Verissimo: “Mortos podem virar mártires de causa inimiga”

Tempo de leitura: 2 min

Charlie 4

‘Charlie’

É um jornal nitidamente de esquerda, mas que nunca a livrou das suas gozações. Seu alvo preferencial é a direita religiosa francesa

Verissimo, em O Globo

Alguém já disse que cidade civilizada é aquela em que, a qualquer hora da noite, você encontra um lugar aberto para tomar uma sopa e comprar um jornal.

Outro disse que cidade civilizada é aquela em que, a qualquer hora da noite, você encontra um lugar aberto para tomar uma sopa e comprar o “Pravda”.

Para mim, cidade civilizada é aquela em que, a qualquer hora da noite, você encontra um lugar aberto para tomar uma sopa e comprar o “Charlie Hebdo” ou similar, o que exclui todas as outras cidades do mundo, salvo Paris.

O “Charlie Hebdo” e outros, como o “Canard Enchainé”, pertencem a uma tradição de imprensa malcriada que vem desde antes da Revolução Francesa.

É uma imprensa que não reconhece limites nem de alvos para o seu humor corrosivo nem de coisas vagas como “bom gosto”.

Lembro uma capa que ficou famosa, já não sei mais se do “Charlie” ou do “Canard”, que era a seguinte: fotos dos órgãos genitais de várias pessoas, com legendas embaixo especulando de quem seriam. Entravam na lista políticos, astros e estrelas e até o Papa.

O “Charlie Hebdo” é um jornal nitidamente de esquerda, mas que nunca livrou a esquerda das suas gozações.

Seu alvo preferencial é a direita religiosa francesa, mas, de uns anos para cá, ele vem incluindo o fundamentalismo islâmico nas suas críticas — mesmo com o risco de atentados como o que acabou acontecendo na quarta-feira, que foi o mais trágico mas não foi o primeiro.

Jornais como o “Charlie”, impensáveis em qualquer outro lugar, se beneficiam de outra tradição francesa, a da tolerância com a contestação política e respeito à liberdade de expressão.

Por ironia, o atentado de quarta-feira deve fortalecer a direita xenófoba e anti-Islã da França, justamente a que o “Charlie” mais combatia.

O cartunista Wolinski e os outros morreram pelo direito de serem livres, totalmente livres, mas seus assassinos não tinham nenhuma tradição parecida com a da França para conter o dedo no gatilho.

No fim, os mortos do “Charlie” podem virar mártires de uma causa inimiga. Uma ironia que todos eles dispensariam, se pudessem.

Quando a turma do “Pasquim” foi presa pela ditadura, houve uma mobilização para mantê-lo nas bancas. Muita gente, arregimentada, entre outros, pela Baby Oppenheimer, então casada com o Tarso de Castro, colaborou.

Até meu pai participou do mutirão solidário. Está acontecendo a mesma coisa com o “Charlie”. A próxima edição do semanário será histórica.


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Comentários

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Elizabete Oliveira

É ridículo o que o Brasil está fazendo com os fatos ocorridos na França. Estão seguindo a orientação do PIG. Charlie Hebdo é um jornal de esquerda, que defende a luta contra a intolerância. Eles são laicos, democráticos e tolerantes. O objetivo maior do jornal é fazer o povo rir. Em um dos editoriais, pode-se ler “Nós rimos de nós, dos políticos, das religiões, é um estado de espírito. As charges têm uma tônica, rir do radicalismo que leva ao racismo, ao preconceito, à discriminação. São desenhistas simples e querem apenas fazer rir àqueles que querem uma vida de fraternidade, igualitária, sem totalitarismo político ou religioso. Agora mesmo na televisão francesa, eles deram uma entrevista e disseram: “eu sou Charlie, eu sou judeu, eu sou muçulmano, eu sou militar, eu sou ateu” e mostraram a capa do próximo jornal, onde aparece a imagem de Maomé chorando, portando um cartaz “eu sou Charlie”, onde pode-se ler também “tudo é perdoável” e eles disseram: esse homem bom que é Maomé, chora contra os atentados. Parem de falar contra o governo de esquerda da França, como o PIG tem feito.

Andre

quem esteve em Paris recentemente sabe a liberdade que os mulçumanos árabes (todos, pacificos ou não) gozam lá: a liberdade de ficarem praticamente invisíveis na Citè, de só serem visto dentro de taxis como motoristas ou saindo pela porta de trás dos restaurantes como carregadores.

