Gérard Dumenil: A contradição que pode desafiar o neoliberalismo

Tempo de leitura: 3 min

por Luiz Carlos Azenha

Como os leitores do Viomundo, muito bem informados, já sabem — os da Folha, O Globo e Estadão vão levar algumas semanas para descobrir — os economistas franceses estão em evidência.

Nos Estados Unidos, o livro Capital no Século Vinte e Um, de Thomas Piketty (ainda não traduzido para o português) é um fenômeno de vendas. Na Amazon, esgotou. Só existe em versão digital. O autor fala a auditórios abarrotados. É detonado pelos neoliberais.

Comecei a ler, mas ainda não terminei. Baseio-me em resenhas.  Piketty pesquisou estatísticas de um grupo de países do capitalismo central dos últimos três séculos. Concluiu que a produção de desigualdade não é um fenômeno do neoliberalismo, mas inerente ao sistema capitalista. A única forma de enfrentá-la, hoje, seria criar um imposto global sobre o capital. Ou isso, ou a barbárie.

Pode se inferir, a partir do conteúdo do livro, que o capitalismo de “livre mercado” é incompatível com a democracia liberal, motivo pelo qual o livro bombou nos Estados Unidos.

Um articulista do New York Times escreveu: Capitalismo vs. democracia.

Aqui no Brasil, os franceses Gérard Dumenil e Dominique Lévy estão lançando, pela Boitempo, A Crise do Neoliberalismo.

Gérard fará uma série de palestras sobre o livro.

Conversei hoje cedo, por telefone, com o autor.

O livro descreve o neoliberalismo como uma reação dos capitalistas aos ganhos obtidos pelas chamadas classes populares no pós-guerra, especialmente através do New Deal do presidente Franklin Delano Roosevelt, nos Estados Unidos.

Começando nos anos 70 e 80, no Reino Unido e nos Estados Unidos, através dos governos de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, os capitalistas estabeleceram aliança com a chamada classe gerencial de empresas públicas e privadas, tendo como objetivo reconquistar os lucros e o poder.

Houve transformação radical no gerenciamento de empresas, além da globalização e da financeirização.

Os capitalistas ganharam de forma espetacular.

O laboratório neoliberal havia sido o Chile de Pinochet. Na globalização, diria eu, Azenha, a Dina — polícia política do ditador chileno — foi substituída pelo discurso único da mídia corporativa. Saiu o pau-de-arara do Fleury, entrou o poder coercitivo dos irmãos Marinho, a cadeira-de-dragão verbal do Sardenberg-Miriam Leitão-William Waack.

Na crise de 2008, segundo Gérard Dumenil, os feiticeiros do capitalismo “perderam o controle de sua própria mágica”.

Resultado de desequilíbrios internos nos Estados Unidos: a dívida altíssima dos domicílios e o gigantesco déficit comercial de Washington.

Seis anos depois, a crise permanece.

O autor francês prevê que ela será de longa duração.

Nisso, coincide com seu colega Thomas Piketty, que tem falado em décadas de crescimento pífio das economias dos Estados Unidos e Europa. Em outras palavras, acreditam que o mundo capitalista vai se arrastar correndo o risco sempre iminente de explosão social.

Gérard diz que o fracasso no enfrentamento da crise se deve ao fato de que não mudaram as bases do neoliberalismo.

Continua nos Estados Unidos a lógica da distribuição de dividendos, da exportação de capital e da recompra de ações por empresas com o objetivo de sustentar o valor dos papéis nas bolsas.

É como se a crise de 2008, afinal, não tivesse acontecido!

Sobre o futuro, ele contempla tanto saídas à esquerda quanto à direita — com o espectro da extrema-direita rondando no horizonte.

Porém, Gérard Dumenil aponta uma contradição central que pode ameçar a aliança entre capitalistas e a classe gerencial que trabalha em nome deles: a perda de poder relativo de Washington em relação a outros países.

