Urariano Mota: O brasileiro e o disco voador

Tempo de leitura: 3 min

Se um brasileiro descer num disco voador

Urariano Mota, no Direto da Redação

O que faria um brasileiro de volta ao Brasil, depois de anos em outra estrela ou planeta?

Vamos supor que voltasse pelo aeroporto. A primeira coisa que perguntaria era se não se enganou de tempo, lugar ou pouso. Em vez de aeroporto, não teria pousado em uma estação rodoviária? Avião teria virado ônibus? Pois espantado e com espanto veria a cara dos que embarcam ou desembarcam. Que é isso? Entre pessoas educadas, aquelas que se distinguem pela altura da voz, tom, palavras, roupas, modos, cor da pele e, até, um certo ar no andar, veria gente, gentinha, sem modos e classificação. Ali, na mesma fila das melhores, por tradição, gente, descobriria pessoas, pois, por todas as condições do esqueleto nos raios x deviam ser pessoas, enfim, veria indivíduos com caras de subalternos ao lado de pessoas de terno laptop e revista Veja. Que constrangimento. Como podem viver tais dessemelhantes lado a lado?

Talvez acasos do aeroporto nessa hora e semana, pensaria. Então ele, entre absorto e tonto, sentaria no restaurante e pediria uma cerveja. Mas pediria aos gestos e voz de comando, como antes, do antes de sua partida do Brasil. Pois não é que, ao ser atendido, ele notaria que na expressão do antigo e servil empregado existe agora uma feição de contrariedade? Algo como, digamos, “o senhor não é melhor que eu, por que me trata dessa maneira?”. E como o jovem, ou a jovem, abusada ou abusado, já se vê, conduzia também facas e garfos, ele daria uma gradação mais suave à sua maneira de terráqueo brasileiro de antes. Que constrangimento. Como é possível que pessoas diferentes recebam trato de remoto semelhante?

Então ele, antes de ganhar a rua, passaria na revistaria, ou banca de revista, como se diz no Recife. Ah, que bom, o brasileiro que voou para outra estrela e volta notaria que as revistas e jornais são tão boas quanto antes. As capas, mais coloridas, as caras da melhor cara mais bonita, os anúncios dos carros mais avançados, as colunas para a gente que vive na Europa e por acaso habita no Brasil continuam. Aqui o tempo não passou, pensa. É o bom Brasil de antes. E ganharia a rua, pelo caminho do táxi. A outra surpresa é o motorista. Ele pareceria um ser igual a ele, retirada a condição de taxista, of course. Pois não é que o inferior fala de história, de política, até, creia, de cultura e música, como se fosse um homem? O que é isso, que tempos são estes? Então, ao ver um aparelho de televisão, pede ao motorista para se atualizar com o noticiário.

— O senhor não prefere música? A tevê mente muito.

— Não, eu quero ver, por favor. (Em dúvida, rápido, aprendeu a usar “por favor”.)

Era a hora da propaganda eleitoral. Então o passageiro viu aparecer um barbudo, “é o Lula!”, ele se disse, mas era um Lula mais sereno, ponderado, a falar algumas coisas estranhas como redistribuição de renda, Brasil respeitado em todo o mundo, e, até mesmo, recomendar uma mulher, ex-presa política, como candidata à presidência do Brasil. Que é isso? Depois veio um careca, de olhos arregalados, sempre assustado, certamente com as coisas que o cidadão do disco voador via. O careca falava dos males da saúde, dos cuidados com a saúde, de educação com dois professores por sala, de segurança, da sujeira dos petistas, ah, sim, aqui, sim, estava o velho Brasil.

Então o nosso brasileiro foi aos correios, como antes, para dar notícias aos antigos que chegou e está de volta. Para quê? Viu pessoas que nunca viram telegramas, que não sabem nem sequer se isso se come, que se metiam a enviar correspondências, atrapalhadas entre destinatário e remetente, era certo, mas ainda assim mui metidas a gente, perguntando as coisas mais disparatadas, mas metidas onde nunca fora o seu lugar. Em muitos pôde observar que ligavam de celular, tomavam água mineral, até mesmo comiam iogurte. Outros batiam e se batiam fotos. E, ousadia, vestidos em roupa de gente!

Que tempo, que costumes. O que acontecera? Até parecia ter havido mudança na renda dos antigos brasileiros, e para melhor. Até parecia que todos copiavam a classe média como uma xerox absurda. Então o nosso extraterrestre pensaria em voltar para o seu casulo, mas que não fosse tão distante. Por isso compraria uma banca de revistas com televisão e rádio, e passaria a viver nessa estrela todos os dias. No ar e no papel do Brasil tudo estaria como antes. Que sorte, voar para uma nova galáxia sem sair do ex-mundo.

(Esse texto à feição de Fernando Soares, jornalista e escritor, vai em sua homenagem. Saúde, amigo.)


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Comentários

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@sergiobio

Ué… será que esse brasileiro é o Paulo Francis?

anônimo

mudou muito mas muito pouco.
precisa mudar mais.
favela, por exemplo, não precisa.
escola pública federal, de alto a baixo.
segurança pública, fim de tortura na delegacia.

