por Luiz Carlos Azenha
Começo escrevendo que sou péssimo analista eleitoral. Não tenho informações privilegiadas, nem de um lado, nem de outro. Observo. Erro mais do que acerto. Leio os jornais às vezes. Falo com amigos, acompanho o que se passa na internet. Estabeleço relações com o que vi em outras campanhas, dentro e fora do Brasil.
Em geral, neste primeiro momento da campanha, os partidos tentam definir quem é o adversário, para dizer, em seguida “quem não sou”. Desde o ano passado, PSDB/DEM/PPS tentaram colar na então ministra Dilma algumas pechas: terrorista, marionete de Lula, incompetente, pessoa em quem não se deve confiar.
Isso se deu a partir de factóides: a ficha falsa na primeira página da Folha de S. Paulo, a produção do encontro com Lina Vieira, declarações de líderes partidários devidamente replicadas pela mídia. Mais recentemente, a partir de uma frase falsa, houve uma tentativa de intrigar Dilma com a esquerda. Em minha opinião, uma tentativa de explorar as contradições internas da coalizão governista, que o “analista de pesquisas” Marco Antonio Villa propusera em artigo que publicou. Disse ele, então, que “não faltam problemas e críticas ao atual governo, mas o que a oposição precisa é mostrar para o eleitor que pode governar melhor que o PT. Deve explorar as contradições do bloco governamental, mostrar a fragilidade da candidata oficial, que está encoberta, momentaneamente, sob a proteção de Lula. Em suma: a oposição terá de ir para o enfrentamento, fazer política, sob o risco de desaparecer”.
No artigo, só faltou Villa gritar “búlgara” (origem de parte da família de Dilma), mas chegou perto, quando disse que no lançamento de sua campanha a ministra se parecia com um daqueles antigos líderes dos países que eram satélites soviéticos no Leste europeu.
O artigo completo dele está aqui.
O Jornal Nacional anunciou publicamente que só divulgaria as pesquisas de dois institutos: o Datafolha e o Ibope. É a repercussão seletiva de pesquisas.
O gráfico acima foi produzido pelo blogueiro Eduardo Guimarães. Não inclui os dados mais recentes do Datafolha e do Ibope. A boca do jacaré estava se fechando (ou seja, Dilma estava se aproximando de Serra). Agora, pelos dados dos institutos que o Jornal Nacional vai divulgar, a boca do jacaré se abriu de novo.
De factual, sabemos que alguém está errando.
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Mas, então, a repercussão seletiva de pesquisas, com a desqualificação do Sensus, já terá surtido o efeito desejado, se de fato terá algum; quem tentar mostrar que o jacaré está fechando a boca, apanha!
De todas as campanhas a que assisti, a novidade nesta é o protagonismo da mídia, escondido sob o manto da “objetividade jornalística”. Um partido usa um jornal, dono de um instituto de pesquisas — coincidentemente, um dos dois que a TV Globo endossou — para tentar destruir um concorrente? Nunca vi isso.
O Ibope, que terá repercussão no Jornal Nacional, já fez sua previsão, publicada na Veja em 26 de agosto de 2009: Lula não fará o seu sucessor.
Disse ele, então:
Veja: Porém já existem pesquisas que colocam Dilma Rousseff na casa dos 20% das intenções de voto.
Montenegro: A Dilma, em qualquer situação, teria 1% dos votos. Com o apoio de Lula, seu índice sobe para esse patamar já demonstrado pelas pesquisas, entre 15% e 20%. Esse talvez seja o teto dela. A transferência de votos ocorre apenas no eleitorado mais humilde. Mas isso não vai decidir a eleição. Foi-se o tempo em que um líder muito popular elegia um poste. Isso acontecia quando não havia reeleição. Os eleitores achavam que quatro anos era pouco e queriam mais. Aí votavam em quem o governante bem avaliado indicava, esperando mais quatro anos de sucesso.
Ou seja, as pesquisas do próprio Ibope já desmentem a previsão: o teto da ex-ministra está próximo dos 30%. Seria muita maldade especular que a entrevista, então, serviu para colocar dúvidas sobre a escolha do presidente Lula.