Para manter a hegemonia norte-americana, a classe gerencial sabe que é preciso cobrar impostos que os capitalistas evitam recorrendo aos paraísos fiscais — refúgios é uma definição melhor.

Cobrar impostos, por exemplo, para sustentar as forças armadas. Para cuidar da infraestrutura. Para não perder da China.

Para o economista francês, este descolamento entre os capitalistas norte-americanos e os interesses políticos/estratégicos/econômicos/diplomáticos dos Estados Unidos pode ser um fator definidor do futuro.

Na classe gerencial, aliás, já tem gente pregando o fim dos refúgios fiscais, sem os quais o lucro dos capitalistas não sobrevive!

Um rearranjo na aliança que comanda o neoliberalismo poderia provocar mudanças significativas no futuro.

Um relatório recente da Oxfam concluiu que as 85 pessoas mais ricas do mundo controlam riqueza equivalente à dos 50% mais pobres.

Será possível sustentar isso a longo prazo?

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Comentários

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Francisco

O modelo já amadureceu sim senhor. É o “capitalismo vigiado”. É a via da América do Sul. Essa via ainda não floresceu plenamente porque o regime econômico anterior é também um regime politico fortíssimo e qualquer variação cheira a revolução. E é, mas não do jeito que pensam.
Nesse novo esquema, o capitalismo é visto como sendo capaz de trazer boas contribuições para a sociedade, assim como um cão fila trás segurança para a casa do seu dono. O cão fila tem sua função e a sociedade usufrui dela, sem preconceitos contra a “raça canina assassina”. O cão curte o seu filé sossegado, mas no seu canto.
Contudo, note que nessa nova arrumação, o capitalismo deve ser entendido como parte da sociedade, e não a sociedade como parte do capitalismo. A compreensão que essa crise gerou é de que um cão fila sem coleira, morde o ladrão, o vizinho, o dono, o sofá e ainda caga na sala. A besta fera fica descontrolada. Na nova acepção o capitalismo deve ser controlado pelo voto. Socialismo? Talvez, se pensar em socialismo como sociedade gerida pela sociedade.
Esse arranjo lembra muito o keynesianismo, mas não é. Note que nesse novo arranjo, o capitalismo fica no quintal e não na poltrona de couro da sala. A existência física do cão não é questionada, seu território, sua casinha, caixa de areia… seu espaço é, como a propriedade privada, sagrada. Mas ele serve aos objetivos estratégicos da casa e não o inverso. Ele ganha, a sociedade ganha: inovação e produtividade. A mais valia é menor, por certo, mas existe.
Esse modelo não esta pleno em lugar nenhum. Por medo. Medo do capital, de sumir, e medo da sociedade de tudo voltar a antes, sem cerimônia e a bagaça da crise acontecer de novo daqui a uma semana. É preciso experimentar. O Brasil, a despeito de tudo, está na vanguarda, mas a Venezuela (ponta de lança) precisa ser entendida como uma experiência em curso da qual o mundo pode se beneficiar ou, se der errado, ignorar…

Luís Carlos

Sim, a economia de mercado neoliberal é incompatível com a democracia política. Hayek dizia abertamente que a liberdade política era secundária à liberdade econômica, ou de outra forma, não importava ter democracia política se não existisse liberdade econômica.

Jonas Moreira

Achei uma visão bem européia, onde as políticas mais conservadoras vem sendo usadas sistematicamente e onde o crescimento patina. Nos EUA a coisa não é bem assim. Além de políticas monetárias menos ortodoxas, os norteamericanos tem tentado revalorizar sua indústria e parecem ter a sorte do “aparecimento” do gas. Não sem razão, os EUA vem ampliando seu crescimento e reduzindo o desemprego. Na China, também a coisa não tem nada a ver com a tragetória de letargia econômica da Europa. Os chineses estão fazendo um acentuado movimento de valorização do mercado interno e que começa a fazer efeito, parando a queda do crescimento econômico e mantendo-o em mais de 7%.
Tampouco tem sido assim nos países que – como o Brasil – valorizaram a redução da desigualdade. Ainda recentemente o Martin Wolf do Financial Times reconheceu, a partir de estudos do FMI, que a redução da desigualdade como realizada no Brasil tem tido papel importante no crescimento, ao contrário do que não cansam de repetir os nossos economistas liberais (e tucanos).
Os economistas europeus, com todo o respeito, precisam olhar um pouco mais adiante…

Roberto Locatelli

O capitalismo financeiro domina o planeta. Foi ele que impôs o neoliberalismo.

