Maria Inês Nassif: A despolitização da crise política

Tempo de leitura: 4 min

A presidenta Dilma emprendeu, até aqui, uma estratégia de despolitização da ofensiva sistemática aos integrantes de seu Ministério. Quando isso não for mais possível, será mais difícil formular uma agenda política com partidos desgastados num processo onde a único resultado palpável, até agora, foi o de questionar a legitimidade de cada partido da base aliada. Inclusive do próprio PT.

por Maria Inês Nassif, em Carta Maior, recomendação de FrancoAtirador

O que causa espécie nas crises políticas enfrentadas pela presidenta Dilma Roussef desde 1° de janeiro até o mês que encerra 2011 é a sua estratégia, até agora bem-sucedida, de despolizitar a ofensiva sistemática aos integrantes de seu Ministério pela imprensa, por partidos aliados ou, em menor intensidade, por partidos adversários. Na verdade, a despolitização é o resultado mais evidente do comportamento da presidenta, de substituir ministros num prazo não tão pequeno que pareça rendição aos ataques ou dê a impressão de que suprimiu direito de defesa do acusado, nem tão grande que pareça que vá comprar a briga por um subalterno.

De qualquer forma, um comportamento político previsível como este não deixa de alimentar, do lado da imprensa, a vaidade do poder que decorre de uma derrubada de ministro; e, dos “amigos” do poder, a tentação de aproveitar as oportunidades que se colocam para ocupar espaços dentro de seu partido ou em favor da sua legenda na base de apoio do governo.

Para ambos, amigos e inimigos, prevalece a estratégia do “vazamento” de informações; a mídia entra com a escandalização do fato, existam ou não indícios de crimes cometidos (a estratégia da repetição é muito eficiente nisso).

Até agora, houve despolitização porque a presidenta tem demitido o auxiliar sob a mira dos atiradores de elite antes que o ataque especulativo ao governo não resulte em um grande desgaste. Convenha-se, no entanto, que a soma de pequenos desgastes resultantes da queda de sete ministros, com grandes chances de emplacar um oitavo, acaba, no mínimo, colocando o governo em constante defensiva. A opção de ir levando a administração com as orientações políticas emanadas do Palácio do Planalto, as soluções técnicas gerenciadas pela Casa Civil e uma gestão mais coesa das políticas econômica e monetária, reduzindo a importância dos ministros impostos pelos partidos da bases aliada, tem lá os seus limites.

Outra razão da despolitização é o estado de pauperização da oposição, que saiu pequena das eleições do ano passado e se viu ainda mais desimportante depois do racha do DEM, patrocinado pelo prefeito paulista Gilberto Kassab. A ofensiva oposicionista parte da imprensa, mas a denúncia, vinda de fora dos partidos e ao estilo “imprensa marrom”, como já designava Antonio Gramsci no início do século passado, tem bastante eficiência na formação de consensos.

Por enquanto, os consensos são sedimentados na parcela que lê jornal ou acessa mídias tradicionais – que no caso brasileiro é muito restrita, perto dos muitos recém-letrados que não entraram apenas na sociedade de consumo de bens duráveis, mas também na sociedade de consumo de cultura, mas pela porta da internet – são o de que todos os partidos são iguais (ou a esquerda no poder se corrompe mais do que a direita, portanto todo poder à direita); e que a democracia tem uma eficiência questionável do ponto de vista ético.

Mais adiante, depois de mais alguns ministros derrubados, pode consolidar-se o consenso nessa classe mais tradicional (que tem mais tempo de vida na sociedade de consumo e consome mais) de que Dilma é boa técnica, mas está inviabilizada pela política. Agora, a moda é bater no “presidencialismo de coalizão”, como se o problema fossem as alianças, e não a excessiva exposição dos partidos ao poder econômico, via financiamento privado de partidos e de eleições.

Quando despolitiza esse debate, colocando-o apenas na órbita das suspeitas que devem ser investigadas pela polícia e apuradas pela Justiça, Dilma se afasta dos partidos políticos que podem prejudicar a sua imagem perante a opinião pública que forma consensos via mídia tradicional (sem que possa prever até quando conseguirá separar os partidos da base aliada de seu governo). Perde, todavia, a autoridade política para discutir, junto aos partidos, soluções estruturais para a renovação da estrutura partidária brasileira. Se a postura diante das sucessivas crises com os partidos tivesse sido a de assumir a discussão sobre as necessidades de financiamento do sistema que colocam a política no submundo da economia, poderia ter liderado um debate sobre a reforma política mesmo arriscando contrariar parte da base aliada.

