Luana Tolentino: Padre de Minas diz que Lula é um câncer. Não, câncer é o fascismo!

Tempo de leitura: 5 min
Lula com Marinete da Silva e Anielle Silva, mãe e irmã da vereadora Marielle Franco. Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

Lula conforta Marinete da Silva e Anielle Silva, mãe e irmã de Marielle Franco. Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

por Luana Tolentino, especial para o Viomundo

Escrevo esse texto ainda impactada pelo episódio da prisão de Lula.

Na verdade, desde a noite do dia 14 de março, data do assassinato de Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, um sentimento de tristeza, de vazio se instalou em mim.

É uma sensação que jamais experimentei na vida. Não sei explicar.

A morte de Marielle Franco e a prisão de Lula frustraram uma série de sonhos.  O sonho de um país mais democrático, igualitário, justo. Talvez seja daí que advenha a minha dor.

Desde muito cedo, aprendi a resistir. Ao longo da minha vida, por diversas vezes resisti à precaridade material. Resisti à precariedade afetiva. Resisti às humilhações durante o período em que trabalhei como empregada doméstica. Resisti à alienação provocada pela violência racista.

No alto dos meus 34 anos, sigo resistindo.  Na sala de aula, nas ruas, nos movimentos sociais. Resisto através da minha fala e da minha escrita.

Encontro resistência ao ver os meus colegas erguendo bandeiras, exigindo a liberdade de Lula nos atos Brasil afora. Vê-los nas ruas, em São Bernando do Campo na sexta e no sábado passados, asserenou o meu coração.

Também encontro resistência lendo, estudando. Sinto necessidade de compreender de que maneira opera a sociedade brasileira.

Penso eu que o que vivemos hoje tem como cerne o fato do Brasil ser “um país que se ergueu na desigualdade e se alimenta dela”, conforme elucidou o professor da UERJ Gaudêncio Frigotto. Sendo assim, qualquer possibilidade de mudanças nessa estrutura perversa correrá sérios riscos de ser abortada.

Na semana passada, li o artigo “As cidades mutiladas”, do grande Mestre Milton Santos. As palavras do intelectual baiano vão ao encontro do pensamento de Gaudêncio Frigotto.

Talvez seja um trecho longo para um texto a ser publicado na internet, mas dada a precisão, achei por bem reproduzi-lo aqui:

Me pergunto se a classe média é formada por cidadãos. Eu digo que não. Em todo o caso, no Brasil não o é, porque não é preocupada com direitos, mas com privilégios. O processo de desnaturalização da democracia amplia a prerrogativa da classe média, ao preço de impedir a difusão de direitos fundamentais para a totalidade da população. É o fato de que a classe média goze de privilégios, não de direitos, que impede aos outros brasileiros ter direitos. E é por isso que no Brasil quase não há cidadãos. Há os que não querem ser cidadãos, que são as classes médias, e há os que não podem ser cidadãos, que são todos os demais, a começar pelos negros que não são cidadãos.

No trecho acima estão expressos o ódio aos pobres, às políticas de inclusão social implementadas ao longo dos 13 anos dos governos do PT.

Através do Bolsa-Família, do PROUNI, do Programa Luz para todos, do Minha Casa, Minha Vida, do Crédito Rural, da política de Cotas, sancionada pela presidenta legitimamente eleita Dilma Rousseff,  e de  tantos outros programas, aqueles a quem a cidadania sempre foi negada, puderam exercê-la.

“Lula me deu o direito de ser gente!”, escreveu uma senhora no facebook.

Arrisco a dizer que esse foi o maior crime cometido por Lula. A condenação, seguida pela prisão se deve ao fato do ex-operário ter ousado mexer na se estrutura escravocrata do país. A elite, as classes médias jamais o perdoarão por isso.

Contudo, o médico psiquiatra Joel Birman nos lembra que o ódio às classes populares não é algo novo no país.

Segundo o professor do Instituto de Medicina Social da UERJ, “o fascismo é algo instituído no Brasil.”

Birman explica que

“nós tivemos uma abertura nova e agudizadora desse fascismo desde o segundo turno das eleições presidenciais [de 2014]. Não resta dúvida de que a direita assumiu uma retórica de violência, de não suportar a existência da diferença, de transformar o diferente em inimigo, o adversário em inimigo como forma de eliminação. (…) A forma pela qual essa transformação do diferente em inimigo a ser eliminado se cristaliza por uma alteração que é uma espécie de animalização do inimigo. (…) A direita saiu do armário no Brasil. Se antes, na época da democratização, a direita tinha vergonha de se dizer de direita porque pegava mal (…), porque era vergonhoso (…) a partir desse momento recente ela desfraldou as suas bandeiras e passa a gritar em alto em bom som o que ela é.”

