Grupo condena proposta de homenagear a Rota: Ditadura continuada

Tempo de leitura: 5 min

Brasão da PM do Estado de São Paulo ostenta uma estrela em homenagem à “Revolução de Março de 1964”, segundo o site da instituição

À violência de Estado, uma Salva de Prata

do grupo Margens Clínicas

Pode soar contraditório, para alguns, que a concessão da homenagem “Salva de Prata” à Rota, proposta pelo ex-chefe do batalhão e hoje vereador Coronel Telhada (PSDB), seja condenada por aqueles que lutam pela garantia dos direitos humanos e pela efetivação de uma sociedade democrática. Afinal, o aparato policial deveria zelar pela integridade dos cidadãos e pelo cumprimento de leis democraticamente acordadas, ou seja, pelo bom funcionamento da sociedade. Nada mais justo, portanto, do que homenagear aqueles cidadãos que colocam suas vidas em risco em nome do bem-estar comum.

No entanto, a indignação que este PDL (Projeto de Decreto Legislativo) causou tem sua razão de ser. A justificativa original, que foi alterada no dia 2 de abril, enaltecia as ações da Rota no período da ditadura, ações direcionadas a guerrilheiros que lutavam contra um Estado autoritário, ou, como quer o texto, ações realizadas contra “remanescentes e seguidores, desde 1969, de ‘Lamarca’ e ‘Marighella’”.

Ora, o atual formato do batalhão tem sua origem, justamente, em 1970, durante nosso período de arbítrio, quando recebeu sua atual denominação e se voltou para a repressão ostensiva da população. Trata-se, pois, de um corpo policial criado por um Estado ditatorial, cujos meios e fins, bem sabemos, diferem radicalmente daqueles que interessam a uma sociedade democrática.

A Rota e a Polícia Militar de São Paulo servem-nos como exemplo vivo e lembrança permanente de que um dos pilares da justiça de transição – conjunto de ações, internacionalmente acordadas, a serem tomadas após o fim de um regime de arbítrio – consiste na reforma das instituições do Estado.

Foi também nos anos 70, lembremos, que nasceu em São Paulo o “Esquadrão da Morte”, grupo de extermínio composto por policiais, sob o comando do delegado Sérgio Paranhos Fleury. Em setembro do ano passado, um policial civil afirmou à jornalista Tatiana Merlino que a situação, hoje, seria ainda pior: em cada batalhão da PM há, segundo ele, um grupo de extermínio.

Eis que chegamos ao cerne de nosso debate: a homenagem proposta por Telhada, tal como toda e qualquer ação política, só pode ter seu sentido desvendado se contraposta ao momento histórico do qual se origina e em que se desenrola. Em 2012, segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, 547 mortes ocorreram em supostos confrontos policiais, número que representa um aumento de 25% em relação ao ano anterior. Neste contexto, a PM de São Paulo, da qual a Rota faz parte, tem sido sistematicamente objeto de denúncias de assassinato, abuso de autoridade e descaracterização da cena do crime, dentre outras violações.

Apenas em imagens televisionadas em rede nacional já podemos contar duas execuções sumárias: uma delas, realizada por PMs fardados; outra, levada a cabo na presença suspeita de uma viatura policial. Em Paraisópolis, a prática corriqueira de lançar bombas de efeito moral como forma de encerrar confraternizações absolutamente pacíficas já deixou cega uma menina de 17 anos.

Não se trata de generalizar tais condutas criminosas para toda a corporação policial, na qual certamente ainda resistem valiosos profissionais, mas tampouco seria possível, diante de tantas evidências, tentarmos sustentar que estamos diante de abusos eventuais cometidos por alguns maus policiais.

Afastando-nos tanto do radicalismo ingênuo, de um lado, quanto do moralismo cínico, de outro, devemos, essencialmente, questionar o tipo de conduta e as estruturas da segurança pública que sustentam ações policiais orientadas a matar e a violentar.

