Venício Lima: O efeito “silenciador” da grande mídia

Tempo de leitura: 3 min

Liberdade de expressão: o “efeito silenciador” da grande mídia

Venício Lima, na Carta Maior

Desde a convocação da 1ª. Conferência Nacional de Comunicação (CONFECOM), em abril de 2009, os grandes grupos de mídia e seus aliados decidiram intensificar a estratégia de oposição ao governo e aos partidos que lhe dão sustentação. Nessa estratégia – assumida pela presidente da ANJ e superintendente do grupo Folha – um dos pontos consiste em alardear publicamente que o país vive sob ameaça constante de volta à censura e de que a liberdade de expressão [e, sem mais, a liberdade da imprensa] corre sério risco.

Além da satanização da própria CONFECOM, são exemplos recentes dessa estratégia, a violenta resistência ao PNDH3 e o carnaval feito em torno da primeira proposta de programa de governo entregue ao TSE pela candidata Dilma Roussef (vide, por exemplo, a capa, o editorial e a matéria interna da revista Veja, edição n. 2173).

A liberdade – o eterno tema de combate do liberalismo clássico – está na centro da “batalha das idéias” que se trava no dia-a-dia, através da grande mídia, e se transformou em poderoso instrumento de campanha eleitoral. Às vezes, parece até mesmo que voltamos, no Brasil, aos superados tempos da “guerra fria”.

O efeito silenciador

Neste contexto, é oportuna e apropriada a releitura de “A Ironia da Liberdade de Expressão” (Editora Renovar, 2005), pequeno e magistral livro escrito pelo professor de Yale, Owen Fiss, um dos mais importantes e reconhecidos especialistas em “Primeira Emenda” dos Estados Unidos.

Fiss introduz o conceito de “efeito silenciador” quando discute que, ao contrário do que apregoam os liberais clássicos, o Estado não é um inimigo natural da liberdade. O Estado pode ser uma fonte de liberdade, por exemplo, quando promove “a robustez do debate público em circunstâncias nas quais poderes fora do Estado estão inibindo o discurso. Ele pode ter que alocar recursos públicos – distribuir megafones – para aqueles cujas vozes não seriam escutadas na praça pública de outra maneira. Ele pode até mesmo ter que silenciar as vozes de alguns para ouvir as vozes dos outros. Algumas vezes não há outra forma” (p. 30).

Fiss usa como exemplo os discursos de incitação ao ódio, a pornografia e os gastos ilimitados nas campanhas eleitorais. As vítimas do ódio têm sua auto-estima destroçada; as mulheres se transformam em objetos sexuais e os “menos prósperos” ficam em desvantagem na arena política.

Em todos esses casos, “o efeito silenciador vem do próprio discurso”, isto é, “a agência que ameaça o discurso não é Estado”. Cabe, portanto, ao Estado promover e garantir o debate aberto e integral e assegurar “que o público ouça a todos que deveria”, ou ainda, garanta a democracia exigindo “que o discurso dos poderosos não soterre ou comprometa o discurso dos menos poderosos”.

Especificamente no caso da liberdade de expressão, existem situações em que o “remédio” liberal clássico de mais discurso, ao invés da regulação do Estado, simplesmente não funciona. Aqueles que supostamente poderiam responder ao discurso dominante não têm acesso às formas de fazê-lo (pp. 47-48).

Creio que o exemplo emblemático dessa última situação é o acesso ao debate público nas sociedades onde ele (ainda) é controlado pelos grandes grupos de mídia.

Censura disfarçada

A liberdade de expressão individual tem como fim assegurar um debate público democrático onde, como diz Fiss, todas as vozes sejam ouvidas.

Ao usar como estratégia de oposição política o bordão da ameaça constante de volta à censura e de que a liberdade de expressão corre risco, os grandes grupos de mídia transformam a liberdade de expressão num fim em si mesmo. Ademais, escamoteiam a realidade de que, no Brasil, o debate público não só [ainda] é pautado pela grande mídia como uma imensa maioria da população a ele não tem acesso e é dele historicamente excluída.

Nossa imprensa tardia se desenvolveu nos marcos do de um “liberalismo antidemocrático” no qual as normas e procedimentos relativos a outorgas e renovações de concessões de radiodifusão são responsáveis pela concentração da propriedade nas mãos de tradicionais oligarquias políticas regionais e locais (nunca tivemos qualquer restrição efetiva à propriedade cruzada), e impedem a efetiva pluralidade e diversidade nos meios de comunicação.

A interdição do debate verdadeiramente público de questões relativas à democratização das comunicações pelos grupos dominantes de mídia, na prática, funciona como uma censura disfarçada.

Este é o “efeito silenciador” que o discurso da grande mídia provoca exatamente em relação à liberdade de expressão que ela simula defender.

Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Publisher, 2010.


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Comentários

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Ricardo

Caro, gostaria de divulgar a promoção que a Rede Brasil Atual faz no twitter, sorteando livros do Venício.

