Portugal voltou aos níveis de pobreza e de exclusão social de dez anos atrás

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Portugal voltou aos níveis de pobreza de há dez anos

Em 2013, as dificuldades financeiras aumentaram risco de pobreza das crianças. A desigualdade de rendimentos agravou-se. E quem é pobre ficou mais longe de deixar de o ser.

 PEDRO CRISÓSTOMO, no Público, sugerido por Túlio Muniz*

Portugal voltou aos níveis de pobreza e exclusão social de há dez anos. Agora, como em 2003 ou 2004, uma em cada cinco pessoas é pobre. Dois milhões de portugueses. É este o retrato cru que se retira do inquérito às condições de vida e rendimento, publicado nesta sexta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Alguns números dizem respeito a 2013, outros já são de 2014. Mas as tendências vão no mesmo sentido. A desigualdade na distribuição de rendimentos agrava-se. A taxa de privação material cresce. Há mais pessoas em risco de exclusão social. Mais crianças pobres. E quem é pobre está mais longe de deixar de o ser.

Depois de aumentar em 2012 para 18,7% da população, a taxa de risco de pobreza voltou a agravar-se em 2013, passando para 19,5%. E se no início da crise já havia sinais de que as desigualdades e a exclusão estavam a aumentar, hoje, à luz de alguns anos, é “inequívoco” que se inverteu o ciclo de redução da pobreza, diz o investigador Carlos Farinha Rodrigues, especialista em desigualdades, exclusão social e políticas públicas.

Para o economista e professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), Portugal recuou “uma década em termos sociais” e já reverteu os ganhos de diminuição da pobreza que se registou até 2009.

Em 2013, o agravamento da pobreza aconteceu em todos os grupos etários, atingiu com maior impacto as mulheres e foi particularmente significativo entre as crianças. O risco de pobreza é de 20% para as mulheres e de 18,9% para os homens. No caso dos menores de 18 anos, a taxa abrange já 25,6% da população, face aos 24,4% de 2012. Numa família monoparental, em que um adulto vive com pelo menos uma criança, o risco de pobreza é de 38,4%. Este foi o tipo de agregado em que a situação piorou mais, face a 2012.

A taxa de pobreza – o conceito estatístico oficial a nível europeu é “taxa de risco de pobreza” – refere-se à proporção da população cujo rendimento está abaixo da linha de pobreza (definida como 60% do rendimento mediano).

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Como num período de crise os rendimentos tendem a baixar e, com isso, a linha de pobreza também, “as pessoas que antes eram pobres, agora, por via da quebra da linha de pobreza, ‘deixam de ser’, embora as suas condições não tenham melhorado ou até possam ter piorado”, enquadra o investigador do ISEG.

Para neutralizar este efeito, o INE tem uma estatística complementar, calculando a linha de pobreza ancorada ao ano de 2009 e fazendo a sua actualização com base na variação dos preços. E aqui o resultado é ainda mais extremado: se em 2009 a taxa de pobreza era de 17,9%, quatro anos depois chega aos 25,9%.

“Quando olhamos para aquilo que aconteceu até 2009, vemos que grande parte da redução da pobreza se deveu às políticas sociais, em particular às que foram dirigidas à pobreza e à exclusão social – o Complemento Solidário para Idosos (CSI), o Rendimento Social de Inserção (RSI), as pensões sociais”, diz Farinha Rodrigues, acrescentando que a “neutralização dessas políticas” nos últimos três anos explicam, com a subida galopante do desemprego, o “aumento das fragilidades sociais”.

Outro indicador que o INE releva é o da intensidade da pobreza, que permite conhecer a percentagem de recursos que faltam para as pessoas pobres deixarem de o ser. Esta percentagem aumentou de forma acentuada em 2013, passando para 30,3%, o que compara com os 27,4% no ano anterior e com 23,2% apenas três anos antes (em 2010). “Não só estamos a agravar fortemente a taxa de pobreza como estamos a [deixar que] os pobres tenham piores condições”, sintetiza o economista.

Privação material sobe

Mais de um quarto da população vive em privação material. Quando se refere a este universo, o INE está a identificar a proporção da população que não tem acesso a, pelo menos, três de nove itens relacionados com bens e necessidades económicas. Neste caso, os dados que o instituto apresenta já se referem a 2014. Ao todo, 25,7% da população vive em privação material. E 10,6% vive “em situação de privação material severa”, registando pelo menos quatro das nove dificuldades.