Nesse contexto, perguntemos: qual é o tipo de policiamento que a Câmara Municipal deve ajudar o governo estadual a construir? Deve esta Casa trabalhar pela legitimação, ainda que simbólica, de uma política de amedrontamento, de abusos e violações de direitos? Ou deve, antes, lutar por um policiamento urbano pautado na proteção dos cidadãos e no respeito às leis democraticamente acordadas? É este o debate que o projeto de Telhada coloca à nossa frente.

Decerto, não se constrói uma democracia por decreto. Do mesmo modo, a promulgação de uma constituição cidadã, ainda que seja passo fundamental, tampouco pode ser vista como condição suficiente. Quando não reformado à luz de valores democráticos, o aparato repressivo estatal inevitavelmente carrega em sua estrutura organizacional e em sua metodologia de trabalho – se não em seu próprio quadro de funcionários – o peso do autoritarismo.

Longe de zelar pela segurança pública, longe de garantir os direitos da população, a lógica autoritária faz de seus cidadãos inimigos internos, dispondo o aparato repressivo do Estado contra os supostos perturbadores da ordem.

O que o autoritarismo insiste em negar é, em suma, a temporalidade da sociedade, entendendo por manutenção da ordem a conservação de uma estrutura social desigual, assegurada à custa da opressão aos que lutam por sua transformação. Se, ontem, os inimigos eram todos os que se insurgiam contra um poder arbitrário e ilegítimo, passados os anos de chumbo, a repressão recai sobre aqueles que ainda não viram efetivados os seus direitos mais fundamentais: a população preta, pobre e periférica. Os crimes de assassinato, tortura e ocultação de cadáveres, ao serem praticados por instituições do Estado, representam, em si mesmos, a ditadura continuada.

Ao analisarem a pertinência do PDL de Telhada, nossos representantes não devem, portanto, esquecer a menção à ditadura constante na primeira justificativa do projeto – e que continua presente no site da PM –, como não devem se esquecer de que a Polícia Militar de nosso Estado ostenta no peito – ainda conforme o site da própria instituição – uma estrela em homenagem à “Revolução de Março de 1964”.

À Câmara Municipal, bem como à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, deixamos, então, a seguinte sugestão: se se trata de, por meio de ações simbólicas, contribuirmos para que nossa polícia encontre seu lugar dentro de uma sociedade democrática, a retirada da vergonhosa 18ª estrela de seu escudo constituiria atitude infinitamente mais pertinente e eficaz.

Quando chamado a conversar com o então candidato à prefeitura de São Paulo Fernando Haddad, o rapper Mano Brown foi claro: “Eu vim aqui para falar de extermínio”, disse.

Se é cínico, em vez de explícito, se é sorrateiro, em vez de transparente, o projeto de Telhada, não nos enganemos, é igualmente oportuno: ele também veio para falar de extermínio. E mesmo que o vereador tenha, após todas as críticas suscitadas pela justificativa do projeto, alterado o texto suprimindo os trechos que se referiam à ditadura, sua proposta não pode ser vista, diante do presente contexto político, como outra coisa senão uma tentativa mal disfarçada de dar reconhecimento público a um dos piores legados daquele período: as práticas sistemáticas de violação de direitos humanos cometidas pela polícia.

O Margens Clínicas é um grupo que oferece atendimento psicológico a familiares e vítimas de violência policial. Integram-no: Anna Turriani, Catarina Pedroso, Dario de Negreiros, Isabela Mendes de Lemos, Marcio Leitão Bandeira, Mariana Garcez Ribeiro, Olívia Morgado Françozo, Pedro Lagatta, Rafael Alves Lima, Tacianna Bandim Pedrosa, Thaís Fabiana Faria Machado, Victor Barão Freire Vieira.

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Comentários

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Gerson Carneiro: Compensa denunciar um crime? – Viomundo – O que você não vê na mídia

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alexandre

A policia militar foi criada p/ calar o grito das diferenças sociais e -oprimir os levantes contra os governos e em geral as vítimas dessa mesma policia(fascínora e de extermínio)são pessoas pobres,negras,faveladas,moradores de ruas,trabalhadores rurais e pessoas baixa renda – É a gehreime estaatspolizei(policia nazista) em genero,número e grau!alguma dúvida?????

