Claudia Wanderley: Yoga é para o bem; vamos juntar forças

Tempo de leitura: 6 min
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Por Claudia Wanderley

Patanjali

Por Claudia Wanderley*

Estamos abrindo o diálogo sobre yoga em uma postura de dar visibilidade a uma miríade de escolas e tradições de yoga que já estão em solo brasileiro, e também no continente americano praticando à moda da casa.

O Brasil, ouvi falar isso desde que comecei a praticar yoga, é um coração imenso onde muitas iniciativas de ensino e aprendizado de yoga podem surgir.

Depois de praticar por alguns anos – lá se vão, no meu caso, mais de trinta anos de prática – eu não tenho qualquer dúvida sobre os benefícios de “fazer yoga” e de como esse fazer melhorou consideravelmente minhas chances de ser uma pessoa mais amorosa, mais presente, mais integrada.

Evidentemente, há outros professores, outras linhas, outros modos de lidar com o conhecimento do yoga. A medida boa é simples, a gente conhece a árvore pelos frutos, não tem muito mistério. E reconhecer frutos bons é – em grande parte – uma questão de bom senso.

O maior aprendizado que posso compartilhar com vocês é que o que temos de fato de mais valioso são os yogues. Aqui, posto de maneira simples, entendo que yogue é quem incorpora, corporifica, vive, realiza yoga. E, quando a gente tem sorte, essa pessoa nos ensina a fazer isso também.

Aqui no Brasil somos muitos e variados os praticantes de yoga, a situação hoje está bem diferente de quando comecei a aprender no final dos anos oitenta. E isso me dá uma imensa alegria, porque é preciso que haja professores e métodos e vivências diversas para que esse conhecimento, ou essa realização, possa continuar a se expandir por aqui.

Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), estamos nos juntando entre áreas de conhecimento, com o valoroso apoio dos yogues de Campinas, para construirmos juntos o hábito de nos encontrarmos uma vez por ano e trocarmos experiências e conhecimentos sobre yoga.

Já adianto que vem coisa boa por aí – cursos, eventos –, estamos nos articulando para promover yoga de maneira sistematizada e também articulada com diferentes escolas, institutos e linhas em atuação.

Para nós é importante viabilizar o acesso a esse conhecimento, que é destinado a circular para todos nós.

Queremos fazer isso de forma simples, acessível e adaptada à nossa cultura e ao tempo em que estamos, de maneira articulada com outros professores e estudantes de yoga que tenham o mesmo propósito. E por isso honramos todos os professores de yoga.

Nosso primeiro professor – na história da tradição do yoga que conheço – é Shiva, Shiva é o primeiro yogue. E o primeiro professor designado especificamente para ensinar para nós, humanos, é o Sr. Patanjali.

Reverências ao Sr. Patanjali que ensina yoga para todes

O Sr. Patanjali é reconhecido na tradição do yoga como o primeiro a registrar em versos, tecer em fios, (sutras) o conhecimento sobre yoga.

Ele é reconhecido como uma das vidas (uma encarnação) da primeira serpente (Adi Shesha), a serpente eterna (Ananta Shesha), a serpente de mil cabeças. E transmite seu conhecimento sobre yoga de inumeráveis maneiras.

Para ensinar yoga para a humanidade através da vastidão do tempos é preciso considerar que somos estudantes singulares, somos passageiros por aqui pelo planeta Terra, e temos nossas contingências, nossos desejos, nossas preferências.

Considerando todas as diferenças e singularidades de seus alunos, nós mesmos, a afirmação posta é que yoga é uma realização acessível a todo e qualquer ser humano, em qualquer época, tempo e espaço.

Dos seres fantásticos que nos acompanham no Yoga

Reza a lenda que foi o próprio Shiva, primeiro yogue do qual temos notícia, que incumbiu AnantaShesha de ensinar Yoga aos humanos, depois de um episódio em que AnantaShesha foi pega ouvindo os ensinamentos de Shiva sobre yoga sem ter sido convidada.

Shiva teria então pedido a AnantaShesha para nos ensinar yoga. E, depois de perceber que sua forma de serpente criava dificuldades para o processo de ensinar yoga para nós, a serpente mítica resolve, então, vir como o sábio Patanjali e cai do céu nas mãos da yogini chamada Gonika, que o adotou como filho.

Patanjali é comumente retratado como um ser sobrenatural metade serpente, metade humano.

Um ser que na tradição oriental é conhecido como Naga, que é uma raça de seres que podem se manifestar como humanos, como metade humano e metade serpente, ou como serpentes, e habitam um outro mundo diferente do que ocupamos, o Naga-Loka ou Patala Loka.