Hilário

Para alertar os viajantes, seria bom que a Dilma homenageasse em seus últimos programas, grandes brasileiros como Jamil Haddad, Jorge Uequed, Marta Suplicy indicando suas principais realizações… hihihihi

Wanderson Aguilar

Engraçado esses dias o meu professor na Faculdade falava desse admiravel mundo onde a empregado domestica dele já havia comprado uma TV LCD melhor que a dele, e já estava se preprando para comprar um moto! Vi que alguns colegas com um certo desconforto, ele sorria a ironia lhe era agradavel, muito melhor do que antes já foram as coisas…

Fora isso proponho aos amigos navegantes o seguinte exercicio mental, um pouco exdruxulo mais divertido, imaginem como estaria o país se os tucanos tivessem ganhado em 2002, conversando com amigos meus chegamos a conclusão que estariamos a beira de guerra civil, sem contar o clima de instabilidade politica com a direita a planejar e executar golpes de estados a torto de direito.

De uma certa forma o meu primeiro voto em 2002, somados ao de milhões de brasileiros ajudou a salvar o País do pricipicio e de quebra a deter, ou pelo menos desincentivar, o impeto golpista das elites Latino-americanas.

Como houvi esses dias no Buzú vamos botar a "mulher" de Lula na Presidência e garantir mais oito anos de prosperidade para nação.

Mônica Rangel

O pior são aqueles que, além de não saírem daqui, não aceitam essas mudanças. Não admitem como disseram aqui outro dia, que a sua "empregada use aparelho nos dentes" ou que o zelador do prédio "chegue para trabalhar com seu próprio carro".Se sentem ameaçados, tolhidos, diria até mesmo "infelizes", com saudade dos tempos de outrora. Meus queridos psicólogos e psiquiatras de plantão, preparem-se! Sinto que terão muito trabalho pela frente! Aqui ou quiçá em alguma galáxia distante…

Baixada Carioca

Com boa dose de humor, Urariano revela o pensamento do PIG e dessa turma do PPSDemB. Freire sente saudades daqueles tempos em que ele era uma voz ouvida e respeitada no velho Partidão. O careca com o seu nariz empinado a tratar o povo como se deixassem ser manobrados e com um arrogante que manda e desmanda no país [na sua campanha na TV diz que levou água pro nordeste. Ele pensa que o nordestino não tem cérebro? Que não pensa? Que não tem memória? O que pensa esse rapaz? (PHA)].
Talvez fosse o momento dessa turma arranjar outra galáxia pra viver. Aqui já tem povo demais numa faixa da pirâmide social onde não é possível manipular.

iamoraes

Apezar de Minas, o Brasil mudou demais. Minha irma saiu do Brasil em 70 e esta maravilhada com o que viu das duas ultimas vezes. Eu sai de la em 80 e tambem fiquei sinceramente surpreso quando fui. Conheco uma unica pessoa que saiu do Brasil ha 40 anos e nunca voltou, no entanto, nem pra visitar. Ela esta felicissima em Long Island e nunca mais olhou pro Brasil… esse estrago eh permanente.

    Jairo_Beraldo

    Apesar de Minas? Não seria apesar de São Paulo?

william porto

Qualquer um, até um extraterrestre, nota que o país mudou. Para melhor. É claro que existe injustiças, mas há avanços sociais e na área da cidadania. A direita não aceita isso e então está criando toda sorte de factóides para evitar que Dilma se eleja e avance no social e na cidania. Acho que devíamos mandar essa reação fascista para outra galáxia.

    Jairo_Beraldo

    Injustiças sempre vão haver. Mas o Brasil mudou em um lado. O outro lado, o cultural, ainda vai ter que lapidar muitas vezes.

    Baixada Carioca

    Não generalize William. Já ouviu Míriam Leitão? Sardemberg? Merval Pereira? Jabor?

Luis Armidoro

Para a mudança ficar completa, todos os tucanos (dirigentes, "simpatizantes") e assemelhados (DEMOs e outros tipos de capetas) deveriam ter seus filhos matriculados nas escolas públicas paulistas, trafegar sem carro oficial e batedor (usando os eficientes serviços de ônibus e metro existentes em SP), usar os avançados serviços do SUS paulista (principalmente aqueles tercerizados para as Organizações $ociai$). Enfim, parar de encher o saco e acordar para a realidade trevosa que é o estado de SP

    simas

    Kakakkkkkk!!!… Mta sacanagem, Luís. Pô! Vc foi direto, demais.,.. em linha, reta. Vc foi torturado e aprendeu a ser mau? O Urariano foi mais sutil. Nem senti…

francisco.latorre

mundo muda mudou.

viva.

..

GeorgeLuckas

este outro planeta ou estrela está aqui no próprio Brasil, …as elites ainda não vêem que o país está mudando e esta nova mudança exige adaptação por sua parte

    Jairo_Beraldo

    A pseudo elite, GeorgeLuckas.

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