Venício Lima: No JN, imperador faz inquisição pública em rede nacional

Tempo de leitura: 4 min

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Quem elegeu o imperador Bonner?

CANDIDATOS NO ‘JN’

As ‘entrevistas’ do ‘Jornal Nacional’

Por Venício A. de Lima em 26/08/2014 na edição 813 do Observatório da Imprensa

As “entrevistas” ao vivo com os quatro primeiros candidatos nas pesquisas de intenção de voto divulgadas para a Presidência da República (antes da trágica morte de Eduardo Campos), realizadas pelo Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão, tornam obrigatória uma reflexão sobre o exercício do poder político no Brasil.

De um lado, candidatos ao mais elevado cargo público da democracia representativa brasileira, devidamente homologados por seus respectivos partidos/coligações, em conformidade com a legislação eleitoral e em início de campanha. Do outro, jornalistas da empresa comercial que é a maior concessionária do serviço público de radiodifusão do país e parte de um dos maiores oligopólios de mídia do mundo.

Não se pretende colocar em questão o papel fundamental que a comunicação tecnologicamente mediada exerce nos processos democráticos. Ao contrário. É exatamente em razão do reconhecimento desse papel (sem mencionar as graves distorções históricas que caracterizam esse setor no Brasil) que se fazem as reflexões a seguir.

Entrevistas?

Na primeira “entrevista”, o âncora do JN, William Bonner, advertiu a entrevistados e telespectadores que a série trataria de temas polêmicos e confrontaria (sic) os candidatos com o seu desempenho em cargos públicos.

Além do pressuposto básico de que deve haver respeito mútuo mínimo entre entrevistador e entrevistado, qualquer estudante de jornalismo sabe que o segredo para uma boa entrevista começa com o saber perguntar: as opiniões do entrevistador devem ficar fora das perguntas e não se deve argumentar com o entrevistado tentando convencê-lo de que a versão correta é aquela apresentada na pergunta. A entrevista ideal, portanto, deveria ser uma conversa e não uma contenda.

O que se viu, no entanto, foi outra coisa.

A postura imperial dos “entrevistadores” denotava a assimetria de poder expressa na arrogância investida de autoridade autoatribuída de fiadores do interesse público. A postura dos “entrevistados” implicava a aceitação da inevitabilidade de serem submetidos a uma inquisição pública em rede nacional de televisão, sem qualquer garantia sobre a forma como seriam “tratados” e/ou em relação à equidade do tempo concedido para resposta das “perguntas” feitas ao vivo.

Não houve jornalismo. Não houve conversa, mas um combate. Não houve perguntas, mas ataques. Os “entrevistados” foram fustigados e provocados pelos “entrevistadores” como se estivessem em um duelo público. Nenhuma das regras elementares para a condução de uma entrevista jornalística foi cumprida

A “entrevista” com a presidente da República, candidata à reeleição, foi particularmente exemplar. A indisfarçável diferença do tratamento dispensado a ela, comparativamente aos outros “entrevistados”, já foi registrada por Glauco Faria e Maíra Streit em “Desconstruindo Bonner – uma análise das entrevistas de Dilma, Aécio e Campos” (ver aqui). Recebidos em sua casa, isto é, na biblioteca da residência oficial do(a) presidente da República, o Palácio da Alvorada, os “entrevistadores” da Globo se portaram como se fossem eles os detentores do poder político institucionalizado e conduziram uma inquisição beligerante da maior autoridade pública do país, à qual não faltou sequer um dedo em riste contestando uma resposta.

Quero, todavia, chamar a atenção para outro aspecto.

Um poder que paira sobre todos os outros?

Para além da “cobertura adversária” que desqualifica permanentemente a política e os políticos, identificada pela socióloga Maria do Carmo Campello de Souza há quase trinta anos, a grande mídia brasileira historicamente atribui a si mesma o duplo papel de formadora e de representante da opinião pública. Ela reivindica a legitimidade que disfarçadamente não reconhece nas instituições políticas tradicionais da democracia representativa, vale dizer, políticos, partidos políticos, parlamentos nos seus diferentes níveis e, no limite, no presidente da República, eleito dentro das regras do Estado de Direito.

O exemplo emblemático desse comportamento foi a “rede da democracia”, movimento liderado pelo Globo, Diários Associados e Jornal do Brasil que antecedeu ao golpe de 1964 (cf. A Rede da Democracia, Aloysio Castelo de Carvalho, Editora da UFF/Nitpress, 2010). As “entrevistas” de 2014 parecem, todavia, indicar um passo adiante neste comportamento histórico.