Entre esses itens estão, por exemplo, situações em que uma pessoa não consegue ter uma refeição de carne ou de peixe (ou vegetariana) pelo menos de dois em dois dias, quando um indivíduo não consegue pagar imediatamente uma despesa inesperada “próxima do valor mensal da linha de pobreza” ou quando há um atraso no pagamento de rendas, prestações de crédito ou despesas correntes, por dificuldades económicas.

Entre quem está em idade activa, a taxa é de 19,1%, valor que também se agravou face a 2012, altura em que a taxa já tinha subido para 18,4%. E o mesmo aconteceu entre a população idosa, na qual 15,1% das pessoas está em risco de pobreza, e entre os reformados, com uma taxa de 12,9%.

Entre as pessoas que têm trabalho, uma em cada dez é considerada como estando em risco de pobreza. A taxa, que tinha recuado de 2010 para 2011, subiu no ano seguinte para 10,5% e voltou a aumentar em 2013, passando para 10,7%. “Ter emprego não é uma vacina contra a pobreza”, diz Carlos Farinha Rodrigues. Mais elevado é o risco para as pessoas em situação de desemprego, universo onde a taxa subiu para 40,5% (face a 40,3% em 2012 e 36,0% em 2010).

A “forte desigualdade na distribuição dos rendimentos” manteve-se em 2013, conclui ainda o INE. Esse foi o ano em que os portugueses sentiram no bolso o agravamento do IRS, com a diminuição dos escalões e as alterações nas taxas. O Coeficiente de Gini, que numa escala de zero a cem sintetiza a assimetria dessa distribuição de rendimentos, mostra um agravamento deste indicador em 2013.

Quando o valor está mais próximo do zero, há uma maior aproximação entre os rendimentos das pessoas. Quanto mais próximo de cem estiver, mais o rendimento se concentra num menor número de indivíduos. Em 2013, o rendimento dos 10% da população com mais recursos era 11,1 vezes superior ao rendimento dos 10% da população com menos recursos. Em 2012, esta diferença estava nos 10,7, tendo vindo a agravar-se de ano para ano (10 em 2011 e 9,4 em 2010).

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PS do Viomundo: Esta reportagem veiculada no Público, de Portugal, nos foi indicada pelo jornalista, historiador e sociólogo Túlio Muniz, professor da UNILAB.

Acompanhando a sugestão,  esta preocupação de Túlio: “A alarmante condição de Portugal hoje, causada por uma política recessiva de cortes de investimentos públicos e de sujeição às determinações do mercado facio-capitalista endossado pelos governos de direita e (ex)socialistas europeus. Qualquer semelhança com os rumos atuais da economia do Governo brasileiro não é mera coincidência”.

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FrancoAtirador

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Governos da Direita Neoliberal de Espanha e Portugal

exigem que Alemanha de Merkel destrua logo a Grécia,

antes que a maioria dos espanhóis votem no Podemos.
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José Nivaudo

Ainda chegaremos lá.

FrancoAtirador

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31/01/2015

Íntegra do Discurso de Pablo Iglesias na Puerta del Sol

(http://youtu.be/b4WoMdxJUwc)
(https://www.youtube.com/watch?v=b4WoMdxJUwc)
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FrancoAtirador

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“Hacen falta soñadores. Hacen falta Quijotes.
Estamos orgullosos de ese soñador a caballo.
No permitamos que los estafadores nos lo arrebaten.
Nuestro país no es una marca, España es su gente,
nunca más nuestro país sin sus ciudadanos”.
“Frente al totalitarismo financiero
nosotros defendemos la democracia”

“Durante mucho tiempo nos han hecho creer la mentira
de que si a los ricos les va bien a nosotros nos irá bien,
pero es mentira, es un cuento convertido en pesadilla!”

