Emiliano José: Solidão em tela

Tempo de leitura: 3 min

por Emiliano José, no jornal A Tarde

Tenho pensando na volatilidade do mundo. No tipo de sociedade que o avanço tecnológico possibilita. E me previno, ao pensar, em desenvolver uma reflexão saudosista, como se fosse possível voltar ao passado, e não é. Alguém há de desconhecer as maravilhas e possibilidades da internet? Creio que não. Tenho defendido como muita ênfase ser a internet o território da liberdade, uma assembléia onde todos podem se comunicar, um terreno que garante a transparência dos acontecimentos e que supera até mesmo as mídias tradicionais, normalmente ultrapassadas por simples cidadãos que, num canto do mundo, podem noticiar em tempo real coisas que as grandes redes midiáticas não teriam condições de fazê-lo.

Não são poucos os debates de que tenho participado sobre a internet, inclusive sobre o marco civil, projeto do governo, bom projeto, que tramita na Câmara Federal, e observo o pensamento conservador, querendo pensar antes na repressão aos internautas que nos seus direitos – estes, a principal preocupação do marco civil. Assim, deixo claro o quanto essa ágora contemporânea pode servir à humanidade. Em rede, os povos do mundo podem se conectar a todo instante, trocar experiências, desenvolver lutas, incentivar ideais de libertação, de superação dos atuais limites do homem, impostos por um modo de produção centrado no individualismo. Mas, não é apenas isso. Há outros aspectos.

O mundo virtual, que alguns teóricos já defendem não ser mais virtual, mas real, provoca impactos até pouco tempo impensáveis. Impactos profundos, observáveis no nosso cotidiano, e que merecem alguma reflexão, nem que seja como simples constatação. Às vezes, ao entrar num restaurante, me impressiona o volume de tablets. Calma, não pelos tablets, mas pelo uso deles. E não pelo uso, mas pelo fato de que são acionados sem cerimônia por casais. Às vezes, um deles observa o mundo no tablet, enquanto o outro contempla o vazio, entre melancólico ou entediado. Às vezes, os dois estão no mundo virtual, e só param quando a comida chega, e isso quando não continuam o exercício, o aparato ao lado do prato.

Outro dia, minha neta, Luiza,seis anos,  ih, lá vem o avô, sentou à mesa comigo e meu filho, Teo, e começou a manipular o celular, nem bola dava pro pai ou pro avô. Tudo isso também num restaurante. Aliás, foi meu filho que me alertou para providências que ele e a galera dele tomaram para evitar a falta de comunicação quando saem. Todos são convidados, ou intimados, a colocar os celulares no centro da mesa, sem o direito de atender qualquer ligação. Aquele que ousar fazê-lo, paga a conta toda. Tem dado certo. Defesa da comunicação direta. Penso, ainda, e aí creio que há uma boa dose de nostalgia, nas cartas. As que celebram amizade. As que cantam o amor – aquelas que já foram chamadas de ridículas. Sumiram. Pra quê cartas se há o email, tão rápido e eficiente?

Esqueçam aqueles livros, são tantos, que tratam da correspondência entre pessoas, normalmente pessoas célebres, e que revelam tantos lados da personalidade dos missivistas. Não há mais a possibilidade do arquivo material dessa correspondência. Antes, dizia-se, foi Marx, que tudo que é sólido desmancha no ar. Estava certo – o email surge e desaparece num átimo. Ou não, claro, pode ficar na rede, sem muita utilidade. Uma carta de amor por email, um torpedo – estranho esse nome, não? – duram um segundo, um pouco mais a depender de quem os recebe, e depois desaparecem no ar. Amor líquido, diria o Bauman, não? Os sentimentos também sentem o impacto das novas tecnologias?

E quem disse que as respostas são fáceis? Quem disse sejam elas possíveis no turbilhão de mudanças a que estamos assistindo? As possibilidades abertas para a comunicação humana são extraordinárias, mas isso não quer dizer que não se corra o risco da solidão em meio à abundância, do homem encapsulado, tomado, seduzido pela tela, e subestimando as relações diretas. Pode ser um novo modo de viver, ao qual não chegamos, ainda, em toda a plenitude, mas do qual podemos estar muito próximos. Assim caminha a humanidade: tudo ficou mais simples e mais complexo. O sólido explode no ar.

Emiliano José jornalista, escritor e deputado federal (PT-BA).

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Comentários

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O_Brasileiro

A internet trouxe ao cotidiano um dinamismo que os não afeitos a ela podem não entender ou não aceitar. Coisas que aconteceriam em semanas ou meses usando os meios de comunicação mais antigos, e menos democráticos, agora acontecem em um dia. O episódio da “bolinha de papel”, por exemplo. Outrora seus autores só seriam desmascarados após as eleições.
Mas é claro que esse “dinamismo” tem um preço: a ansiedade. Acostuma-se a ver as coisas resolvidas de forma rápida, o que nem sempre é possível.
E quanto aos relacionamentos, há perdas e ganhos. A transposição da timidez poderia ser considerada um ganho. Mas a falta de “olho no olho” seria uma perda. Bastaria ser um bom “escritor”, ao invés de um bom “ator” nos relacionamentos pessoais. Por outro lado, quando você encontra “na rua” uma pessoa que gosta de compartilhar sua vida, poder-se-ia sentir-se mais íntimo da mesma, embora ela às vezes o ignore, como se fosse uma “socialite” que foi vista numa folha de jornal.
Entre tantas mesas repletas de celulares e tablets, há certamente aquelas estes aparelhos encontram seu lugar. E isto não difere dos bares com televisões ou telões, dos telões e dos jornais nos aeroportos e salas de espera. A única diferença é que, com a internet, podemos escolher o que irá nos “distrair”.

