar de baixar um filme de duas horas, de alta definição, do iTunes, em uma rede 4G sem fio, um assinante típico atingiria seu limite mensal e começaria a pagar US$10 por gigabyte de uso extra. Se você acha que essa é uma preocupação tola, no lugar de filme, coloque uma transmissão de dados igualmente grande, como a transmissão de uma reunião de negócios.
As bibliotecas públicas estão servindo de alternativa, mas não estão aguentando. Quase metade dos bibliotecários diz que não tem conexão suficiente para atender às necessidades do público. E é difícil imaginar alguém fazendo uma entrevista de emprego em uma biblioteca.
No passado, o custo de novas tecnologias caiu com o tempo e, eventualmente, muitos norte-americanos puderam comprar um computador e um modem para acessar através de uma linha comum de telefone. O serviço telefônico – algo que 96% dos americanos têm – foi vendido com preços tabelados e as telefônicas foram forçadas a permitir que as empresas provedoras de acesso à internet competissem e compartilhassem suas linhas.
Mas existe motivo para acreditar que agora vai ser diferente. Hoje, o problema é a capacidade de pagar serviço de internet de alta velocidade que não é regulamentado – fornecido, no caso do cabo, por poucas empresas que visam o lucro, com pouquíssima competição local e quase sem supervisão dos preços. Elas têm de arcar com todo o custo da infraestrutura e, por isso, não têm incentivos para expandir o serviço nas áreas rurais, onde o número de clientes potenciais é bem menor. (A Comissão Federal das Comunicações anunciou, recentemente, um plano para converter os subsídios que davam apoio ao serviço básico de telefone na zona rural em apoio ao serviço básico de acesso à internet).
O grande problema é a falta de competição no mercado a cabo. Apesar de existirem várias empresas grandes de cabo no país, cada uma domina sua fatia nos mercados locais: a Comcast reina absoluta na Filadélfia, enquanto a Time Warner domina Cleveland. Isso, em parte, se deve ao alto preço da colocação dos cabos e as empresas, que já pagaram por essas redes, as protegem com unhas e dentes, agrupam suas operações e gastam milhões de dólares fazendo lobby contra leis que possam obrigá-las a compartilhar sua infraestrutura.
A única competição real das empresas de cabo vem do serviço de fibra ótica FiOS, da Verizon, que pode fornecer velocidades de até 150 megabits por segundo. Mas o serviço da FiOS está disponível para apenas 10% dos domicílios. A U-verse, da ATT, que tem 4% do mercado, não fornece velocidade equivalente porque, enquanto usa cabos de fibra ótica nos bairros, o sinal muda para linhas mais lentas, de cobre, quando se conecta às residências. E nem pense na DSL, que transporta apenas uma fração do volume de dados necessário para serviços que os usuários de cabo já estão acostumados a ter.
Sem a competição de outras empresas de cabo ou de tecnologias alternativas, cada uma das grandes distribuidoras de cabo do país tem a possibilidade de elevar os preços, na sua região, para os serviços de internet de alta velocidade. Os que ainda podem pagar estão gastando mais e mais pela mesma qualidade de serviço, enquanto os que não podem estão recorrendo ao sem fio.
Não precisa ser assim, como um número cada vez maior de países demonstra. A Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento lista os Estados Unidos em décimo segundo lugar entre as nações desenvolvidas em acesso à internet por cabo, e é seguro pressupor que os preços altos desempenharam um papel no rebaixamento de nossa posição. Os Estados Unidos, que inventaram a internet e ainda lideram o mundo em inovações nas telecomunicações, estão ficando para trás em matéria de uso da tecnologia.
A resposta para esse quebra-cabeça é política de regulamentação. Nos últimos dez anos, nós desregulamentamos o acesso à internet de alta velocidade com a esperança de que a competição entre os provedores fosse proteger os consumidores. Agora nós não temos um mercado competitivo funcionando para internet rápida, nem fiscalização do governo.
Em contrapartida, os governos que fizeram intervenções nos mercados de internet viram um número maior de pessoas adotarem a tecnologia, mais cedo e com assinaturas mais baratas. Muitos desses países exigiram que os provedores de telecomunicações vendessem acesso a parte de suas redes aos rivais, por preços tabelados, para que a competição pudesse baixar os preços.
Enquanto isso, esses países estão construindo, ou até já têm, redes de fibra ótica que serão baratas, padronizadas, presentes em todos os lugares e igualmente rápidas para subir ou baixar dados. Muitos desses países, não apenas avançados, como Suécia e Japão, mas também menos desenvolvidos, como Portugal e Rússia, já estão a meio caminho andado para substituir completamente suas conexões padrão de telefone por conexões de fibra ótica de última geração, que vão reduzir ainda mais o custo para os usuários, aumentando significativamente a rapidez do acesso.
O único serviço semelhante [nos Estados Unidos] é o da FiOS. Mas, de acordo com a empresa de pesquisa Diffraction Analysis, ela cobra seis vezes mais que o serviço semelhante de Hong Kong, cinco vezes mais que o de Paris e duas vezes e meia mais que o de Amsterdã. No que diz respeito ao preço de varejo do acesso por fibra ótica nos Estados Unidos, nós estamos iguais a Istambul.
A nova segregação digital levanta questões importantes sobre igualdade social em um mundo dirigido pela informação. Mas também se trata de proteger nosso futuro econômico. Dentro de 30 anos, afro-americanos e hispânicos, que estão correndo o maior risco de ficarem para trás na revolução da internet, serão mais da metade da nossa força de trabalho. Se queremos ser competitivos na economia global, temos de assegurar que todo norte-americano tenha acesso à internet por cabo, realmente de alta velocidade, por um preço razoável.
PS do Viomundo: Os maiores ganhos de produtividade do século 21 serão obtidos através da internet. O país que não investir nisso vai se especializar em produzir alimentos para os porcos da China às custas de degradação ambiental em seu próprio território. Quando este país hipotético, que na verdade só existe em nossa fértil imaginação, acordar, será tarde: terá de comprar todas as tecnologias de informação e de ‘limpeza ambiental’ da Suécia e da Alemanha, dos Estados Unidos e da China, da Rússia e da Coreia do Sul.
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