“Hoy en Grecia hay un Gobierno serio y responsable
que trabaja para su pueblo”
“¿Quién decía que no se puede?
¿Quién decía que un Gobierno no puede cambiar cosas?
En Grecia se han hecho más en seis días que otros gobiernos en años”

Pablo Iglesias, en la Puerta del Sol

(http://www.publico.es/politica/exhibe-fuerza-y-sonar-cambio.html)
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FrancoAtirador

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CONTRA A AUSTERIDADE, O OLIGOPÓLIO DA MÍDIA E O MONOPÓLIO FINANCEIRO

Marcha pela Mudança, liderada pelo Podemos, inunda as ruas de Madri.

Uma das Maiores Manifestações de Massa de toda história da Espanha.

(http://www.tvi24.iol.pt/videos/podemos-reportagem-da-tvi-em-madrid-na-marcha-del-cambio/54ccda550cf2ac87dc0f7d31/1)
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Adriano Medeiros Costa

Portugal sempre foi um “país atlântico”: com mais relações com o Brasil e a África do que com a Escandinávia ou Europa Central. Com a União Européia, eles se redescobriram “europeus” e deram preferência a este projeto! Embora já soubessem q sempre estaria destinado a ser um dos patinhos feios do bloco econômico…Agora os portugueses estão pagando o preço por se acharem mais próximos dos nórdicos do que dos que vivem ao sul do Equador…O sonho europeu se transformou em um pesadelo…

Luiz

Syrisa neles !!!

FrancoAtirador

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O MINOTAURO GLOBAL

Uma fábula para os nossos tempos

Por Yannis Varoufakis (*)

Outrora, no famoso labirinto do palácio do Rei de Creta,
viveu uma criatura tão brutal quanto trágica.
A sua intensa solidão só era comparável ao medo que inspirava por toda a parte.

O Minotauro (pois este era o seu nome) tinha um apetite voraz o qual devia ser saciado a fim de garantir o domínio do Rei – o blindado reino minóico que assegurava a Paz, permitia o comércio através dos mares em navios carregados e difundia a prosperidade por todos os cantos do mundo conhecido.

Mas, ai de nós, o apetite da besta só podia ser satisfeito por carne humana.

De tempos em tempos, um navio carregado de jovens velejava da distante Atenas com destino a Creta – para entregar o seu tributo humano a ser devorado pelo Minotauro.

Um horrendo ritual que era essencial para preservar a Paz daqueles tempos
e continuar a sua Prosperidade.

Milênios depois, ergue-se um outro Minotauro, desta vez Global.
Sub-repticiamente. A partir das cinzas da primeira fase do pós guerra
– aquela criada pelos homens do New Deal da América depois da guerra.

O seu Covil, uma forma de Labirinto, foi localizado nas Profundezas das Tripas da Economia Americana.

Ele assumiu a forma de déficit comercial estado-unidense,
o qual consumia as exportações do mundo.

Quanto mais o déficit crescia, maior o seu Apetite por Capital da Europa e da Ásia
com que este Minotauro Americano saciava a sua Fome.

O que o tornou verdadeiramente Global foi a sua função:
Ajudava a reciclar capital financeiro (lucros, poupanças, excedente monetário).

Mantinha as reluzentes fábricas alemãs ocupadas.
Devorava tudo o que era produzido no Japão e, depois, na China.
E, para completar o círculo, os proprietários estrangeiros (muitas vezes americanos)
destas fábricas distantes enviavam seus lucros, seu cash, para a Wall Street
– uma forma de tributo moderno ao Minotauro Global.

O que fazem Banqueiros quando um Tsunami de Capital
atravessa-se diariamente no seu caminho?
Quando entre 3 e 5 bilhões de dólares, líquidos,
passam através dos seus dedos a cada manhã da semana?

Eles encontram meios para fazê-lo crescer! Para procriar em seu benefício.

Portanto, as décadas de 80, 90 e 2000 assistiram a uma Explosão de Dinheiro Privado
inventado (minting) por Wall Street nas costas do tsunami diário de capital que fluía para a América a fim de alimentar o Minotauro.

Tal como o seu antecessor mitológico, o nosso Minotauro Global manteve a economia mundial a andar durante décadas.
Até que as pirâmides de dinheiro privado construídas sobre o tributo alimentar do Minotauro entraram em colapso sob o seu próprio peso insuportável.

O Planeta Terra simplesmente não era suficientemente grande
para aguentar tanto Dinheiro Tóxico Privado:
dinheiro de papel que se incendiou uma vez principiado o colapso.