Sim. A direita saiu do armário. Não há pudor.

Nas redes sociais ela se sente encorajada a espalhar preconceitos de toda ordem. Nas ruas, empunha cartazes saudando torturadores, pedindo a morte de Lula, o estupro de Dilma, a volta do regime militar.

Não há vergonha em se auto-intitular de direita. Atualmente, ser de direita é ter em mãos uma suposta superioridade intelectual e de classe.

Prova disso é o fato de um padre de Vespasiano, um dos municípios mais pobres da região metropolitana de Belo Horizonte, proferir as seguintes palavras durante a missa do último domingo (08/04):

– Lula é o câncer do Brasil e quem o apóia é um ramo desse câncer.

Vilmar, amigo querido e colega de trabalho estava lá. Absurdado, ele me contou o que foi dito pelo padre durante a pregação do Evangelho. Escrever esse texto é uma forma de publicizar a que nível o antipetismo chegou. É também uma forma de externar a minha indignação.

Câncer é uma das piores enfermidades que alguém pode ter. Talvez seja uma das únicas doenças capaz de provocar adoecimento não apenas naqueles que a sofre, mas também entre os que estão à volta.

Falo a partir da experiência de ter convivido com o câncer ao longo de um ano. Em julho próximo, completa-se cinco anos que a Miriam, minha irmã, nos deixou em decorrência de um carcinoma na cabeça e no pescoço.

O pior dos males. É assim que o padre denomina Lula. É assim que ele deve ser visto pelos fieis. Um mal cujas pessoas devem manter distância. Aquele que deveria transmitir os preceitos do respeito, da justiça e da igualdade, assim como Cristo o fez, dissemina ódio e ignorância.

É triste pensar que, ao contrário do que ocorre hoje, durante os anos de chumbo, religiosos se posicionaram contra a tortura e contra o estado de exceção. É triste pensar que em um passado não muito distante, dessa mesma Igreja Católica, emergiram nomes como Dom Helder Câmara e Dom Paulo Evaristo Arns, que dedicaram a vida à democracia e à emancipação dos mais pobres.

Fico aqui pensando de que maneira barrar essa onda fascista, na qual o diferente, aquele que pensa diferente é animalizado, é visto como um inimigo a ser exterminado, conforme afirmou Joel Birman.

Não tenho respostas para essas perguntas. Gostaria muito de ter. Estamos numa batalha também do campo das idéias, dos princípios, das mentalidades. Não pode haver luta mais difícil do que essa.

Mas uma coisa é certa: Lula não é o câncer do Brasil. A foto emblemática tirada em São Bernardo do Campo no último sábado pelo jovem fotógrafo Francisco Proner, na qual o ex-presidente é carregado por uma multidão horas antes da prisão é uma prova indelével disso.

Câncer é o fascismo que corrói esse país tal qual uma metástase.

*Luana Tolentino é professora e historiadora. É ativista dos Movimentos Negro e Feminista.


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Comentários

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RONALD

Martin Niemöller é o autor do discurso antinazista “E Não Sobrou Ninguém, que diz:
“Quando os nazistas levaram os comunistas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era comunista. Quando eles prenderam os sociais democratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era social democrata. Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista. Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu. Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse”.

João Paulo Ferreira de Assis

Gente, o pessoal tem que gravar as missas desse padre e de outros do mesmo jaez, e colocar na web, Traduzir igual fizeram com os áudios das ameaças ao Lula e enviar para o exterior. Traduzir principalmente para o espanhol, e mandar para o Papa Francisco. Na hora que o Dom Walmor (Arcebispo de Belo Horizonte) for fazer a visita AD LIMINA, o Papa lhe cobrar providências.

maria do carmo

Arnoldi Lacroix Bonett Junior bom dia, concordo!!

Alex Lula Herren

Este elemento, que se diz padre, possui o pior tipo de câncer que existe, que é o da alma. Sou católico, mas se eu presenciar um “padre” falando algo semelhante, não vai prestar.

Eduardo

Olã Luana! Quem é o boi? Ou melhor, o Padre, digo o canceroso? Pode dar nome ao boi? Pode dizer qual a igreja e seu endereço?

Rogério Bezerra

Não! O câncer são os ricos traidores donos das globos, sbts itaús e etc!
Os donos das empresas, não as empresa…

FrancoAtirador

Alguns Padres e Pastores Nãos são Dignos de serem Chamados de Cristãos

João

O câncer do Brasil tem nome: globo.

Maria Aparecida Lacerda Jubé

Vai ver esse salafrário levava uma graninha das propinas de Aécio.