Para além da “cobertura adversária” e de formadora/representante da opinião pública, a TV Globo se apresenta como um superpoder, que paira soberano acima dos poderes institucionalizados pelo processo eleitoral da democracia representativa.

Poder soberano ao qual todos os outros poderes – institucionalizados ou não – devem, incondicionalmente, explicações públicas.

O que representa simbolicamente o enfrentamento público assimétrico de dois jornalistas com candidatos ao mais alto cargo da democracia brasileira, inclusive com a candidata/presidente da República?

Quais grupos se fortalecem com o enfraquecimento e o desafio público a candidatos à Presidência da República e a ocupantes das mais altas posições na hierarquia das instituições democráticas?

Se uma candidata, no exercício da Presidência da República, pode ser destratada de forma agressiva e descortês publicamente em uma rede de televisão, por que não pode fazer o mesmo um cidadão comum?

Outro país

Talvez a grande ironia das “entrevistas” do JN nas eleições de 2014 seja a constatação de que, apesar do imenso poder que as Organizações Globo ainda desfrutam, o Brasil de hoje é um país diferente daquele dos anos da ditadura.

Será que a maioria dos eventuais telespectadores do JN acreditará que os “entrevistadores” são jornalistas imparciais, independentes e buscam apenas a defesa do interesse público?

Será que, em tempos de mudanças radicais no setor de comunicações, a aposta da Rede Globo não estaria equivocada e o seu imenso poder não estaria melhor servido se exercido nos limites mínimos de respeito aos políticos, à política e às instituições políticas da democracia representativa dentro da qual opera e sobrevive como oligopólio midiático?

A ver.

Venício A. Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e organizador dePara Garantir o Direito à Comunicação – A Lei Argentina, o Relatório Leveson e o HGL da União Europeia, Perseu Abramo/Maurício Grabois, 2014; entre outros livros

Veja também:

O dia em que a oligarquia “entrevistou” o comunista

Leitor lembra como a Globo tratava FHC durante racionamento de energia


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Comentários

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Rui Azevedo

É por essas e outras que quase todo brasileiro sabe quem é William Bonner e quase ninguém sabe quem é o tal de Venício Lima!

    Luiz Carlos Azenha

    Não. É que o Bonner aparece no Jornal Nacional e o Venício não. Por motivos óbvios.

    Rui Azevedo

    O Jornal Nacional não é a única forma de alguém tornar as próprias idéias conhecidas. Se colocar o Venício Lima para apresentar o Jornal Nacional, ele vai continuar um ilustre desconhecido. Será demitido nas primeiras semanas por levar o JN aos índices de audiência do Jornal da Record, que te garanto, pouca gente sabe quem são os apresentadores!

Cláudio

Com Dilma, a verdade vai vencer a mentira assim como a esperança já venceu o medo (em 2002 e 2006) e o amor já venceu o ódio (em 2010). ****:D:D . . . . ‘Tá chegando o Dia D: Dia De votar bem, para o Brasil continuar melhorando!!!! ****:L:L:D:D ****:D:D . . . . Vote consciente e de forma unitária para o seu/nosso partido ter mais força política, com maioria segura. . . . . ****:L:L:D:D . . . . Lei de Mídias Já!!!! ****:L:L:D:D ****:D:D … “Com o tempo, uma imprensa [mídia] cínica, mercenária, demagógica e corruta formará um público tão vil como ela mesma” *** * Joseph Pulitzer. ****:D:D … … “Se você não for cuidadoso(a), os jornais [mídias] farão você odiar as pessoas que estão sendo oprimidas, e amar as pessoas que estão oprimindo” *** * Malcolm X. … … … Ley de Medios Já ! ! ! . . . … … … …:L:L:D:D

Snowden

Bonner levando um esculacho de Requião seria cõmico. Mas ele não se atreve.

Maria Carvalho

Esse publicitário, Bonner Simpson, só faz isso na “bancada” do jn, por que é um “pau-mandado”, precisa garantir o “dindin”, mas, na hora de votar ele escolhe a Dilma!

Jorge

Azenha

O pessoal(intelectual e inteligente) da globo não é bobo. Perceba: eles exploram ao limite o drama e a ficção; o lícito sempre muito próximo ao ilícito e Nelson Rodrigues comanda a festança nacional sem esquecer macunaíma de Mario de Andrade.
Eles escolhem os mauricinhos de saias da vez. Os infelizes ainda se acham. É mole? Haja espírito e senso democrático para não chamar todos de fdps.