    Lukas

    Você estefe no Marais?

Luther

Excelente artigo de de folego do Coggiola.

Foge às análises superficiais do caso.

Ser ou não Ser (Charlie)

http://raquelcardeiravarela.wordpress.com/2015/01/11/ser-ou-nao-ser-charlie/

t tonucci

Acabo de ler que vão continuar com as charges do profeta. Pelo menos e prá consolo vão morrer ricos e famosos. As outras vítimas do efeito “colateral”, entretanto, que não tem nada a ver com o assunto; morrerão de graça.

Pedro Luiz

Pedro Luiz Moreira Lima
Liberdade é apenas Liberdade – Liberdade Absoluta ou Liberdade Sem Limites acaba sempre em Campos de Extermínio,Guestapo,DoiCodi,Casas da Morte e similares.

João

Pra mim, cidade civilizada a aquela na qual você consegue dormir bem durante a noite.

Caracol

O sujeito foi ao cinema e deu vontade nele de se expressar.
Gritou: “Fogo!”
Foi uma confusão, uma debandada dos diabos, muita gente foi pisoteada e o cara foi preso.
Injustiça!
TUDO PELA LIBERDADE DE EXPRESSÃO! ABAIXO O AUTORITARISMO!

Orivaldo Guimarães de Paula Filho

Tolerância é o direito de considerar ridículo o que o outro considera sagrado. Pensando melhor, também “Je suis Charlie”, afinal, numa democracia, não é a liberdade de expressão que tem de se adaptar aos dogmas da fé religiosa. Com a substancial colaboração de Paulo Jonas.

“Zombar da religião é uma das coisas mais essenciais … um dos princípios da emancipação humana é a capacidade de rir de autoridade.”
Christopher Hitchens

Igor Tkaczenko

O alvo principal sempre foi D’us e toda a sua simbologia e liturgia. Charlie faz parte, também, de um patrulhamento ateísta desrespeitoso e difamador ideológico da esquerda.

Lukas

“Seu alvo preferencial é a direita religiosa francesa, mas, de uns anos para cá, ele vem incluindo o fundamentalismo islâmico nas suas críticas…” L.F.Veríssimo

“Alegou-se, com cinismo caricato, que a Charlie é plural. Sim. Como o é a mídia brasileira. A magazine fazia 10 (dez) charges de tripudiação a “ocidentais” e trezentos (300) com os “bárbaros”.” Morvan Bliasby

Um dos dois está mal informado.

    Luther

    Obviamente o Bilasby está mentindo.

    Veríssimo morou na França.

    Basta perguntar a qualquer francês.

    Aqui no brasil pinçaram as charges sobre islã fora de contexto… meia duzia de charges de centenas ou milhares que eles publicaram.

    jornal conhecido na esquerda. E no brasil a desinformação e má fé está rolando solta, e pior, dentro da esquerda para desqualificar cartunistas reconhecidos internacional por serem de esquerda. Existe algo muito perverso nos esquerdistas de hoje. Coisa pra psicanalista.

Raymundo Júnior

As regras legais, de cortesia, de ironia, de retorsão às ofensas e de respeito às autoridades devem valer igualmente para todos, sem distinção de raça, cor, orientação religiosa, sexual ou política. A reação das autoridades e da imprensa também deveria ser a mesma qualquer que fosse a vítima. Como disse um Senador já falecido: ética é ser a favor do certo mesmo quando ele nos prejudica e contra o errado mesmo quando ele nos favorece.

augusto2

fernando conhece o mundo. Pelas andanças do pai diplomata e pelos livros.
Registra que a tradiçao de liberdade francesa, depois q a MAntonieta dos brioches perdeu a cabeça, é admiravel. Registra que nao tem limites e dá a entender que se houvesse mais disso pelo mundo nao seria mau.
Mas eu tenho limites pra (não) dar um chute no cachorro q rosna de graça contra mim simples passante na rua… pra (nao) chamar um chato de “baitola, vaza daqui”
e outras incorretices politicas muito menos ofensivas ate.
Pois é.
Oh m amigo, zinedine zidane, ´tô esperando, voce vai dar uma de R.Carlos?