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Abraços
Ricardo

Ed.

A grande mídia, sintetizada como PIG, é como aquele cara de voz encorpada, mais forte, filhinho de pai rico e que entra na discussão falando mais grosso e não deixando ninguém falar! é o "bão"!
Tipicamente acaba com a discussão, pouco contribui e não deixa outros contribuirem.
Ainda tipicamente, não passa de um tolo, sofredor de paradoxal idiotia crônico-aguda…
Em vez de contribuir para novas idéias, espalha prejuizos, conflitos, ressentimentos. Mas garante os amigos.
Hoje esse "cara" anda meio surpreso e perdido com a ousadia de uma baixinha, perpicaz, muito inteligente e instruída com uma enorme bagagem de conhecimento, experiência e diversidade. E de várias lutas marciais também.
O apelido dessa "baixinha" é Internet.

chanceLer

Buscando uma nove ordem do discurso o Estado tem de tomar a dianteira para garantia da manifestação dos sem-vozes.

PEDRO COSTA

AZENHA constantemente nao estamos conseguindo acessar o blog do PHA, hj por exemplo.
Esatdo ES Com certeza tem algo errado por ai.

Supertramp68

Falando em "silenciador", no dia 26/07/10 prenderam no aeroporto, mataram na cadeia e o cremaram. E fez-se o silêncio. Yves Hublet, das bengaladas ao pó. A primeira vitima dos barões vermelhos do poder morre nos porões da neoditadura popular petista.
A Dama de Ferro vem ai…

    Cleverton Silva

    Belo roteiro de ficção! Oscar para ele!

    Helcid

    ok, ok, ok … mais uma moedinha pelo seu "stand-up comedy"… próximo troll, por favor !

    Carlos

    "prenderam no aeroporto, mataram na cadeia e o cremaram. E fez-se o silêncio."

    Quem prendeu? Quem matou? Quem mandou cremar?
    Quem deu ordens para? Quem silenciou?
    Sabes de alguma coisa sobre? Então denuncie ao MP, à PF, à…

    Valmont

    Mais um soldadinho de chumbo das hostes serristas.
    Esse pessoal é digno de pena. Deve ganhar uma merreca.

    Ed.

    É … provavelmente mataram o velhinho por ordens expressas de Lula, lá do seu "bunker da maldade".
    Yves era uma "ameaça" ao seu governo, "tirânico e ditatorial"!
    Tanta ameaça que quase ninguém sabe quem é ou se lembra dele, bom amigo de Olavinho.
    Está na cara que vc não viveu uma ditadura, pois não teria a liberdade de estar por aí publicamente falando mal do governo. Deveria valorizar e não fcar blasfemando asnices. Mas tem inclusive esse direito!
    Por fim, se a "Dama de Ferro" vem aí, a direitona deveria estar em alvoroço, gostando muito!
    Das duas uma: ou vc é "auto contraditório"… Ou simplesmente não sabe o que fala…

Razek Seravhat

Entendo suas ponderações. Mas se estamos preocupados com a democracia e não com a economia, devemos participar de um debate que escute todos os projetos, do mais idealista até o mais prático. Do contrário, estaremos participando de uma farsa e não é isso que queremos. Certo?

    Ed.

    Não quis mencionar projetos idealistas e práticos, mas sim que (p.ex.) uma discussão de 1 hora ouvindo todas as idéias e posições de, digamos, 154 pessoas, é pouco prática. Mas, idealmente, seria melhor!
    Creio que a Internet ainda virá viabilizar muitos debates que hoje são, idealmente, menos ricos, apenas por questões de viabilidade, que ela, Rede, está trazendo.
    Ex: Matérias sendo "votadas" no congresso há mais de 10 anos, processos na Justiça de mais de 20 anos são exemplos de ineficácia pelo "motivo" democrático (que sou favorável) de escutar tudo e a todos.
    Leis que perdem sua razão temporal de ser… Pessoas envolvidas em processos, que morrem antes…
    Não estou condenando os principios, apenas precisamos viabilizá-los…sempre e cada vez mais!

Urbano

A liberdade de expressão do pig consiste apenas nas suas meias-verdades expressas.

Roberto Locatelli

Além da fúria da carcomídia contra:

1) a Conferência Nacional de Comunicação (Confecom)
2) o novo Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH3), eu acrescentaria
3) a fúria contra o PNBL (Plano Nacional de Banda Larga), que incluiu a reativação da Telebras.

Três tímidos passos do Governo no sentido de uma sociedade mais justa e igualitária que a mídia golpista tenta matar no nascedouro. E eles, os donos da velha mídia, ainda se arrogam os únicos defensores da liberdade de expressão…

    Gersier

    Acrescento
    4) o bombardeio sem trégua ao Pré Sal
    5) ,ao ENEM,
    6) as cotas raciais
    Amenzaramas críticas ao Bolsa família depois que o serrágio disse que iria duplicar o valor da mesma.