Nesta conflagração, o Minotauro Global foi gravemente ferido.

Enquanto dispunha de uma saúde brutal, o Minotauro produzia tremenda Riqueza
e Abominável Desigualdade, Novas Perspectivas de Prazer
e Novas Formas de Privação, Ampla Segurança para uns Poucos
e Aflitiva Insegurança para a Maior Parte,
Grandes invenções/gadgets e Fracassos Espetaculares quanto à Honestidade Vulgar.

Seja o que for que pensemos do reinado do Minotauro Global,
ele manteve o mundo em andamento e suas Elites pensavam
que o seu Regime era Estável, com êxito e mesmo moderado.

Com o desaparecimento do Minotauro, a manter o show em andamento
a partir do seu labirinto secreto, seus excessos flagrantes permaneciam ocultos,
o que ajudava a grande e boa crença na sua própria retórica
acerca de alguma Grande Moderação supostamente em vigor.

Mas, quando o Minotauro soçobrou, ferido mortalmente pelos excessos
dos seus serviçais em Wall Street, deixou a economia global em estado caótico.

Na América e na Europa, na Índia e na China,
a morte do Minotauro colocou o Mundo numa Crise Permanente.

O Minotauro de Creta foi morto por um corajoso príncipe ateniense, Teseu.
A sua morte introduziu uma nova era de tragédia, história, filosofia.

O nosso próprio Minotauro Global morreu menos heroicamente.
Foi uma vítima dos Banqueiros de Wall Street.

O que trará a sua morte?
Deveríamos nós ousar esperar uma nova era
na qual a riqueza não precise mais da pobreza para florescer?
Na qual desenvolvimento signifique menos cinzas e diminuição do poder abstrato
enquanto toda a gente fica mais forte?

Seja qual o Resultado dos Misteriosos Caminhos da História,

o Minotauro Global será recordado como uma Besta Notável

cujos 30 anos de Reinado criaram, e a seguir destruíram,

a Ilusão de que o Capitalismo pode ser Estável,

de que a Cobiça pode ser uma Virtude

e de que as Finanças são Produtivas.

23/Dezembro/2011

*(http://www.utexas.edu/lbj/directory/faculty/yanis-varoufakis)

Original em:
(yanisvaroufakis.eu/2011/12/23/ending-2011-with-a-fable-for-our-times/#more-1518)

http://resistir.info/crise/minotauro_23dez11.html
http://imgur.com/hUS2sNn

(http://yanisvaroufakis.eu/books/the-global-minotaur)
varoufakis.files.wordpress.com/2014/08/screen-shot-2014-08-22-at-12-03-50-pm.png
http://yanisvaroufakis.eu/about

Mancini

Então é a mesma receita aplicada à Grécia. http://refazenda2010.blogspot.com.br/

FrancoAtirador

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Sou Syriza, e não é de hoje

Por Luciana Genro, na Carta Maior

[…]
O que pode vir por aí está na nossa cara.

É só olhar para a Grécia, Espanha, Portugal, Itália.

Não é casual que nestes países crescem as alternativas.

O clamor por ‘austeridade’ ignora a situação do povo, com desemprego crônico, baixos salários e serviços públicos degradados.

O que pode vir por aí está na nossa cara.

É só olhar para a Grécia, Espanha, Portugal, Itália.

Não é casual que nestes países crescem as alternativas aos partidos do Sistema.

O Podemos na Espanha pode ser o próximo a derrotar a velha política.

Para defender a ‘austeridade’ sempre dizem que “não há almoço grátis”.
É verdade, para o Povo não há.

O que é distribuído em tempos de bonança econômica é rapidamente retirado nos momentos de crise.

Mas tem gente almoçando, jantando e se empanturrando de graça sim.

É para eles que está indo o grosso do dinheiro que aumenta a dívida e o déficit.

Para exemplificar, o Bradesco lucrou R$ 15 bilhões em 2014, um salto de 25,6% em relação a 2013!

E o Banco Central prevê novas altas de juros, que já está em 12,25% ao ano.

O mercado de “private banking” brasileiro caminha para alcançar R$ 1 trilhão em 2016, pois a previsão é de que quase 500 mil novos milionários entrem no mercado até lá, elevando o total de 319 mil para 815 mil em quatro anos.