Cláudio

Pesquisa? Pesquisa?? Pesquisas são feitas, no Brasil (e em outras partes do mundo), para encontrarem o resultado que o seu patrocinador (delas, pesquisas) quer e são manipuladas de modo a tentarem influenciar artificialmente, com o viés que tal patrocinador pretenda dar à opinião pública, para justificarem um resultado que esse patrocinador quer alcançar. Como dizia a Sylvia Massari, através da personagem-marionete Maria Santa, no humorístico A Praça é Nossa: “Lá vem o Golpe! Olha o Golpe aí, gente!!”. Com Dilma, a verdade vai vencer a mentira assim como a esperança já venceu o medo (em 2002 e 2006) e o amor já venceu o ódio (em 2010). ****:D:D . . . . ‘Tá chegando o Dia D: Dia De votar bem, para o Brasil continuar melhorando!!!! ****:L:L:D:D ****:D:D . . . . Vote consciente e de forma unitária para o seu/nosso partido ter mais força política, com maioria segura. . . . . ****:L:L:D:D . . . . Lei de Mídias Já!!!! ****:L:L:D:D ****:D:D … “Com o tempo, uma imprensa [mídia] cínica, mercenária, demagógica e corruta formará um público tão vil como ela mesma” *** * Joseph Pulitzer. ****:D:D … … “Se você não for cuidadoso(a), os jornais [mídias] farão você odiar as pessoas que estão sendo oprimidas, e amar as pessoas que estão oprimindo” *** * Malcolm X. … … … Ley de Medios Já ! ! ! . . . … … … …:L:L:D:D

Elias

#nãovaiterdebatenaglobo

Ah! se essa hashtag pegasse!

Tô de Olho na oPósição

“Se uma candidata, no exercício da Presidência da República, pode ser destratada de forma agressiva e descortês publicamente em uma rede de televisão, por que não pode fazer o mesmo um cidadão comum?” ou um grupo de pessoas dirigir-se a Presidenta de maneira totalmente desrespeitosa, como na abertura da Copa!!!
O PIG(*) dá o exemplo, mas acontece que seus repórteres tem de ficar de longe como nas últimas manifestações ou correm risco. A população não é boba. Ainda não aprenderam isso! Ainda não entenderam que falta de respeito dá nisso e que vale para todos?

Mário SF Alves

Resumo da ópera:

Sem o imprescindível conhecimento da História, a imensa maioria nós será eternamente objeto da ESTÓRIA; de qualquer estória.

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E pior, em POLÍTICA, se em lugar de sujeitos da História, nos mantivermos como apáticos objetos da estoria, decerto continuaremos a ser vítimas objetivadas de certas [redes e escabrosas] estórias.

FrancoAtirador

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O Simpson Raivoso afundou a audiência do Jornal Nacional.

Agora, a Rede Globo teve de fazer um baita marketing

com a Sondagem Eleitoral do IBOPE, para recuperar os pontos.
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25/08/2014
O Planeta TV

Jornal Nacional atinge pior audiência da história

Telejornal perde 30% do público

O Jornal Nacional (TV Globo) atingiu novo recorde negativo de audiência
na última sexta-feira (22/8), segundo dados consolidados do Ibope na Grande São Paulo.

(http://oplanetatv.clickgratis.com.br/noticias/audiencia-da-tv/jornal-nacional-supera-recorde-negativo-de-audiencia.html)
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26/08/2014 16:00
Portal Imprensa

Ibope desmente colunista da ‘Veja’
que divulgou resultado de pesquisa eleitoral

Por Lucas Carvalho com supervisão de Vanessa Gonçalves

A assessoria de comunicação do Ibope informou que os resultados oficiais da pesquisa de intenção de votos para presidente da República serão divulgados na edição desta terça do ‘Jornal Nacional’, da Rede Globo.

Além disso, o instituto desmentiu o colunista da Veja também no Twitter, reafirmando que a pesquisa ainda não foi finalizada.

Em seu texto, Lauro Jardim diz que Dilma Rousseff (PT) está empatada tecnicamente com Marina Silva (PSB) na disputa pela Presidência, indicando a data em que os eleitores foram entrevistados e a quantidade de respostas coletadas.

A revista Exame e o jornal O Tempo repercutiram a informação do jornalista na internet.

O segundo, porém, atualizou o texto com a reposta do Ibope
(http://www.otempo.com.br/cmlink/hotsites/elei%C3%A7%C3%B5es-2014/colunista-antecipa-ibope-com-dilma-e-marina-empatadas-1.905715).