O Washington Araújo descreveu a partidarização disfarçada aqui.
O professor Laurindo, também, aqui.
Ao mesmo tempo, a hora é de definir José Serra como o “candidato do bem”. Um candidato sólido. Primeiro, no lançamento de sua candidatura, com o jingle “do bem” e “o Brasil pode mais”. Na semana seguinte, a solidez de Serra foi comprovada pelo Datafolha numa pesquisa em que ele apareceu 9 pontos à frente de Dilma. Chegava às bancas o Serra sorridente, na capa da maior revista de circulação nacional, com apoio inclusive dos astros. À noite, a Globo decidiu comemorar o seu aniversário dizendo que “quer mais”. Aguardo o comercial dos 35 anos da Globo para ver o que ela queria então. Será que a Globo pediu mais saúde e educação em 2000, em pleno governo de Fernando Henrique Cardoso? A ver.
E nem trataremos aqui da campanha sórdida, de bastidores, feita através de mensagens de e-mail, do twitter e de comentários em portais.
De factual, temos que José Serra já era um político conhecido do eleitorado nacional. Não há nenhuma dúvida de que Dilma é uma candidata competitiva, por qualquer pesquisa que se considere, mesmo do Datafolha. Analisem as séries históricas. Acho que é cedo para fazer previsões. O horário eleitoral gratuito, que é o grande definidor, ainda nem começou. As alianças regionais estão em definição. O futuro de Ciro Gomes é uma incógnita.
Nos anos 80, havia um assessor de imagem de Ronald Reagan, Michael Deaver, que dizia algo assim: “As palavras na TV não querem dizer nada, contam as imagens”. Ele era o encarregado de “preencher a cabeça” de Reagan. Não no sentido literal. Deaver cuidava exclusivamente dos cenários para as aparições de Reagan. Montava a luz. E cuidava para que nas imagens fechadas, de Reagan discursando, o “background” fosse adequado.
Porém, hoje em dia as coisas mudaram. As pessoas estão saturadas do padrão global de beleza. É artificial. Parece desumano. Como toda pessoa pode publicar suas próprias fotos na internet, por exemplo, sabe direitinho distinguir entre o original e o falsificado. Assisti a trechos da entrevista da ex-ministra Dilma pela internet. E a trechos da entrevista dela no programa do Datena. Como não vi as entrevistas completas, é difícil fazer uma avaliação do conteúdo. Os eleitores, neste momento, querem apenas ter um feeling do candidato.
Eu não sei exatamente o que aconteceu nos bastidores da entrevista de Dilma à Bandeirantes, nem o motivo para o Datena levantar tanto a bola para a Dilma cortar. Não foi bem uma entrevista, mas uma conversa. Do ponto-de-vista de imagem, foi boa para a ex-ministra. Ela começa a projetar uma imagem distante daquela que se tentou colar nela.
A tese da “fragilidade” de Dilma, escondida sob Lula, proposta pelo analista de pesquisas, começa a ruir.
Notei o mesmo, na internet, quando Dilma lançou o seu blog de campanha: ela falou diretamente com os internautas, demonstrou conhecimento da máquina governamental e as respostas, se foram, não pareciam ensaiadas.
Marcelo Branco entendeu perfeitamente o potencial da rede na campanha. Os tucanos que assistiram, também. Presumo que isso explique as notícias de que ele teria sido desautorizado pela campanha da ex-ministra. Descubro, no blog do Eduardo Guimarães, que ele desmentiu:
Essas intrigas com ar de notícia são típicas do período eleitoral.
Essa estratégia da oposição parece servir a um objetivo: evitar que a campanha se concentre numa comparação entre feitos e projetos de governo. Trato disso abaixo.
Antes, relembro um artigo que a revista do New York Times publicou, faz tempo, sobre a lei das consequencias indesejadas. O autor falava que Bush, empurrado pelos neocons, havia retirado Saddam Hussein de cena, desfazendo um equilíbrio que o pai dele, Bush Sr., havia lutado para preservar.