Nas estimativas do banco Credit Suisse, o Brasil terá uma das maiores taxas de crescimento de milionários do mundo no período, com 155% de aumento.

A austeridade não atinge os bancos e os milionários.

Nem passa pela cabeça do austero Joaquim Levy diminuir a taxa de juros para estacar a sangria de recursos para pagamento da dívida, muito menos realizar a auditoria demandada na Constituição de 1988.

Causou arrepios a todos os defensores da austeridade a proposta que defendi na campanha eleitoral de regulamentar o Imposto sobre Grande Fortunas ou acabar com os privilégios tributários dos bancos e especuladores.

A casta parasitária, que nada produz e só vive dos ganhos financeiros, não perde a oportunidade de defender o arrocho mas não quer nem discutir a hipótese de taxar os milionários e atingir a cleptocracia dos banqueiros e seus aliados: os políticos do sistema e os grandes meios de comunicação que reproduzem, sem contraponto, o discurso dos mercados.

Me chamam de radical. Pois sou mesmo. Quero ir à raiz dos problemas, às suas causas.

Sou Syriza, e não é de hoje.

Íntegra em:

(http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Sou-Syriza-e-nao-e-de-hoje-/6/32758)
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    FrancoAtirador

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    A Democracia contra o Caos

    Uma das grandes vitórias do neoliberalismo em nosso tempo foi subtrair do capitalismo o seu conteúdo político e social.

    A naturalização daquilo que está assentado em uma indissociável relação de poder consumou uma das mais eficazes operações ideológicas do nosso tempo.

    A serviço dessa assepsia vicejam as editorias de economia e o colunismo dos vulgarizadores do capital metafísico.

    Cabe-lhes o diuturno trabalho de reafirmar a petulante condição de ciência a uma economia encarregada de reproduzir um sistema ordenado pelo virulento antagonismo com o bem comum da sociedade.

    Não se negue à economia leis próprias, circunstâncias limitadoras e incertezas a exigir gestão, equilíbrio e bom senso.

    Mas dizer ‘economia de mercado’ e não ‘capitalismo’, ou ‘intervencionismo’, em contraposição a ‘eficiência’, faz parte do serviço de entorpecimento social encarregado de preservar e engordar interesses sabidos.

    De quando em vez, a operação falha.

    Nas crises cíclicas do sistema, quando se descarrega sobre a sociedade um fardo de sacrifícios dificilmente vendável como ciência ou fatalidade, o labor da catequese midiática é afrontado pela natureza crua do regime.

    Foi o que aconteceu na Grécia, de onde faísca agora um clarão de discernimento que ameaça iluminar o imaginário social para muito além de suas fronteiras.

    A vitória eleitoral da frente de esquerda, o Syriza, no último domingo, carrega essa dimensão de um simbolismo com poder epidêmico.

    Súbito, democracia e capitalismo se deparam em pé de igualdade na disputa pelo destino de uma nação e do seu desenvolvimento.

    Aos olhos do mundo, Atenas se transformou na capital da transgressão ao interdito neoliberal.

    Tudo o que a derrocada do bloco comunista, e a rendição da socialdemocracia aos mercados autorreguláveis, martelou nos corações e mentes, em mais de três décadas de fastígio conservador, vacila sob a luz desse clarão.

    Afinal, se ‘there is no alternative’, como proclamava lady Margaret Tatcher, e assim reafirma o desesperanto de Merkel e Levy, como é que uma nação inteira aposta a própria cabeça na direção oposta?

    O repto histórico acontece em um momento de particular transparência do moedor de carne dos mercados.

    É essa singularidade que devolve à Grécia a condição de uma ‘ágora’ a escrutinar os destinos de muitos povos nos dias que correm.

    Os números da tragédia imposta à população grega pelo conluio entre elites predadoras e mercados financeiros insaciáveis são conhecidos
    (leia ‘A Gororoba Brasileira’ e ‘O Ajuste à Grega’).

    Um tridente resume a temperatura do inferno.

    Para pagar bancos sem afetar a plutocracia, o estado grego reduziu o salário mínimo, cortou a merenda escolar e deixou milhares de famílias pobres sem eletricidade.