Para derrotar o neoliberalismo, temos que derrotar o capitalismo. Pra começar, é preciso lutarmos para estatizar todos os bancos, já que eles são a origem da crise econômica.

anac

Marx já havia sentenciado qual seria o destino do capitalismo ao seguir a linha que em meados do século XIX insinuava com perfeita clareza: a concentração do capital em poucas mãos produziria um mundo onde apenas um número muito pequeno de pessoas teria o maior número de riquezas, ao passo que o sistema não poderia seguir o ritmo de seu próprio crescimento desproporcionado. A quantidade de riquezas produzidas e o contínuo aumento da população não permitiriam o desenvolvimento igualitário de todos os indivíduos, ao que se somava o fato de que o ritmo de crises cíclicas acabaria aumentando com o tempo até chegar ao ponto da inevitável queda do sistema.

anac

O problema é que vivemos em sociedade na qual o próprio capitalismo se tornou besta fera rampante. Políticos-feras mentem nos gastos, banqueiros-feras assaltam a bolsa pública até o último vintém, altos executivos, operadores de hedge funds e gênios do lucro privado saqueiam o mundo dos ricos, empresas de telefonia e cartões de crédito cobram misteriosas tarifas nas contas de todos, varejistas aumentam preços, por baixo do chapéu artistas vigaristas e golpistas aplicam seus golpes até entre os mais altos escalões do mundo corporativo e político.
Uma economia política de saqueio das massas, de práticas predatórias que chegam ao assalto à luz do dia, sempre contra os mais pobres e vulneráveis, os simples e desprotegidos pela lei – isso é hoje a ordem do dia. David Harvey é Professor Emérito do Graduate Center da City University of New York.

anac

De Rousseau, mais precisamente do Discurso sobre a origem da desigualdade no qual ele diz: “O primeiro que,tendo cercado um terreno, se lembrou de dizer: Isto é meu, e encontrou pessoas bastantes simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil.
Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: “Livrai-vos de escutar esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos, e a terra de ninguém!” carlos drumond de andrade

FrancoAtirador

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No estágio atual, nenhum Governo isoladamente será capaz de conter o avanço do Neoliberalismo que ocorre em escala global, até porque, no curso das últimas três décadas, a desregulação estatal se efetivou internamente na própria legislação de cada país, tornando-se praticamente irreversível, considerando que a atuação dos agentes políticos passou a ser cada vez mais limitada pelo Poder Econômico e que a Mídia Oligopólica está totalmente controlada pelas Corporações Empresariais que usufruem dessa inoperância dos Estados-Nações.

Assim, com o advento da globalização dos mercados financeiros, formou-se uma espécie de Império Econômico Mundial (*) em que os Grandes Conglomerados Industriais operam através das Bolsas de Valores intermediados por Fundos Transnacionais em Instituições Bancárias Multinacionais, por fim escapando da tributação em Refúgios Fiscais,
de tal forma que o capital consegue se multiplicar alheio à produção industrial e, por conseguinte, a acumulação se dá independentemente das economias locais, que servem apenas como suportes transitórios, isto é, como bases temporárias para fazer girar a roda da especulação improdutiva, concomitante à histórica subtração de riquezas dos países produtores de matérias-primas (commodities) por meio da exploração do trabalho em regime de semi-escravidão, agora servindo como linha auxiliar da transformação das mercadorias em moeda não-circulante, para logo em seguida se converter em papel fictício, ou seja, em ações (‘units’) sem lastro correspondente na realidade material.