    Geraldo

    Combater quem apoiava o regime comunista e que querem até hoje que ele seja implantado até eu me enfileirava e ajudava no combate .Cada caso um caso a policia nazista combatia o certo e apoiava o errado , será que aqui era com o esse mesmo ideal o combate ? Acho que não .

Mauro Alves da Silva

Comissão de Educação vai votar homenagem à ROTA – Ronda Ostensivas Tobias de Aguiar (Polícia Militar – SP).
Publicado em abril 23, 2013 por Mauro A. Silva | Editar

A homenagem tem como uma das justificativas a participação da ROTA no massacre feito na Guerra de Canudos nos anos de 1897 a (333).

A Comissão de Educação, Cultura e Esportes da Câmara Municipal de São Paulo vai votar o mérito do Projeto de Decreto Legislativo PDL 6/2013 (“Dispõe sobre a outorga de “Salva de Prata” ao Batalhão Tobias de Aguiar”), de autoria do coronel-vereador Telhada (PSDB), ex-comandante da ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), local onde fica sediada a ROTA.

A principal polêmica do PDL 6/2013 estava na sua “justificativa” original, que foi alterada no dia 2 de abril, pois enaltecia as ações da Rota no período da ditadura, ações direcionadas a guerrilheiros que lutavam contra um Estado autoritário, ou, como quer o texto, ações realizadas contra “remanescentes e seguidores, desde 1969, de ‘Lamarca’ e ‘Marighella’”.

Mesmo o coronel-vereador Telhada tendo voltado atrás (“Estamos falando de um ladrão, de um assassino. Eu não pretendo mudar”, Portal G1 de 21/03/2013), afinado e apagado o elogio da atuação da ROTA nos anos da ditadura militar, ainda assim o valente coronel-vereador manteve a parte das loas e boas ao massacre ocorrido na Guerra de Canudos: “Guerra de Canudos, em 1897, sendo responsável pelo último combate que derrubou o Reduto de Canudos, comandado por Antônio Conselheiro, que lutava contra a República. Suas ações foram positivamente citadas no livro “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, que a ele se referia como “Batalhão Paulista” (sic).

http://gremiosudeste.wordpress.com/2013/04/23/comissao-de-educacao-vai-votar-homenagem-a-rota-ronda-ostensivas-tobias-de-aguiar-policia-militar-sp/

J.Amaro

A Polícia Militar do Estado de São Paulo esta recheada de “moringa quente”.

abolicionista

É o reflexo de uma sociedade que ainda não acertou as contas com a escravidão. Os presídios são os tumbeiros (nome pelo qual eram designados os navios negreiros) da atualidade. Por isso a desumanização do outro, a violência absoluta, é tão natural para nós. O Brasil nunca foi diferente disso, é nossa essência: o sangue do escravo na chibata de ioiô. A escravidão, “o maior negócio já realizado sob o sol”, segundo o historiador Luis Felipe de Alencastro, deixou marcas indeléveis no tecido social brasileiro. São feridas que não cicatrizam. Não é à toa que a PM paulista dedica uma estrela de seu brasão ao massacre de Canudos. São coerente até o osso, quer dizer, até os ossos dos que estão por baixo. Pois todos sabem que a polícia só pode ser violenta com os debaixo, ai dela se tentar fazer isso com os de cima, ai dela…

“De Bico Fechado”.