Na primeira guerra do Golfo, quando poderia perfeitamente ter derrubado Saddam, Bush pai foi esperto. Deixou o líder iraquiano lá como contrapeso aos aiatolás xiitas do Irã. Saddam, para quem não se lembra, era um ditador assentado em um governo secular, uma coalizão que incluia sunitas, cristãos e minoritariamente xiita. Hoje, os cristãos se dizem perseguidos no Iraque. Os sunitas perderam poder relativamente àquela época. Os xiitas governam. Não são propriamente aliados do Irã, porque dizer isso seria desconhecer que os iraquianos são árabes e os iranianos, persas.
Os assessores bushistas, que esperavam ser recebidos com flores em Bagdá, foram recebidos à bala. Por pura ignorância. Desconheciam que, ainda que muitos iraquianos denunciassem a ditadura de Saddam, eram e continuam sendo extremamente nacionalistas. Ou seja, faltou combinar com o povo.
Resumo da ópera: sem querer, Bush Jr. acabou fortalecendo regionalmente o Irã. Talvez a intenção dos neocons tivesse sido esta desde o princípio, para justificar a guerra seguinte, contra o Irã. Guerra, afinal, é o negócio deles. Mas a guerra do Iraque, ganha com facilidade no terreno, não fortaleceu a posição política dos Estados Unidos no mundo e fez muito para desgastá-la. Foi um dos motivos da vitória de Obama, da derrota eleitoral dos neocons.
No Brasil, diante da popularidade de um presidente, que ronda os 70%, fazer guerra me parece que interessa especialmente a uma das coalizões. Guerra excita as pessoas. Faz com que percam a razão. De onde derivam erros que o adversário nunca deixa de explorar. Guerra é a melhor saída para mudar de assunto, especialmente do que pode ser mortal para a oposição: a comparação entre feitos e projetos de governo.
Fico com o que escreveu Ricardo Kotscho: na hora agá, a eleição presidencial de 2010 será decidida pelo estado da economia. O eleitor vai se perguntar se “aquela mulher do Lula” serve ou não para governar.
Se achar que sim, Dilma se elege. Se achar que não, José Serra se elege.
Não por acaso, um dos únicos ataques indiretos feitos por José Serra até agora foi lembrar que nem sempre um governo que dá certo é seguido por outro, melhor. Usou para dar exemplo Paulo Maluf e Pitta. Indiretamente, endossou Maluf, talvez uma forma de agradar aos malufistas de São Paulo. Dilma rebateu com precisão: Lula não é Maluf, eu não sou Pitta. Mais uma tentativa, em minha opinião, de explorar as contradições da coalizão governista, como havia sugerido Villa em seu artigo.
Lula não é Maluf. Dilma não é Pitta. Dilma começa a demonstrar que não é Lula.
E Serra não é Bush Jr., mas parece ter terceirizado a guerra. Os generais de Serra na mídia superestimam sua própria inteligência, seu conhecimento do Brasil e do eleitorado. São intelectuais do eixo Rio-São Paulo, que viveram toda a vida falando para e ouvindo de um público muito específico. Muitas formulações intelectuais deles são enviesadas pelo preconceito e pelo desconhecimento.
O analista de pesquisas, aliás, em seu artigo disse que petistas, que convenientemente não identificou, temiam que Ciro Gomes rapidamente suplantasse Dilma na campanha: pelo Ibope divulgado hoje, Ciro caiu de 11% para 8%.
(PS: Leio agora, na rede, que Ciro desistiu)
Ou seja, dois dos pilares que sustentavam o artigo começaram a ruir: Dilma não tem parecido frágil, Ciro não é a ameaça que ele projetou. Quanto à sugestão de que a oposição deve partir para o enfrentamento, é o que está acontecendo. Com apoio da mídia partidarizada, que se esconde sob o manto da imparcialidade jornalística.
O silêncio do PT só se justifica, em minha opinião, pelo fato de que o partido deve dispor de suas próprias pesquisas. Talvez tenha entendido antes que eu tudo o que escrevi acima. Ou não. O tempo responderá.
O trabalho da oposição, neste momento, é “combinar com o povo”.






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