Somente a Presidência da República tem, hoje, um poder de agendamento político que pode se contrapor ao da mídia – os veículos tradicionais podem estar ilhados, como formadores de opinião, nas classes tradicionais, mas ainda têm grande poder de definir os temas da agenda. Tanto que as denúncias contra ministros pautaram o cenário nacional, enquanto corria paralelamente no Congresso, a duras penas e sem qualquer ajuda do governo, o debate sobre a reforma política, adiado, como sempre, para outra oportunidade.

A neutralização “técnica” dessas denúncias, como lembrou Luís Nassif ontem (7/12), em seu blog, foi de alguma forma sustentada pela gestão econômica. Com a errada de mão da política de juros do BC no primeiro semestre, e os resultados pífios de crescimento nesse final de ano, a eficiência da estratégia de sobrepor a gestão técnica aos problemas políticos do governo pode ser bem menor. E quando a despolitização não for mais possível, será mais difícil formular uma agenda política com partidos desgastados num processo onde a único resultado palpável, até agora, foi o de questionar a legitimidade de cada partido da base aliada. Inclusive do próprio PT.

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Comentários

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Lucas

"(…)Na verdade, a despolitização é o resultado mais evidente do comportamento da presidenta, de substituir ministros num prazo não tão pequeno que pareça rendição aos ataques(…)"

Se esse era o objetivo dela, não está funcionando. Pra mim e pra muitos outros parece sim rendição aos ataques. Além disso a presidenta perde oportunidade de substituir os ministros que caem por gente não apenas competente, mas comprometida com um projeto político progressista. Ao invés disso prefere "despolitizar" o debate.

E um povo "despolitizado" é presa fácil para o neoliberalismo, ideologia à qual o governo Dilma se rende cada vez mais.

beattrice

Ao buscar o centro, a tecnocracia, DILMA se afasta de LULA no imaginário e aposta tudo num sucesso econômico que não depende só dela, mas cada vez mais da condição internacional, muito mais grave a cada suspiro comatoso do EURO.
Se no Brasil só há dois grandes partidos, pois essa estratégia comentada pela Nassif, minimiza a importância dos demais, como diferenciá-los se a plataforma social vai sendo postergada e largada para trás, a começar pelo que é consenso como o PNBL e o marco regulatório.
O exmeplo da Espanha é contundente: não enxergaram nenhuma diferença entre PP e PSOE,
não votaram, ou votaram no candidato do OPUS DEI e da banca.

    Bonifa

    O sgredo do sucesso inesperado e incompreensível do avanço do Brasil está justamente em ter três partidos políticos bpásicos, genialmente definidos na reforma política de Vargas: A UDN, o PTB e o PSD. Tudo o mais são rêmuras. E o Brasil só avança quando existe uma aliança entre os trabalhistas (PTB, PDT ou PT) e os conservadores populários (PSD, PMDB, e o grupo PR, PRB e PP). A UDN, hoje PSDB e DEM, é a direita liberal frequentemente anti-nacionalista. Esta direita sabe que os trabalhistas só governam com o apoio dos conservadores populários. Os conservadores podem ser grandes e dedicados e competentes políticos e executivos. Mas têm pecados, alguns até bem bobos, mas são sempre pecados. E dentro da estratégia de minar a todo custo a aliança entre conservadores e trabalhistas, genialmente costurada por José Alencar, a direita liberal com seu braço midiático está atacando os pecadilhos dos conservadores, enquanto seus prõprios pecados são tão grandes que em certos países levariam à prisão como a de Guantanamo ou até à morte.

    Bonifa

    O recado é claro: Se a Dilma não procurar uma saída política para a armadilha do denuncismo, se ficar apenas respondendo técnicamente, arrisca-se a perder o apoio do centro e não poderá mais governar sem cair nos braços da UDN neoliberal.

beattrice

Acrescento ao comentário do Bonifa, a estratégia tb estadunidense de reduzir a estrutura politico-partidária em vários países de sua zona de influência ao bipartidarismo estadunidense. Ambos com a mesma cara.
Explico-me.
Quando o desgoverno FHC chegava ao fim era evidente aos diversos segmentos sociais
o caos reinante em todos os setores da sociedade. A opção pelo reverso era natural, lógica, óbvia até.
O que em absoluto desmerece o carisma, a inteligencia, o talento político de LULA
que soube galvanizar este sentimento na sociedade, e mantê-lo apesar de estar sob ataque até a reeleição.
cont