Aqui um artigo do professor Ladislau Dowbor

que explica, em parte, o fenômeno neoliberal:

Os oligopólios de intermediação comercial e financeira
prejudicam produção e consumo

É cada vez menos o produtor que se apropria do resultado do valor agregado
de um determinado produto, e cada vez mais o intermediário.

(*) http://www.cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FEconomia%2FOs-oligopolios-de-intermediacao-comercial-e-financeira-prejudicam-producao-e-consumo-%2F7%2F29908
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Entretanto, mesmo atuando em bloco, vem um alerta

deveras preocupante para os países sul-americanos:

A União Europeia e o fim do Mercosul

O eventual acordo União Europeia/Mercosul
será o início do fim do Mercosul
e o fim da possibilidade de desenvolvimento
autônomo e soberano brasileiro.

Por Samuel Pinheiro Guimarães, na Carta Maior

(http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/A-Uniao-Europeia-e-o-fim-do-Mercosul/6/30799)




(http://www.bmfbovespa.com.br/pt-br/mercados/acoes/ofertas-publicas/Abril-Educacao-SA-120413.aspx?idioma=pt-br)

    FrancoAtirador

Urbano

O neoliberalismo no fundo, no fundo é uma nicotiniana tabacum, que só sobra para os elos mais fracos da corrente…

Julio Siveira

O liberalismo econômico já foi uma merda no passado, por que permissivo e sem controle permitiu a fragilização das classes operárias até um nível de semi escravidão. Visto que os donos do capital não tem alma, tem lucro, o neoliberalismo é a busca pelo retorno da merda para as classes operárias, mais fracas nessa relação com os donos do capital.

Pedro

A inexorável concentração atual da riqueza está fazendo a sua parte para uma revolução na base da sociedade capitalista. A nossa parte tem muito a ver com o fato de que essa concentração, essencialmente monetária, já não irriga mais o processo produtivo. Ela cria uma imagem fantasiosa com relação a grandes lucros. Mesmo quem não leu Marx – não sabe o que está perdendo – não ignora que se o capital não se relaciona produtivamente com o trabalho, não há lucro. Ricardo já tinha ensinado, cinquenta anos antes de Marx publicar O Capital, que capital é trabalho acumulado. Sem sua necessária relação com o trabalho, essa incalculável dinheirama que anda por ai sem destino está fazendo a sua parte de coveiro do capitalismo. Podemos nos candidatar a fazer uma cova bem profunda para que os mortos deixem os vivos em paz.

paulo Bueno

O PT deveria copiar o e modo TUCANO DE FAZER CAMPANHA ELEITORAL….no ano eleitoral todos os militantes do PSDB que tem cargo nos governos estaduais e municipais saem para “garantir o pão de cada dia na internet” formando uma MILITANCIA DIGITAL que comenta e critica a DILMA e o PT em todos os sítios da INTERNET e nas redes sociais….a maior militância de um partido politico é do PSDB ,,,mais de 40 mil internautas,,,criticando o PT,,em todos os lugares possíveis da INTERNET….
o lema do PSDB é quer garantir o seu emprego,,vá criticar o PT na internet…imagine se o PT copiasse esta ideia seria a maior militância digital de um partido politico na internet ….mas o PT dorme,,,dorme ,,dorme e o PSDB cresce,,,vai fazendo o povo criar ódio do PT, na INTERNET e nas redes sociais ….e DILMA cai,cai ,cai nas pesquisas ,,,,PSDB é muito organizado PT é uma merda em termos de camapanha na INTERNET….vai sofrer pra chegar ao 2° turno,,,,,se chegar..

    Mário SF Alves

    Vai que eles, os bate-paus do PSDB, uma hora ficam de paciência cheia e se rebelem. Imagine a potência do tiro saindo pela culatra.

    Vai que de repente esses entucanados resolvam garantir bem mais que o cargo comissionado. Vai que resolvam apostar num projeto tipo Brasil Um País de Todos. Vai que resolvam exercer a inteligência, a imaginação, e começar a ligar lé com cré.