Gerson Carneiro

O Tweet é o único ser humano que nunca fica sozinho.

Cibele

Maravilhoso texto. Uma pena a falta de interesse dos comentaristas.

    Jorge Moraes

    Olá, Cibele!

    Haverá vários motivos para o pequeno número de comentários.

    Desde a “chamada”, sutil, inteligente, mas talvez de sentido não suficientemente explícito para os padrões que a “concorrência” ostenta para dirigir um público maior para a leitura do texto até a concomitância com matérias mais “aceleradas”, “reais” (e deixo claro que tais adjetivações não têm caráter pejorativo) podem explicar o fato, tido por desapontador por ti.

    Avento, entretanto, um outro motivo plausível para o baixo quantitativo de comentários: o tema seria incômodo, poucos sendo, nessa linha de argumentação, os que desejam enfrentá-lo. E justamente por atingir, em maior ou menor grau, a totalidade (vá lá, quase a totalidade …) dos leitores.

    Abraço!

    Cibele

    Jorge, ainda bem que você disse o que eu gostaria de dizer, mas nem sabia como. Obrigada pela resposta.

J. Alberto

Não acredito em avanço da solidão. A internet encurta distâncias e facilita relacionamentos, isso sim.

Se alguém abre mão de conversar com quem está sentado ao nosso lado para conversar ou interagir com conteúdo de uma pessoa que está do outro lado da cidade, do país ou do mundo é porque, convenhamos, acredita que a pessoa que está ao seu lado não muito tem a lhe oferecer.

Hoje em dia temos fácil acesso a pessoas que compartilham nossos gostos e opiniões. Nesse sentido, acredito que estamos potencializando nossos momentos de interação, selecionando pessoas que gostam de algo em que estamos interessados nesse exato momento.

Não é de hoje que as pessoas não são mais “obrigadas” a passar todo o seu tempo interagindo apenas com quem está fisicamente mais perto. No século XX, quantas pessoas passavam horas escrevendo cartas para pessoas em locais muito distantes? Certamente essas pessoas deixaram de interagir com seus pais, irmãos, avós e etc por muitas horas da sua vida.

Portanto, se está faltando conversa na roda de família a culpa não é da internet, e sim de alguma falta de entrosamento entre familiares ou coisa do tipo.

Mas concordo que devemos nos dispor a reservar um tempo só com a família para evitar esse tipo de coisa, que não costuma acabar bem. O meio-termo faz milagres.

    Cibele

    J. Alberto, também acredito que graves problemas humanos como a solidão, a incompreensão e o isolamento sempre existiram. O autor nos proporciona, a meu ver, a reflexão sobre tudo isso. Não podemos fazer tudo no automático e, às vezes, acho que a internet reforça essa cultura. Mas nada é perfeito. Nossa condição humana é irremediavelmente tosca e difícil. Agora, você deveria admitir que as situações descritas no texto são deprimentes, é insuportável a “concorrência” com os aparelhinhos. Não há limites e a tentação de ficar conectado o tempo todo é enorme. Por isso, não tem outro jeito, temos que nos policiar e estabelecer regras, sim. Está corretíssimo o filho do Emiliano, parabéns pra ele. Cada avanço da tecnologia, cada mudança cria uma cultura, e deve-se aprender a viver com ela.

    J. Alberto

    Cibele, o que você disse tem a ver com duas coisas: a característica “viciante” da internet, que nos faz agir compulsivamente; e também o estímulo à seleção de interesses. Na internet acha-se de tudo. Qualquer coisa no mundo real que nos abooreça (alguma interação forçada, etc), por menos que seja, torna-se ainda mais passível de descarte do que já foi.

    Jorge Moraes

    Não exatamente para contradizê-lo frontalmente, mesmo por que sua tese é palatável.

    Mas … (e há sempre uma adversativa no meio do caminho), ouso pôr em xeque sua afirmação “o meio-termo faz milagres”, para retrucar com “mas pode produzir desastres, também” (digo isso quando me lembro dos tucanos equilibrando-se sobre um muro).

    Além do mais, como há cada dia mais pessoas vivendo sozinhas em apartamentos, prá quê e para quem reservar o tempo, essa mercadoria das mercadorias no reino do capital, o mundo de hoje?

    O que falei não invalida o que (tão bem e simpaticamente) você disse, mas … mas … rs. Abraço!

    J. Alberto

    As pessoas estão vivendo mais sozinhas porque sentem necessidade de exercer sua individualidade. Individualidade não é desvalorizar o outro e sim valorizar a si mesmo. Claro que, em excesso, precisa de terapia. Mas aí já estamos nos distanciando do assunto. O texto aborda que os celulares estão deixando as pessoas mais sozinhas, o que não acredito ser verdade.

    Se uma pessoa abdica das relações sociais para “mergulhar de cabeça” no mundo virtual é porque, ou está viciado (como já comentei, e isso nos torna ausentes, o que é perigosíssimo), ou encontra no mundo virtual uma fuga (e não seria absurdo descobrir que os homens das cavernas também fugiam da realidade ou de um momento específico).

    Nem sempre as pessoas se utilizam das coisas de maneira saudável. Celular com internet é só uma delas. Um brinquedo qualquer, por exemplo, é capaz de fazer o mesmo efeito.

    Abraço!

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