As corporações Policiais tem na sua maioria pessoas de bem,Soldados e Oficiais que acreditam na Justiça e na defesa da sociedade e agem no estrito rigor da Lei.
Infelizmente a PM de SP tem “uma Banda Podre”,que tem seus crimes encobertos pela omissão do Governo do Estado de SP e do MP.
Eu tenho muitos amigos PMs e sei de casos como do Soldado Fábio Tosta,que foi “convidado” a participar de “Grupo de Exterminio”,organizado dentro do Batalhão que servia,Fábio se negou a “entrar no esquema” e começou a ser perseguido,foi ameaçado de morte por um Sargento dentro do próprio Batalhão.
Fábio esteve em minha casa e relatou as ameaças,disse também que gostava de Trabalhar na PM,mas estava pensando em largar a Farda,pois temia por sua vida e a de seus familiares,neste mesmo dia,ao retornar para sua Casa na Zona Leste,ele foi morto por dois “Motoqueiros Fantasmas”,todo mundo sabe quem são estes “motoqueiros Fantasmas” (PMs a Paisana,que saem a noite,pra vingar morte de outros PMS e tiram a vida de muitos inocentes que encontram caminhando a noite nas ruas escuras da Periféria de SP.)
A morte do PM Fábio Tosta foi praticada por integrantes de seu próprio Batalhão,que tinham mêdo que ele “abrisse o Bico” e contasse do “convite” que lhe fora feito.
Até quando o MP,a AL de SP e o Governo do estado vão continuar fazendo de conta que “esta tudo bem”?

henrique de oliveira

A rota e a pm não passam de assassinos armados e uniformizados (ou seria fantasiados?)

    damastor dagobé

    o PCC não diria melhor…

    Geraldo

    E quantos são assassinados por aqueles que não usam uniformes ? Fico com os primeiros , os outros terão seu dia de caça , felizmente .

Gerson Carneiro

PSDB deslavadamente descambou para ações facistas.

Mais cinismo, sorrateirismo e oportunismo:

Geraldo Alkcmin viajou à Brasília na data de 16.04.2013 para apresentar projeto (discutido com não sei quem além do cel. Telhada e o primeiro secretário defensor da Ditadura) para encarcerar a geração de jovens que o PSDB não educou nos 20 anos que perdura no Poder no Estado de São Paulo.

Moacir Moreira

A PM paulista não apenas celebra o golpe de 64 como também a tentativa de golpe de 32 e o massacre de Canudos.

Celebrar crimes deveria ser proibido.

Moacir Moreira

Quando a classe média diz que está “cansada” e “indignada” é sinal que estão planejando chamar a polícia para bater no pobre.

Muita calma nessa hora, pois um novo golpe de estado no Brasil não daria tão certo hoje como deu em 64.

    Geraldo

    Más está na hora de termos uma reviravolta seja com golpe ou não , do jeito que está não dá mais .

Malvina Cruela

“O Margens Clínicas é um grupo que oferece atendimento psicológico a familiares e vítimas de violência policial”
não posso imaginar trabalho mais meritorio e abnegado. Só queria que publicassem endereço e horario que atendem as vítimas da violencia dos bandidos, que certamente existe tal atendimento até pq o numero dessas vitimas é bem superior e são pessoas honestas..quanto às vitimas da violencia policial em geral, como se sabe, não são flor que se cheire, muito ao contrário…

renato

Se Margens Clínicas, existe é porque é necessário.
Mas, vamos falar sério, se a gente esta acostumado a ouvir
que politico é ladrão, nada mais justo de que colocar uma
policia lá dentro.
Agora nada pior do que um Bandido, é um bandido vestido de
policia.
Será que nossa sociedade, já virou palco para a luta de policia
e bandido.
Arma e dinheiro é que não falta.
A mesma regra que cuida dos bandidos bandidos, é a mesma regra que
cuida de policia bandida.
Não há como um cidadão sobreviver no meio disto, somos ao que me
parece ” moeda de troca”.

    Malvina Cruela

    “Se Margens Clínicas, existe é porque é necessário”..bom, o mosquito da dengue, o PIG, o Serra, o Feliciano e o Maluf tb existem, até prova em contrario…e uma turma bem grande igual a eles…devem ser bem necessaro tb, pelo “raciocinio”..so queria saber pra que servem.

    Ted Tarantula

    Assim eles facilitam demais o trabalho do Reinaldo Azevedo.. não precisava ajudar tanto..

Fabio Passos

Homenagem da rota ao golpe de 64?
Que cretinos!

Policia bandida!

E o governador de m de Sao Paulo nao sabe disso?

Ou alckmin apoia torturadores e assassinos?

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