    Luís Carlos

    O PSDB cresce? Só um tucano apaixonado é capaz de acreditar nisso.

José Souza

Azenha, o artigo está correto mas o país não tem o poder bélico, necessário para ter caminho independente. Não temos como retomar a Vale, a Embratel, o neobio, as teles. Não se consegue impedir que exista a sonegação e que o produto dela vá para paraísos fiscais. Não temos uma estrutura para impedir o contrabando legal. Nossas fronteiras – incluindo a alfândega – são verdadeiras peneiras. A lista de devedores dos Ministérios só cresce e não vemos ações no sentido de bloquear bens patrimoniais e/ou financeiros dos devedores. Ninguém consegue explicar a diferença entre a Selic e as taxas de cartões, cheque especial e empréstimos bancários em geral. E tem outra coisa, os governos ainda emitem títulos lastreados por valores a receber. Receber? Quando? Poderia continuar a listar o que nos impede de sermos independentes. Mas essa simples amostra já é suficiente para sabermos como é difícil administrar o país.

FILIPPINI

Azenha, advinha qual think a tank,aqui no Brasil,repercutindo as
críticas ao livro e ao autor,logo tratou de repercurtir o que vem lá da
matriz.Advinha ???

O título deles é este : O que houve com os ricaços da década de 1980?
link para o artigo : http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1836

Acabo de ler esta outra pérola aqui: Por que a democracia precisa de
aristocracia link : http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1840

Vou ter que tomar além dos antiácidos tradicionais,um Antak,que é bem
mais pesado,indicado inclusive para úlceras gástricas.

    Daniel

    Um dos grandes problemas do mundo é que muitas pessoas como estes “aristocratas” confundem nobreza verdadeira com o saldo da conta bancária. Um “nobre” verdadeiro se mede pelos seus atos, é aquele sujeito que arrisca até a própria vida para salvar uma pessoa que ele talvez sequer conheça ou que faz o bem para os outros sem esperar algo em troca. Não é em hipótese alguma um “nascido em berço de ouro” que se julga “supremo” por causa de tal nascimento e que espera que todos os demais façam as suas vontades como se fossem os seus vassalos.

    Atualmente a nossa dita “nobreza” brasileira na verdade é formada pelo que existe de pior na nossa sociedade.

    Rafael Isaacs

    E como bater os argumentos deles desse link:
    http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1836
    ?

J Souza

São excelentes as colocações sobre o paradoxo da necessidade de um Estado forte para proteger os interesses dos capitalistas e a recusa destes em financiar aquele através dos impostos.

Mas, acho que discordo da maioria quanto à insustentabilidade da concentração da riqueza nas mãos de poucos. Isto porque os próprios bancos centrais em todo o mundo estimulam esse procedimento para evitar o excesso de liquidez na economia, o que gera inflação. As pessoas, sejam ricas ou pobres, tendem a gastar mais quando têm mais. Isto é fato. Esse é um dos motivos pelos quais os gatilhos salariais exigidos pelos sindicatos só geram mais inflação (da mesma forma que os gatilhos de reajustes das tarifas públicas das empresas privatizadas!), e pelos quais o Banco Central recorre a aumento de juros ou a aumento dos depósitos compulsórios. Dinheiro fácil, sem aumento de produção que o “lastreie”, é dinheiro com pouco valor.

Mais uma vez, parabéns pelo artigo. É o tipo de leitura que a gente sempre procura na internet, mas que é difícil de encontrar.

    Daniel

    O capitalismo em si é um grande paradoxo. Ele depende do fluxo de dinheiro (bens sendo produzidos e sendo comprados), mas o dinheiro sempre se acumula em uma das pontas (quem produz os bens) porque para o capitalista jamais está satisfeito. Ele não se contenta em ganhar um bom lucro ao vender bens, ele sempre quer MAIS.