Naga, meio humano, meio serpente

Assim, o que podemos perceber a princípio é que, dentro da tradição, temos um professor, um tutor, um padrinho rigorosamente do âmbito do sobrenatural, e ele está disponível para nos ensinar yoga, a qualquer momento (uma vez que é Ananta, literalmente uma existência “sem fim”, infinita).

Patanjali é um filósofo do jeito que entendemos também, porque Yoga é considerada uma escola de filosofia junto com Samkhya, Nyaya, Vaisheshika, Mimamsa e Vedanta. Então, nosso professor é um escritor, um filósofo, um ser de outro mundo que veio aqui nos encontrar com um propósito, um yogue, um ser infinito.

Assim, o encontro entre diferentes mundos, entre diferentes seres, é um pressuposto do aprendizado do yoga, da prática e da realização. A garantia de que é um aprendizado acessível a todos nós também está posta na tradição.

Nesse sentido, o que chamamos hoje de multilinguismo, multiculturalismo, interculturalidade, epistemologias singulares, são características que têm presença permanente no arcabouço de conhecimentos que envolvem praticar yoga, e é nessa compreensão de multiversos e de possibilidades impensadas, improváveis e surpreendentes que praticamos e trocamos notícias sobre nossas práticas.

Yoga é para o bem

Todos os seres que fazem parte das histórias ligadas ao yoga são benevolentes, têm atuação benéfica. Embora existam grandes batalhas e guerras como na Devi Gita, na Bhagavad Gita e, muitas vezes, seja possível aprender sobre yoga ouvindo a narrativa de um confronto, o conhecimento visa à libertação e à alegria interior de todos os seres.

Assim, não temos qualquer antagonista em nosso caminho, com exceção de nossa própria ignorância sobre nós mesmos. É a famosa competição consigo, a gente quer se melhorar. É um caminho bacana, adianto que vale o esforço. Resolver se conhecer melhor, de maneira consciente, é um voto que a gente faz a nosso favor.

E a gente fica feliz quando tem a oportunidade de ter companhia nesse caminho. Andar bem acompanhado é um luxo, porque nos ajuda a aprender também acompanhando a experiência dos amigos. Então, se relacionar é bom também para nosso crescimento.

Amigos, afinidades e alegrias na prática

Um amigo yogue me ensinou: acreditar na gente é um caminho maravilhoso. Acreditar e decidir se conhecer é uma mudança para melhor que podemos nos dar. Acreditar, decidir se conhecer e estudar para que possamos cada vez mais ampliar nosso horizonte sobre nós mesmos, sobre o mundo, sobre nossa presença é uma fonte de alegria contínua. E encontrar boas referências para fazermos esse processo, que sejam de acordo com nosso temperamento, com nossa natureza, é um grande presente.

Hoje, ou quando você quiser, começar é seu direito! Comece tomando um bom banho com água na temperatura ambiente, sentando em silêncio, com roupa limpa, olhando para o leste. E por cinco minutos – põe o relógio para despertar – preste atenção na sua respiração.

Só observe, sem julgar. Observe e aprenda sobre você e sua respiração. A respiração tem uma dinâmica muito mágica, porque traz para dentro o vento, o ar, e promove para fora o vento, o ar. Ou seja, nós somos um circulador de ventos! Já pensou nisso?   

Casal de Nagas, Sul da Índia

Vamos juntar forças!

Aqui, no Viomundo, vamos bater um papo de yoga, pegar uma via de conversa mais ligada ao nosso cotidiano, vamos ver o mundo com jeitinho de yoga.

Propor reflexões simples, práticas simples para irmos pensando sobre isso ao longo do dia, praticando algo por poucos minutos no dia, pensando em um conceito ou em uma hisória.

Proponho para vocês uma introspecção a partir do cotidiano. Foi assim que aprendi, foi bom.

Posso dizer, com tranquilidade, que há yoga, que vivemos yoga, que ensinamos yoga e que yoga tem mil rostos.

O cotidiano é um desses rostos, e está ao nosso alcance sempre.

Vamos caminhando juntos, batendo papo, cuidando de estarmos presentes. Vai ser bom.

*Claudia Wanderley coordena o grupo de estudos Yoga na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde é também pesquisadora do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência. No programa de extensão da Faculdade de Educação Física da universidade, dá aula de saudação ao sol.

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Claudia Wanderley

Coordenadora do grupo de estudos Yoga na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde é também pesquisadora do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência. No programa de extensão da Faculdade de Educação Física da universidade, dá aula de saudação ao sol.


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Comentários

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Leonira

Parabéns!!! Amei as suas colocações sobre o yoga!
Namaste!🙏

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