Edgar Rocha

PELA LIBERDADE DE NÃO SER LIVRE!

Afinal de contas, me desculpe o grande Veríssimo pelo contrassenso acima, que diabos é liberdade pra estes artistas do cartum?

Quando o Chá Reza Pahlavi (procurei no Google o jeito certo de escrever. Quem nunca?) proibiu o uso do véu no país, muitas mulheres viram nisto o cerceamento de seus direitos. Óbvio, se há liberdade pra não usar, deve haver pra usar também. Liberdade não é imposição do Estado ou de elite alguma. Se for, não é liberdade, certo?

Chego à conclusão que de libertário, alguém que consegue causar indignação a um povo inteiro, tem muito pouco. Seria o equivalente a “libertar” o Brasil de seu maior “ópio do povo”, banindo o futebol ou destruindo a Basílica de Aparecida.

O que estes humoristas incensados pela esquerda fizeram foi soberba xenófoba, pura e simples. Ferir um povo em sua identidade sob o pretexto de libertá-lo das amarras que você, cara pálida, enxerga é de um autoritarismo longitudinal, o que não deixa de ser uma redundância de minha parte usar este termo. Não há autoritarismo de esquerda e de direita. Há somente autoritarismo.

As piadas com as imagens de Maomé e de Alá, por definição já são uma afronta desnecessária. Sabe-se amplamente que é um tabu produzi-las. Nem por isso, pode-se resumir tal princípio religioso a um ato fundamentalista. É uma questão de fé e identidade religiosa. Se querem criticar o islã desta forma, deveriam ter ciência do estrago potencial a si e a outrem. Isto equivale a uma declaração de guerra. É ridícula a evocação à liberdade de expressão ou a associação da crítica através da arte como um ato pacifista. Não foi. Se considerarmos que a intenção dos cartunistas não teria sido o suicídio, poderíamos definir as charges como um ato de completa irresponsabilidade social – o que vai ao encontro da tão evocada postura de esquerda – e de arrogância em relação aos cidadãos islâmicos que já são uma realidade parisiense e já pagam um preço alto por sua existência até em sua própria terra, que dirá na civilizada Paris.

    Olegário

    Então ridicularizar os cristianismos católico e protestante está liberado. Mais relativismo hipócrita.

    Edgar Rocha

    Oi????????

Irineu

Azenha e leitores,
Boa noite!
Sou contra qualquer ato terrorista,
Pois sou a favor da vida
Mas é uma tremenda hipocrisia desses lideres, pois seus países são os maiores fabricantes de armas.
Guerra, invasão em diversos países e milhares de mortes. Não é atentado terrorista?
E outra.
Liberdade de expressão não é esculhambar as pessoas, ofendendo suas crenças e honras.
Isso é provocativo.
Liberdade de expressão , é expor de forma democrática e edificante sem ofender a moral de nosso semelhante.
Os jornalistas precisam pensar nisso.

Abç
Irineu

Irineu

Azenha e leitores,
Boa noite!
Sou contra qualquer ato terrorista,
Pois sou a favor da vida
Mas é uma tremenda hipocrisia desses lideres, pois seus países são os maiores fabricantes de armas.
Guerra, invasão em diversos países e milhares de mortes. Não é atentado terrorista?
E outra.
Liberdade de expressão não é esculhambar as pessoas, ofendendo suas crenças e honras.
Isso é provocativo.
Liberdade de expressão , é expor de forma democrática e edificante sem ofender a moral de nosso semelhante.
Os jornalistas precisam pensar nisso.

Abç
Irineu

    Lukas

    “Liberdade de expressão é expor de forma democrática e edificante sem ofender a moral de nosso semelhante.”

    Vá ao site do Conversa Afiada e veja como o Bessinha expõe de forma democrática e edificante os inimigos do PHA. Depois procure as charges do Latuff e veja o tratamento dado por ele aos cristãos e seus símbolos.

    P.S Irineu, parabéns por ser contra atos terroristas e a favor da vida, você deveria ganhar uma medalha por isto. Edificante e inspirador.

    Luther

    Se dependesse dele ainda estaríamos na monarquia absolutista.

    E eu que achava que o punk não er amais perigoso. Tem muita gente e que se diz de esquerda que não poderia ouvir God Save the Queen do Sex Pistols em pleno 2015!.

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