    E o que acontece quando o dinheiro se acumula em uma das pontas? O capitalismo então falha, dado que como todo o dinheiro está apenas de um lado então deixam de existir compras de bens e com isso deixa de existir a circulação de dinheiro

    (Nota para os que têm problemas de interpretação de textos: Claro que o fluxo de dinheiro nunca vai parar total e completamente. Mas as coisas já ficam insustentáveis quando apenas os ricos podem comprar bens)

    Ou se quiserem, dá de mostrar o paradoxo usando um outro exemplo: Imaginem um mundo aonde existe uma única fábrica, aonde é produzido um único produto e todas as pessoas são empregados dessa fábrica, exceto um pequeno número que são os donos da fábrica.

    A fábrica gera ganhos vendendo este produto para as pessoas, aonde uma parte desses ganhos vai para pagar os salários e os custos de produção, e outra parte vai para os bolsos dos donos da fábrica. Enquanto que as demais pessoas por sua vez compram este produto da fábrica para o seu uso.

    A pergunta é: Aonde as pessoas conseguem dinheiro para comprar o produto? Elas conseguem trabalhando para a fábrica, o salário.

    Tudo funciona bem, cada um ganhando a sua parte, até que os donos por qualquer razão decidem que o ganho atual não é suficiente, eles querem mais. E para isso aumentam o preço do produto ou reduzem os salários (diminuindo os custos).

    O que isso faz? O dinheiro em circulação começa a se acumular nos cofres dos donos da empresa, enquanto que os seus empregados ficam com menos dinheiro para comprar o produto. Mas… E como as pessoas passam a ter menos dinheiro elas passam a comprar menos.

    Com as pessoas comprando menos, a fábrica começa a vender menos e portanto passa a ganhar menos. Os donos percebem q eles tiveram um aumento temporário nos ganhos mas que voltou à cair, o que eles fazem? Para compensar as perdas, aumentam mais uma vez o preço do produto, ou abaixam ainda mais os salários.

    Então vai chegar a um ponto aonde as pessoas não poderão mais comprar o produto, pois o que ganham não é mais suficiente ou perderam o emprego (demitir é outra forma de reduzir custos). E o que acontece quando as pessoas deixam de poder comprar o produto?

    Sem vendas, a fábrica passa a ter ganho ZERO. Afinal ninguém mais compra, então sem vendas como pode existir ganho? E nesse momento o sistema entra em colapso.

    Versão curta: O famoso mercado consumidor não é uma “entidade abstrata” capaz de comprar tudo o que for produzido, o mercado consumidor é formado pelos PROPRIOS EMPREGADOS das empresas. Corte os salários e você corta as vendas, e cortando as vendas você corta os seus próprios lucros. Este é o paradoxo do capitalismo.

    P.S: Há formas de evitar esse círculo vicioso é claro. Mas elas exigem que quem têm o poder de decisão consiga controlar a própria ganância…

    Paulo Monteiro

    Tem sentido, lembramos da redução da conta luz, ninguém repassou a dedução de custo aos produtos finais. Outra o fim da CPMF, também reduziu os custos de muitos produtos e serviços, e os preços não foram baixados, e por aí vai, tudo pela famosa acumulação de capital dos mais poderosos.

    Hell Back

    Marx já dizia: “O capitalismo não existe sem o socialismo” e vice-versa.

Mário SF Alves

Prezado Azenha,

Com ou sem paus-de-arara e cadeiras-de-dragão midiáticas, o bom mesmo é vê-lo seriamente empenhado em compreender as entranhas da coisa ruim.

E, como é que é mesmo?

“Comecei a ler, mas ainda não terminei. Baseio-me em resenhas. Piketty pesquisou estatísticas de um grupo de países do capitalismo central dos últimos três séculos. Concluiu que a produção de desigualdade não é um fenômeno do neoliberalismo, mas inerente ao sistema capitalista. A única forma de enfrentá-la, hoje, seria criar um imposto global sobre o capital. Ou isso, ou a barbárie.”

Gostei.