Nelson Menezes

Calma-la, se eu conheço bem a direitona ela vai tentar dar o golpe final.
O pessoal da segurança da Dilma e do Presidente Lula, que fiquem atentos.

Razek Seravhat

Texto pertinente. E já que o ilustre Doutor citou que a liberdade de expressão está ameaçada. Pergunta-se: Uma imprensa que a mais de vinte anos cobre as eleições, isto é, a chamada democracia representativa, não já deveria saber respeitar todas as ideias e assim propiciar um encontro com todos os presidenciáveis e não somente cumprir o que a lei eleitoral determina? Sinceramente, gostaria de saber sua opinião a respeito desse assunto? Questiono isso porque até o mundo digital, que aparentemente parece ser mais democrático, organizou um debate e convidou apenas três propostas. O que seria isso: ditadura do capital.

Grato

Ternura sempre!

Razek

    clemes

    Razek, que três propostas? A que debate vc se refere? Abs

    Razek Seravhat

    Recentemente houve um debate organizado pela ig, uol e companhia e só foram convidados os três candidatos: Dilma, Serra e Marina. Repito: O que seria isso: ditadura do capital.

    Ed.

    Desculpe entrar na conversa, mas isso atende pelos nomes de relevância e objetvidade, Razek.
    Vc sabia que nas eleições americanas costuma haver dezenas de candidatos?
    A maioria assimila que é Bush x Kerry, McCain x Obama (acho que 39 candidatos à presidência), etc.
    Estou contigo na intenção da máxima participação de todos. Mas há limitações práticas, e não "censoras".
    Eu também gostaria de dar minhas opiniões nos debates. Mas contando os "votos" da família e amigos, daria aí uns 40 (???) / 190.000.000 de avos da população. Se quiser, terei que trabalhar parã chegar lá!

    Carlos

    Explicações devem ser cobrados dos organizadores dos tal debate.

    Razek Seravhat

    Eu nãp pedi explicação. O que eu pedi foi a opinião a respeito de um determinado assunto.

    Razek Seravhat

    Eu não cobrei explicações. O que eu pedi foi a opinião a respeito de um determinado assunto.

    Cezar

    Rezek, quer dizer que o mundo digital "parece" democrático? Será que sim? Ou será que não? Só de estar escrevendo e ninguém me podando, visto que não estou ofendendo ninguém, já posso considerar a que é democrática. No mais: Viva a blogosfera!! Viva a democracia!!!

    Razek Seravhat

    Pode ser. Mas note que ainda é pouca a porcentagem de brasileiros que possui acesso ilimitado ao mundo virtual. Isso é democrático? E por fim uma pergunta cabulosa para você refletir: Já pensou se Galileu tivesse se contentado em construir apenas o termoscópio?

Jairo_Beraldo

Algumas coisas vale a pena prestar atenção nestas eleições. Tem coisas nela que ninguém verá novamente. Pelo menos nos próximos 50 anos. É bom prestar atenção e gravar todas as declarações que são proferidas pelos nossos ilustres representantes da moribunda direita brasileira. Em breve, eles não mais existirão. De novo, só daqui a 50 anos. Talvez.

    Valmont

    Não sei não, Jairo. A política surpreende até aos mais escaldados e calejados.
    Oremos e vigiemos para que os demotucanos não voltem a nos assombrar jamais.
    Isto é apenas fé.
    Quem acreditaria que um político como Paulo Maluf ainda estaria disputando eleições no Brasil de hoje?
    Precisamos melhorar muito, especialmente na educação. Esta é uma revolução que precisa ser construída.
    Dilma Roussef promete valorizar os SALÁRIOS dos professores e isto é um ponto fundamental, porque ninguém é valorizado, de fato, apenas com elogios e tapinhas nas costas. Também não adianta investir milhões na construção de escolas e na aquisição de equipamentos se não se valoriza o principal elemento do serviço educacional que são os profissionais da educação.
    Esta é uma promessa a ser cobrada e acompanhada em seu cumprimento por todos, mesmo por nós que não somos trabalhadores da educação.
    Eu acredito nela.

Emília

A Grande Mídia diz que os governos que censurar a imprensa, mas isso não é necessário, pois 'ditadonos' da Grande Mídia já fazem esse papel muito bem e, o que é pior, transformam-se eles mesmo ditadores. Como podem criticar os Chavez, os Aiatólas iranianos, os Chineses, or nortecoreanos e tantos outros? Infelizmente, perdemos todos nós com isso. Continuamos a cometer os mesmos erros dos nossos antepassados. Somos 'sapiens' aonde?

monge scéptico

Parabéns!. O que nos consola, é que pelo alguma coisa pode-se discutir nessa rede de
computadores, on de tenho lido pessoas muito bem informadas e talentosas. Quiça pa-
-triotas. Ontem vi a cureau na Tv pública. Comentar? NÂO!

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