Ligia Bahia: Ministro mostrou desprezo por uma instituição secular premiada pelas entidades mais prestigiosas do mundo

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Ligia Bahia

por Conceição Lemes

Neste momento, a comunidade científica em peso está com a atenção voltada para o imbróglio em que se transformou a nomeação do novo presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Em eleição direta ocorrida em novembro de 2016, a doutora Nísia Trindade ficou em primeiro lugar, e a doutora Tania Araújo-Jorge, em segundo.

A praxe é a nomeação do candidato mais votado.

Na quarta-feira (29/12), o jornalista Ilimar Franco, em sua coluna no Globo, publicou uma bomba: o ministro da Saúde, o engenheiro Ricardo Barros, havia escolhido Tania.

A notícia provocou comoção na comunidade Fiocruz.

Eu conversei sobre essa situação com a médica e professora  Ligia Bahia, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), importante referência na defesa da saúde pública no Brasil.

Viomundo — Pela primeira vez a presidente da Fiocruz será uma mulher. As senhora conhece bem as doutoras Nísia e Tania?

Ligia Bahia — Muito interessante que a disputa eleitoral da Fiocruz tenha gravitado em torno de duas mulheres, da mesma faixa etária e ambas profissionais sérias e comprometidas com o SUS e com a justiça social. Serem mulheres é motivo de comemoração.

A contenda no campo progressista ou é um luxo (no sentido que estamos achando que o governo golpista está aí de brincadeira) ou de fato carrega consigo posicionamentos ético-político irreconciliáveis. Não sou da Fiocruz e não saberia afirmar com precisão se existe uma divergência entre projetos que justifique a competição.

Viomundo — Qual a sua avaliação sobre a confusão gerada pela nomeação prevista para ontem da doutora Tania e que acabou não acontecendo?

Ligia Bahia — A reação em torno do anúncio da nomeação da candidata que ficou em segundo lugar é plenamente justificável.

Veja bem. O ministro da Saúde é um estranho à área, de passagem pelo cargo, vinculado a uma coalizão política desacreditada e que,  por inúmeras vezes, demonstrou sua inabilidade política e incapacidade no campo da saúde.

Agora, ele acrescentou mais uma ao seu legado de uma gestão desastrada: o desprezo por uma instituição secular que vem sendo premiada por entidades as mais prestigiosas do mundo.

Viomundo — A culpa é de quem? O ministro Ricardo Barros indicou a doutora Tania, para dividir a esquerda e poder levar adiante os seus planos privatistas em relação à Fiocruz?

Ligia Bahia –Existe um substrato concreto: uma divisão interna. O ministro tentou manipular, despertar ambições, quis demonstrar que somos todos farinha do mesmo saco, aqueles que “vendem a mãe” para serem nomeados para cargos.

Só que não colou. A comunidade científica reagiu de modo muito firme e rápido contra a intenção de transformar a Fiocruz em espaço de manobras da politicagem golpista.

O problema é que os sentimentos e posições das pessoas diretamente envolvidas não são necessariamente sincrônicos. É preciso deixar espaço para o diálogo entre os integrantes da Fiocruz para que a resposta ao golpe do golpe seja uníssona.

Viomundo — Considerando que o ministro Ricardo Barros está destruindo o SUS em benefício dos planos privados de saúde, afinal o que governo golpista está querendo da Fiocruz?

Ligia Bahia — O Ricardo Barros parou de falar em planos baratos. Na realidade, ele parou de falar sobre saúde, só o vemos agora metido em articulações político-partidárias, para se manter no cargo.

Não é e nunca foi ministro da saúde. Atua como membro do exército de salvação de si mesmo, da futura candidatura de sua esposa para o governo do Paraná e do governo Temer.

Viomundo — E, agora, o que fazer?

Ligia Bahia –Temos que seguir resistindo e formulando projetos para a melhoria da saúde e das condições de vida. Nós que estamos nas instituições de ensino e pesquisa temos essa dupla tarefa.

Muitas vezes é difícil encontrar um equilíbrio entre duas atividades requerentes de conhecimentos e ações distintos. Mas esse é o nosso desafio especifico: aprimorar o conhecimento para mudar as práticas.

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