    Sob a chibata de Merkel, da troika do euro e do FMI, o berço da democracia vivenciou o degrau mais indigente de degeneração desse regime desde a crise de 1929 nos EUA.

    O que se discute agora, portanto, não é pouca coisa.

    Em que medida a democracia, leia-se, o Estado orientado pela mobilização popular, poderá equacionar restrições de natureza não apenas local – mas global – e reverter a marcha fúnebre de uma nação rumo ao abismo da história?

    A revolução mundial não consta das opções disponíveis na mesa dos povos para desmontar a supremacia das finanças desreguladas nesse momento.

    A Grécia terá que renascer a partir de um trabalho de parto sincronizado com a construção de antídotos à hegemonia financeira no âmbito do euro.

    As relações entre Estado, mercados, democracia e desenvolvimento ganham assim um laboratório de ponta alternativo à gororoba metafísica receitada pelo jornalismo de economia a serviço do dinheiro grosso.

    A complexidade e a nitroglicerina embutidas nessa transição não aconselham ilusões.

    Arranjos alternativos terão que ser negociados, concessões ocorrerão. Mas com uma diferença não negligenciável em relação ao que se passa em outras latitudes nesse momento: o cristal metafísico que revestia a dominação dos mercados sobre a sociedade se espatifou em Atenas.

    A mão invisível materializou-se atada ao esqueleto do qual nunca se separou.

    Dele fazem parte vértebras não estranhas à perplexidade atual dos brasileiros: elites descomprometidas da sorte da sociedade; endinheirados cuja pátria é o paraíso fiscal; burocracias públicas capturadas pelos oligopólios; políticos degenerados; sistemas partidários cevados no numerário privado; coalizões conservadoras dispostas a destruir o país e os alicerces do seu desenvolvimento para retomar o poder.

    Sempre foi assim. Mas em sua versão neoliberal, potencializada pelo poder de chantagem da livre mobilidade dos capitais, a engrenagem adquiriu a ubíqua condição de um ectoplasma que até uma parte da esquerda passou a tratar como ‘o novo normal’.

    Ou, o estado de exceção permanente.

    O nó górdio dos que tem buscado se opor a ele é a rala contrapartida de organização coletiva e discernimento histórico para levar a cabo a luta por uma outra lógica de sociedade e desenvolvimento.

    A frase acima condensa boa parte da encruzilhada brasileira atual.

    Nela, um governo de raiz progressista debate-se entre a fidelidade aos seus compromissos e as concessões exigidas pelos mercados, sob risco de ser defenestrado por eles num arrastão de fuga de capitais, explosão de preços e greve dos investimentos.

    Como escapar da disjuntiva se o sujeito do processo persiste alheio às raízes do conflito que determinarão o seu destino?

    Durante um período longo demais, muitos dentro do PT acharam que essa era uma ‘não-questão’.

    Que tudo se resolveria no piloto automático dos avanços incrementais do consumo, que se propagariam mecanicamente na correlação de forças da sociedade, fechando-se um círculo virtuoso e progressista.

    A paralisia atual, que ameaça conquistas arduamente acumuladas, argui os termos dessa equação.

    Com os limites do jogo ainda mais estreitos, o desafio agora é romper a capa da fatalidade ortodoxa para repor os termos de uma repactuação do desenvolvimento, capaz de assegurar um novo estirão da democracia social no país

    A experiência em curso na Grécia deve ser acompanhada com a respiração em suspenso pela esquerda brasileira.

    O que uma frente de esquerda que sempre perdeu as eleições, até se unir, ensina de antemão ao estilhaçado campo progressista brasileiro assume contornos de uma objetividade vertiginosa nos dias que correm.

    Para a democracia enfrentar os mercado é crucial saber onde se pretende chegar mas, sobretudo, providenciar os instrumentos organizativos necessários à sustentação do percurso.

    Joaquim Ernesto Palhares – Diretor da Carta Maior

    A Carta Maior oferece um especial de matérias e análises sobre a experiência
    em curso na Grécia que deve ser acompanhada de perto pelos brasileiros.

    Clique aqui para ter acesso aos textos do Especial sobre a Grécia:

    (http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Especial-Carta-Maior-A-democracia-contra-o-caos/6/32759)
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