(http://www.portalimprensa.com.br/noticias/brasil/67729/ibope+desmente+colunista+da+veja+que+divulgou+resultado+de+pesquisa+eleitoral)
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Caracol

Requião, Léo? Eu gostaria de ver esse babaca do Bonner se cagando ao entrevistar o Brizola.
Imagine a cena:
Brizola: – Corrupção, William Bonner? Você quer falar de corrupção? Está bem, falemos de corrupção. Mas primeiro… mostra o DARF!

Mário SF Alves

Ele só fez o que fez porque no Brasil a presidente não foi SUFICIENTEMENTE eleita pelo povo. Se fosse… hummm… duvido que tivessem sido tão arrogantes e “audaciosos”.

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Parágrafo Único, do Art. I, CF de 88:

“Todo poder emana do povo…”

Será?

Ah, se fosse.

Mário SF Alves

‘Ora, a Globo, cavalo-de-troia predileto dos SPYsatates, sabe onde ela cata seus coquinhos. Afinal, desde quando tal empreendimento tem tido plenos poderes para cevar o povo brasileiro? Desde a ditaduta militar, não?
_________________________________
Pois é, agora ela acha que é a hora de jogar a Rede de Insustentáveis Externalidades Financeiras.

Vai que cola. Vai que os peixinhos já estejam devidamente cevados.

O importante, o crucial, o fundamental, o inadiável, o inegociável é impedir, custe o que custar, essa reeleição do PT, né não [todas as] Redes?

Mário SF Alves

“A postura imperial dos “entrevistadores” denotava a assimetria de poder expressa na arrogância investida de autoridade autoatribuída de fiadores do interesse público. A postura dos “entrevistados” implicava a aceitação da inevitabilidade de serem submetidos a uma inquisição pública em rede nacional de televisão, sem qualquer garantia sobre a forma como seriam “tratados” e/ou em relação à equidade do tempo concedido para resposta das “perguntas” feitas ao vivo.”
_____________________________________
Ora, a Globo, cavalo-de-troia predileto dos SPYsatates, sabe onde ela cata seus coquinhos. Afinal, desde quando ela tem tido plenos poderes para cevar o povo brasileiro? Desde a ditaduta militar, não? E, em se tratando dessa mídia corporativa, udou alguma coisa [pra melhor] com o advento da redemocratização?

______________________________________________________
Apenas Democracia Política já nos basta? Basta-nos só a democracia política hoje exescida pelo Poder Executivo da República?

Até quando hão de perdurar os malefícios e a anti-política das ditaduras midiática e econômica no Brasil?
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Afinal, onde começa o Brasil e onde termina o BraZil?

Leandro_O

Eu, como parte do povo, legítimo detentor do poder, não concordo com a concessão da faixa de onda eletromagnética para que se faça jornalismo e programação medíocre e manipuladora do jeito que esse pessoal faz. Quem está errado aqui é quem permite que essa concessão permaneça no tempo.

    Mário SF Alves

    Já reclamou com o velhaco Tio Sam?

    Afinal, a serviço e sob orientação de quem ela desenvolveu tão fabuloso dom de cevar o povo brasileiro?
    ___________________________________

    Haja hospedeiro e hospedarias pra imcubar tamanha quantidade e diversidade biológica de vírus.

    ____________________________________________________
    Ah, não demora muito e estarão versados no que há de mais moderno e sofisticado em termos de discurso ambientalista. Aguarde-se uns dias e vamos ver.

    lulipe

    Acho que os “Marinhos” vão ficar sem dormir de preocupação, Leandro!!!

    Leandro_O

    Pois é, acho que vocês não entenderam. Se o PT está sendo tão atacado assim pela mídia, está esperando o que para fazer a democratização? Enche o saco ver defensores do PT reclamando toda hora da Globo e não ver quaisquer atitudes para mudar isso. Ficam se fazendo de vítima mas parece que preferem deixar assim.

HANS

SIONISMO: CANCER DO PLANETA!!!

Léo

Gostaria de ver o Bonner entrevistando o Requião.

Não tenho duvida, que o video da entrevista que o Bonner fez à Dilma, vai se tornar objeto de estudo e tese em diversas escolas de comunicação do mundo.

    Gersier

    Isso também já passou pela minha cabeça.O Requião colocaria esses patetas arrogantes no seu devido lugar.Nunca dei ou passei procuração a nenhum jornalista,principalmente os pseudos do PIG,para me representar.Como disse o saudoso maluco beleza,”mentir sozinho eu sou capaz”.

    Daniel

    O Bonner iria se cagar todo. Ele é de um tipo particular de pessoa que arroga poder mas amarela no primeiro momento que alguém o peita.

    Hospedagem

    Concordo! Apesar de também não gostar do Requião.

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