Afrânio

EIS A BARBÁRIE DOS “DOCES” BÁRBAROS

Triste país onde Gilmar Mendes vira humanista
POR FERNANDO BRITO · 11/04/2018, NO TIJOLAÇO

Reportagem de Reynaldo Turollo Jr, na Folha, a mais lida neste momento em seu portal, dá ideia da monstruosidade que se formou nas elites deste país. Quando se chega ao ponto de que uma figura sombria e autoritária acaba em porta-voz da dignidade humana, é sinal de que as instituições tornaram-se mais que tolerantes, verdadeiras cúmplices da barbárie.

O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), disse nesta terça-feira (10) que pessoas que ficam indignadas com o fato de a cela do ex-presidente Lula ter um vaso sanitário, por considerarem isso um privilégio, sofrem de algum tipo de perversão.
“Onde estamos com a cabeça? Aonde foi a nossa sensibilidade? É um tipo de perversão que pessoas que foram alfabetizadas, tiveram três ou quatro alimentações durante toda a vida, se comportem dessa maneira, animalesca”, afirmou.

É assustador que um homem de direita, conservador e elitista seja um dos poucos que tem espaço para dizer esta verdade evidente, porque os demais “donos da voz” neste país revezam-se, quase todos, nos jornais e televisões para chamar de “privilégios” os direitos que deveriam se de qualquer ser humano.

Aliás, chega-se ao ponto de um candidato (e não só um) dizer que alguém preso já não é um ser humano.

Óbvio que remendam essa monstruosidade dizendo que os outros não têm. Neste caso, como há pessoas com fome, deveríamos abolir seus “privilégios” de comer três vezes por dias?

Isso não brotou do nada. Embora a semente do mal, dizem alguns, esteja disseminada em muitos, ela só viceja se lhe dão alimento e temperatura para romper a casca de civilização que, há milênios, a humanidade vem formando.

A classe dominante brasileira – e nesta não está só o capital, o rentismo, mas também os estamentos que a ele se agarram como cracas, inclusive na minha profissão – volta a assumir os seus jamais esquecidos ares de senhores de engenho, onde a senzala e o eito bastavam para os escravos e, num gesto de liberalidade, algo melhor só se alcançaria pela docilidade que os fizessem mucamas e feitores.

Esta deformação se reproduz em parte da classe média – até com mais desfaçatez. Outro dia um cidadão foi mostrado, nas redes sociais, lamentando não se poder mais “pegar uma menina de 13, 14 anos” no interior, pô-la a trabalhar como doméstica, pagar-lhe com comida e trapos e, pasmem, ainda correr o risco de ser um violador por fazer sexo com ela.

O século 19 é no 21.

O chicote desta nova servidão é, ninguém duvide, a mídia.

E quem o brande são os senhores promotores e juízes, transformados em bestas-feras, que sequer disfarçam mais o ódio, com seu discurso hipócrita.

Tão hipócrita que faz de Gilmar Mendes, o tosco ministro, alguém melhor, do ponto de vista humano, do que os Fachins e Barrosos.

Gerson Carneiro

“É sexy gritar ‘Lula na cadeia!’ ”

Adelaide Oliveira, 57 anos, eleitora de Aécio Neve, coordenadora do movimento “Vem pra Rua”, na avenida Paulista, no sábado em que o Lula foi para Curitiba.

SGuimaraes

Vai a missa e pergunte a esse pabre se ele esta sofrendo também de cancer, por usar o microfone de Jesus que é para fala de amor, solidariedade, caridade e defende o mais fraco e fica incentivando o ódio.
Joga ovo nele!

Eduardo

Cidadã Luana, concordo com quase tudo que voçê postou aqui. De fato, quem é capaz de fazer uma análise sem paixão de tudo escrito, concorda com você. A luta continua! Mas convenhamos e me desculpe, não creio que o Padre tenha dito isso na homilia! Apesar de não crer e se de fato ocorreu nestes exatos termos, precisamos perdoar o Padre! Nesse caso, o canceroso seria èle e precisa de orações.

Julio Silveira

Para resumir, o padre é como aquele(a) corneada que desde o inicio de seu casamento, sabedor(a) justifica sua canalhice por aceitar com submissão o ato que lhe faz traido, retirando o catre e instalando lá um sofá com rodinhas, facil de esconder.

Airoldi Lacroix Bonetti Júnior

Esse padre não pode conduzir seu rebanho, não é digno de ser um pastor,agregador, multiplicador de fé e esperança ao seu rebanho, ele adoeceu como boa parte, do rebanho que perdeu-se na escuridão,coma fúria da tempestade nazifascista que nos assola,”Pai eles não sabem o que fazem”… precisamos divulgar ao mundo esse tempo escuro que vivemos, a ONU, OEA, ao Santíssimo Papa Francisco,pois não há mal que dure pra sempre!!!rogai por nós brasileiros, só queremos justiça ampla à todos!!!

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