Bonifa

Grande Inês! Tentava na minha confusa cachola aprofundar justamente um pensamento sobre esta questão e não conseguia. Sabemos que o grande objetivo das forças do Mal é dar o golpe através do caminho udenista do combate à Corrupção. Este caminho parece ter o aval internacional (Washington deseja restaurar um governo subordinado, no Brasil), conforme se depreende das reuniões do FHC com autoridades internacionais que têm uma linha de ação para o Brasil. Em tais reuniões, FHC insiste no tema da recuperação do poder através da via do combate à corrupção. A insistência das forças do Mal no tema, colhendo vitórias secessivas mas também possibilitando ao governo supostas vitórias, parece buscar um limite a partir do qual, o governo passa a não mais colher resultados tão positivos e entra em processo de desgaste político. O objetivo por trás de tudo isso é tirar o apoio do centrão político ao governo, isolando e enfraquecendo os trabalhistas. Como há confirmação histórica de que os trabalhistas só governam ese houver aliança com o centrão (vide Juscelino e Vargas, PTB+PSD), então o governo estará perdido.

Magda Magalhães

A melhor forma de não fazer nada é querer criar um consenso em torno da reforma política. Vejam o exemplo de reforma de um Código ou criação de um dito: leva-se 20 a 30 anos na peleja. Deveria-se colocar item por item, talvez seja uma estratégia boa para fazer alguma reforma política, comer o mingau quente pelas beiradas. Por que não se colocar em pauta apenas o financiamento público de campanha? Estou acreditando que nenhum partido tem compromisso com isto. Hoje o PT teve 10min na TV, para todo o Brasil e o esperdiçou, na minha opinião pelo menos. Deveria ter aproveitado para educar o povo neste item. Se todos os partidos dito esquerdistas batessem na tecla, criariam um ambiente favorável para passar no Congresso. Para que solicitar ao povo para mobilizar-se, inscrever-se em um partido, se não dão atenção aos já filiados? Parecendo PSDB, sô! Imaginem forçar o Haddad candidato, unir PT ao PSDB para eleger um prefeito do PSB totalmente desconhecido em BH, entregar Júlia Carepa, Orlando Silva para as cobras, e a bola da vez é Fernando Pimentel. Aquele PT que consultava e ouvia as bases não existe mais. Orçamento participativo indo para as cucuias. Por isto digo, não existe interesse para a reforma política, nós estamos aqui sofismando.

Regina Braga

Agora a ferida está mais próxima…Pimentel.A Presidenta ,não vai poder continuar empurrando com a barriga…Vai ter que politizar o debate.Antes que seja tarde.Na entrevista do ex-Ministro Mário Soares,ele pontua que, a esquerda se esquivou dos debates, e que, a esquerda precisa ressurgir em Portugal.No Brasil,vamos ter que fazer o mesmo.Pontuando,Mostrando,Politizando…PT- Mostra a cara!

Rafael

Para mim esse texto não fala nada com nada. Queria que a Dilma mantesse os ministros com essas denúncias, mesmo falsas, com essa pressão da mídia? O governo Lula passou os 8 anos sob denúncias, mensalão por exemplo e teve sucesso nas eleições.
É evidente que há um confronto entre governo Dilma e mídia, Dilma resistiu mais no caso Lupi, mas chegou ao ponto que não dava mais para mantê-lo. Os partidos da base sabem muito bem que vai ser assim todo o mandato da Dilma.
O texto deveria propor o que fazer então. A campanha que a mídia faz pode ter efeito contrário, depois que os casos suspeitos se provarem que não passava de suspeito o que a mídia vai dizer?

    beattrice

    A campanha da mídia não teria efeito se o governo tivesse VOZ.
    Onde deve ser a VOZ do governo?
    Movimentos sociais, sindicatos, blogs e mídia, que MÍDIA?
    Miremo-nos no exemplo argentino uma vez mais:
    Lá a TV Pública rapdiamente investiu em conteúdo e qualidade técnica digital.
    Lá CFK tem VOZ.

    Norberto

    mas quem disse q as denuncias são falsas?

    são tão verdadeiras q derrubaram TODOS os acusados!

    agora, é importante entender a diferença entre um processo criminal/civil e um processo POLITICO!

    Collor foi "impitimado" (processo politico) e absolvido de TODAS as acusações nos processos legais…

    nenhum dos ministros acusados conseguiu provar POLITICAMENTE sua versão dos fatos!

    culpar a VEJA ou o PIG é uma tolice sem tamanho…

    Valdeci Elias

    Parabens Norberto. Voce descobriu a estrategia da oposição. E o uso do PIG, nessa luta .

    Magda Magalhães

    Bom, que o Collor foi absolvido é fato, que foi investigado é boato. Aliás, só depois do Lula que os órgãos de investigação receberam dinheiro para tal.