Olha, anota aí, nos seus alfarrábios:

É quase certo que o vírus ao qual o Marx se referiu é a ambição desvairada, e que só agora pode ser parida, graças ao incontestável poder dos zeros e uns. Imagine o torrencial e complexidade de fórmulas e cálculos de externalidades, cadeiras-de-dragão, domínios do fato e primaveras árabes que andam aflorando de certos computadores ao redor do mundo.

E vamo que vamo!

Diego Gutierrez

Não é viável, e eles (a pontinha da pirâmide) já sabem que o circo armado do capitalismo yanke está ruindo e vão (já estão) fazendo a opção estratégica da guerra, seja de que dimensão imaginarem necessária… não será localizada e nem controlável, é claro. Ignorância, ambição e finalmente revelação de que representam o mal.

Marcio Ramos

… e tão querendo mais energia, só no Tapajós sete barragens… o trabalho corrompe…

RicardãoCarioca

As práticas dos financistas de hoje me lembram muito a “Morganização” comandada por JP Morgan nos EUA no final do século XIV (ótima dica, ver o programa do History Channel “Gigantes da Indústria” sobre ele, disponível no YouTube. Precisa ver os outros episódios para entender melhor, mas quem quiser ir direto ao assunto “Morganização”, eis o link: https://www.youtube.com/watch?v=Y3q9vB6tSHY), onde a ordem era pagar pouco, empregar o mínimo e, para quem estava empregado, trabalhar o máximo de horas possíveis. Hoje a coisa está indo por esse caminho novamente.

    RicardãoCarioca

    Corrigindo: Final do século XIX.

Lamarca73

para os “reaças” e “coxinhas” que frequentam aqui:

após ver esse vídeo, o caso de vocês é sério…

http://www.youtube.com/watch?v=539DJti_Krg

Leo V

Respondendo à pergunta final.

Essa desigualdade social brutal já vem de longo prazo. Ou seja, sim é possível.

Francisco

Marx…

    ricardo

    Qual? O Groucho, o Harpo ou o Burle? Só espero que não esteja recomendando o Irton.

    Maria

    O Karl mesmo. Puro, na veia.

    Mário SF Alves

    “…o neoliberalismo é a busca pelo retorno da merda para as classes operárias, mais fracas nessa relação com os donos do capital.”
    _____________________
    Ah, se fosse “apenas” isso!
    ___________________________________

    Sou mais a síntese: “Ou isso, ou a barbárie.”

    “…Concluiu que a produção de desigualdade não é um fenômeno do neoliberalismo, mas inerente ao sistema capitalista. A única forma de enfrentá-la, hoje, seria criar um imposto global sobre o capital. Ou isso, ou a barbárie.”
    _____________________________________________
    Ou, quem sabe, além do dito imposto global, que tal uma Democracia Global?

    Não, prezado Julio Silveira, não aquela, do xerife do Norte, aquela, segundo pesquisa realizada na insuspeita Universidade de Princeton, acabou mesmo. Estudos conduzidos por pesquisadores da referida Universidade sobre as políticas públicas estadunidenses nos últimos 23 anos comprovaram o que já sabíamos há tempos: aquilo lá virou o domínio das oligarquias.
    _________________________________
    Pois é. E fica o recado: o vergonhoso – agora ainda mais vergonhoso – golpe de Estado de 64, idealizado, comprado, e praticamente determinado pelos USA, não teve nada de democrático. Foi um golpe contra o povo e contra qualquer possibilidade de soberania do Brasil, e pronto. A dita ameaça comunista era nada mais nada menos que a ameaça de construção da soberania brasileira.

Bacellar

Respondendo a pergunta retórica do fim do texto: Niet tovarich. 85 indivíduos controlando o mesmo montante destinado a 3 bilhões e 500 milhões é insustentabilíssimo, hehehehe. Imagino quanto deste bolo está aplicado em produção, quanto em papéis sem lastro e quanto simplesmente entesourado…Tai uma bela estatística a se estimar…
O quão importante neste cenário de pau-de-arara informativo é a internet livre hein ô!

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