Roque Pinto: O passado que não passa

Tempo de leitura: 3 min

A volta dos que não foram: ainda sobre a universidade pública na Bahia

Roque Pinto*

Descrevendo o golpe de estado perpetrado por Napoleão III em 1851, Karl Marx observou que alguns eventos históricos se repetem duas vezes: a primeira como tragédia, a segunda como farsa.

Aqui, na Bahia de hoje, sem a opulência nem o ornamento da perspectiva histórica, mas com a mesma ferocidade de sangue que move a roda da história, a tragédia do caudilho maior precede o seu arremedo, como burla. Dizem que Antônio Carlos Magalhães gostava de repetir, com um sorriso na boca: “para os amigos, tudo. Para os inimigos, a lei.” Mas o governador Jaques Wagner, sindicalista de ontem que se traveste do novo Malvadeza de hoje, nem mesmo a justiça respeita. Apenas dela tripudia. Pois vejamos.

Neste momento mais de 400 professores, estudantes e funcionários das 4 universidades estaduais, representando um contingente de cerca de 5.000 professores e 60.000 estudantes, estão acampados na Assembléia Legislativa da Bahia, em Salvador, para que o governo reabra as negociações sobre o impedimento aos docentes de requerer qualquer melhoria salarial até 2014 e sobre a alteração de um decreto reeditado em fevereiro, que na prática transforma as universidades em apêndices da administração direta do estado, quitando-lhes a autonomia outorgada pela Constituição do Estado da Bahia.

Com a deflagração da greve dos docentes das universidades estaduais há quase dois meses, o governo da Bahia – cujo mandatário é, ironicamente, filiado ao PT – respondeu com intolerância e truculência, cortando o salário dos professores, inclusive os dias trabalhados. Através dos desembargadores que julgaram as liminares de cada um dos sindicados, a justiça baiana ordenou o pagamento imediato dos salários:

http://www2.tjba.jus.br/diario/diarios/479/479_caderno1.pdf

http://www.adusc.org.br/

Mas o governo Wagner não cumpriu as determinações legais e mantém a suspensão do estipêndio dos professores universitários.

Claro está que para o novo Cabeça Branca, na sua irrefreável ânsia de poderes imperiais, as leis e as hierarquias legais são meros obstáculos que podem ser atropelados sem maiores problemas pelo rolo-compressor da máquina pública.

E, no seu afã pantagruélico de poder, desapega-se de qualquer pudor: enquanto estrangula financeiramente as universidades públicas e corta mais de um bilhão de reais do orçamento de 2010, cria mais quatro novas secretarias de estado para acomodar seus aliados, impacientes com o destino das verbas para a Copa do Mundo de 2014.

Considerando o descumprimento da liminar que obriga o governo do Estado da Bahia a pagar o salário dos professores, o sindicato dos docentes da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Adusb) entrou com uma nova ação no Tribunal de Justiça, no dia 31 de maio, requerendo uma multa diária de R$100 mil e o seqüestro no valor de R$ 4 milhões do orçamento do Estado, a fim de garantir o dito pagamento. Além disso, foi pedida a prisão do Secretário de Administração do Estado da Bahia, Manuel Vitório e do Reitor da Universidade, Paulo Roberto Pinto dos Santos.

E a Associação de Docentes da Universidade de Feira de Santana (Adufs) pediu a prisão dos secretários de Educação e Administração, respectivamente Osvaldo Barreto e Manoel Vitório, e do próprio governador, Jaques Wagner, em uma representação criminal encaminhada ao Ministério Público.

http://www.adusb.org.br/noticias_ver.php?cod=651

http://www.radiosociedadeam.com.br/portal/noticia.aspx?nid=74247

http://ibahia.com/detalhe/noticia/professores-de-feira-de-santana-querem-prisao-de-jaques-wagner/

Mutatis mutandis, o antropólogo inglês Adrian Mayer transcreve as palavras de um cabo eleitoral local, numa investigação sobre as eleições no distrito de Dewas, na Índia: “todo homem sangra: a questão é saber qual a veia que se deve abrir para que ele sangre mais”.

O atual governador do Estado da Bahia, cuja imagem pública forjou-se nas lutas sindicais do setor petroquímico, deve sabê-lo. Decerto não por leituras especializadas, mas pela vivência dos enfrentamentos na longínqua época em que militava a favor dos trabalhadores.

Talvez por isso, agora, militando em causa própria, põe em prática, com uma brutalidade sem paralelo na história baiana recente, as mesmas táticas que combatia, emulando aquele sociólogo-presidente que certa vez dissera que se esquecessem do que ele próprio havia dito e escrito.

Sim, um fantasma ronda a Bahia: o do passado que não passa.

E sim, tem razão o dito indiano: todo homem sangra. Diria mais: quem sangra não esquece. Todo político deveria saber disso.

*Doutor em antropologia, professor da Universidade Estadual de Santa Cruz.


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

edson

Wagner assumiu o governo da Bahia com a ajuda, ou melhor, esforço coletivo dos trabalhadores, militantes de esquerda, eleitores insatisfeitos e os anti-ACM. É fato. Depois cooptou todos do grupo rival politicamente, se reforçou, e partilhou o poder com essa gente. O secretariado do atual cabeça branca foi construido com nomes de peso, que serviam administrativamente à direita. O que me assusta é que o governador pertence aos quadros do Partido dos Trabalhadores, porém investe ferozmente contra os direitos dos Trabalhadores, aliados desde sempre. Hoje, eleitos desafetos.

ALEX85

Uai, não foram os estudantes que tavam defendendo Wagner ano passado? fui falar na faculdade mal dele quase fui apedrejado…

hoje nao digo nada, só dou risadas…. não estranharei se wagner nao colocar polÍcia na faculdade como fez acm naquela trágica invasão da UFBa

Claudio Caires

Os petistas e simpatizantes se calam diante deste texto.
É a ética palocciana.

Sr. Indignado

Jacques Wagner é ACM II?
Caramba. E os outros do PT?

Tem outra alternativa?

José

O carlismo está vivo! Isso é a tragédia da Bahia. Mas a Bahia também é Anísio Teixeira, Glauber Rocha, Raul Seixas.
Todo apoio a Roque Pinto e aos valorosos colegas professores !

Deixe seu comentário

Leia também