Alessandro

Uma saída rápida para pulverizar essa imprensa marrom denuncista seria a aceleração do plano de banda larga popular.As pessoas assistem tv(as classes mais baixas não leem jornais por falta de grana mesmo)por falta de micros e internet barata.Mas a Dilma está perdendo muito tempo,lamentavelmente.

    beattrice

    O PNBL não vai sair, e isso certamente dificulta tudo.

    Norberto

    espelho, espelho, meu…

    havia algo mais "marron denuncista" do q o PT na opisição?

    quer irritar um petista?

    aja como um!

FrancoAtirador

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A oligarquia famigliar máfio-midiática mercantil vem aprimorando a técnica de manipulação do inconsciente coletivo
utilizando-se do tema 'ética' como propulsor da oposição para um dia derrubar o PT da Presidência.

A própria criação do PSDemB, "nem direita, nem esquerda, nem de centro", como se fosse possível existir um partido apolítico ou de circunferência, também faz parte de uma estratégia de marketing.

Se Dilma Rousseff e alguns ministros do PT continuarem subestimando a capacidade dessa corporação golpista de formar opinião – principalmente da camada não politizada, que ainda é, infelizmente, a maioria da população brasileira – é bem provável que, assim como emplacou um 'caçador de marajás', hora dessas emplaque um 'caçador de corruptos'.
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    beattrice

    Concordo com sua análise.
    Há uma estratégia evidente e clara por parte da máfia midiatico-financeira,
    com alguns setores políticos de contrabando.
    E um dos maiores erros da senhora Dilma certamente vem sendo
    com esta estratégia tecnocrata descrita pela articulista
    fragilizar institucionalmente o país.

El Cid

Um questionamento:

Se a grande mídia que faz oposição ao governo, não seria interessante os partidos da base aliada trazer a mídia para o jogo político? Mas aonde estão estes partidos? A Presidência pode definir agenda, mas não pode entrar no embate político…

Marcelo de Matos

A autora escreve muito bem. Sem nos deixar fascinar pelo verbo fácil, porém, devemos questionar: por que fala tanto do governo Dilma? Por dever de ofício, por ser jornalista? Jornalista não tem preferências, propósitos políticos? Então, qual seriam esses propósitos quando fala em “questionar a legitimidade de cada partido da base aliada. Inclusive do próprio PT”. É claro que não explicita nenhum propósito. Apenas deixa a questão no ar, como uma mensagem subliminar. Dá a entender que a estratégia política de Dilma e, por extensão, do PT é ilegítima. Em que sentido ilegítima? No sentido mais usual, ou seja, de ilegal, contrária à lei? E qual partido ou político seria mais legítimo? Não diz – fica só no campo subliminar. Arriscaria dizer: como boa mineira, deve ser partidária do Aécio. Quanto a ser boa ou má a estratégia de Dilma só as pesquisas eleitorais podem apontar. Até agora parece que o resultado está sendo satisfatório. Acusando ministros o PIG coloca a Presidenta numa sinuca de bico – não dá para sair em defesa de supostos fraudadores. Cada um que se defenda.

Inês Nassif: um dia, a Dilma vai ter que fazer política | Conversa Afiada

[…] Um dia, a vassoura gasta Extraído da Carta Maior, via Viomundo: […]

Francisco

O PT tem sido extremamente irresponsável com relação à oportunidade histórica que vem tendo no poder. Imaginemos o seguinte cenário:

Lula tem um agravamento qualquer do seu quadro médico e vem a falecer (toc, toc, toc!).

TALVEZ Lula se reeleja. E depois? A reforma politica é a unica contribuição petista que poderia ombrear com a Lei de responsabilidade fiscal dos tucanos, no plano institucional. O PT brinca com fogo… Nem isso, nem o imposto sobre fortuna, nem a reforma tributária, nem a lei de mídia.

Afinal o que significa um mandato de esquerda, governar "bem" a economia? Ora, isso um partido de direita pode fazer (ok, eu sei que os partidos de direita no Brasil são ruins até nisso!). O que não quero (e começa a acontecer…) é sentir que tenho que votar no PT, não por ser o partido "dos trabalhadores", mas por o país só ter esse partido que "funcione".

    Rafael

    Um detalhe os tucanos não fizeram a lei de responsabilidade fiscal. Essa lei foi imposição do FMI para o Brasil poder receber empréstimos.

    beattrice

    Faço minhas suas palavras e acrescento,
    o PT está agravando os riscos a que está submetido o ESTADO LAICO.
    AS notícias dos últimos dias que culminaram com aquela "invasão pastoril"
    hj na audiencia pública em BRASILIA são estarrecedoras

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