Os trânsfugas que vão entrar para a História do Brasil

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Rovena Rosa e Fernando Frazão, Agência Brasil; Edilson Rodrigues, Agência Senado; Cacá Meireles, Wikipedia

Rovena Rosa e Fernando Frazão, Agência Brasil; Edilson Rodrigues, Agência Senado; Cacá Meireles, Wikipedia

De resistentes a golpistas

por Maurício Dias, em CartaCapital

Cada um veste a camisa que lhe convém e troca a roupa quando lhe é conveniente. Tem sido assim a trajetória adotada por parte da dita esquerda brasileira após a ditadura.

Uma massa enorme desses ex-militantes migrou para o lado oposto, a ultradireita golpista. Parece que arrependidos com o que eram. Subiram a escada pela esquerda e desceram pela direita até o inferno.

A migração da esquerda para a direita não é novidade no mundo todo, mas por aqui o fenômeno passa a ser mais curioso e assustador. Há muitos exemplos.

É o caso de Fernando Gabeira, ex-integrante da luta armada que, sob a ditadura, participou do sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, no Rio de Janeiro, em 1969.

Ao voltar do exílio, Gabeira iniciou o processo de transformação. Fez sucesso inicialmente com uma tanga de crochê nas areias de Ipanema. Posteriormente, elegeu-se deputado ainda com um viés de esquerda.

Hoje, Gabeira brilha aos olhos dos golpistas. E tornou-se estrela do império Globo, na televisão e no jornal, onde assina uma coluna semanal.

Recentemente, ele atacou três ministros do STF por terem tirado das mãos do juiz Sergio Moro documentos da Odebrecht, enviando-os para a Justiça de São Paulo.

Gabeira delatou: “Tudo para proteger Lula”. O mesmo não fez, no entanto, quando do STF partiu ordem semelhante com o processo do tucano Geraldo Alckmin. Ficou calado.

Fernando Gabeira puxa uma longa fila de outros esquerdistas que migraram. O pernambucano Raul Jungmann é outro exemplo. Participou do governo de FHC e agora integra o governo Temer como ministro da Segurança Pública.

Houve aí, entretanto, um atrito com o deputado Roberto Freire, ex-mandachuva do PCB no Brasil, que fundou o PPS e passou também a militar a favor do golpe.

Freire é subordinado fiel do tucano José Serra, ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) que, em 1964, foi militante da Ação Popular. Assumiu por tempo curto o Ministério das Relações Exteriores.

Outro tucano, Aloysio Nunes, militante da Aliança Libertadora Nacional, substituiu Serra. Por sua vez, Moreira Franco, ministro de Minas e Energia de Temer, era integrante da Ação Popular. Há muitos outros trânsfugas nessa história.

Monteiro Lobato, um conservador empedernido, admirador dos Estados Unidos, em uma crônica premonitória antecipou essa migração. Ele imaginou que o Partido Comunista Brasileiro tivesse assumido o poder e comunicasse a vitória a Stalin em curto telegrama.

Após as saudações de praxe, os integrantes do Politburo, o Comitê Central do PCB, assinavam a comunicação: José Maria Alckmin, Benedito Valadares e Tancredo Neves, entre outros.

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Comentários

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maria nadiê rodrigues

Desvendado, agora, o mistério para tantos que consideraram Geisel como um general protagonista da abertura política, e tendo hoje que ele permaneceu com a mão de ferro mandando matar inocentes, nas mesmas circunstância de seus antecessores, veio-me à mente a economista, de araque, da Globo, Míriam Leitão. Gostaria de ser uma mosquinha para saber o que está pensando após essa bomba jogada, não no Rio Centro, mas no colo do Brasil, país onde ela revelou há pouco ter sido presa, numa cela escura, sob tortura, com uma cobra a rastejar no mesmo espaço
Em sendo uma mulher tão vivida, e sabendo, como todos, da participação direta das Organizações Globo, na ditadura, que a fez também uma vítima, muito nos admira ter se mantido fiel aos patrões – ditadores indiretos. Fosse uma pessoa que presa seu nome e sua dignidade, e em sendo conhecida e jornalista, seria normal que viesse a público externar seu estremecimento pelo que ora está sendo divulgado, não como um fake news, mas como a mais pura verdade.
Dos políticos acima descritos, um que não me sai da memória é Roberto Freira. Seria inimaginável antever os destinos que esse comunista de carteirinha, homem inteligente, culto, que angariava simpatia por onde passava, ter descido tanto, ao rés do co chão, hoje esquecido até por seus correligionários, esquecido embora vivo.

Jardel

Nunca foram esquerdistas e sim oportunistas.
Se houver um tribunal para além da vida terrena, serão julgados por Carlos Marighella. Esse sim, fiel aos seus ideais aos quais deu sua própria vida.

Julio Silveira

A esquerda brasileira não é esquerda, nunca foi autentica, sempre foi ocasional, nunca foi ideologica, sempre foi oportunista. Quem conhece a historia sabe. De Prestes a Getulio, passando por Brizola e chegando em Lula, todos sem excessão de perfil parecido, que usaram a esquerda em momentos de sua vida como muleta, mas sem muita identidade ideologica. Para não ser inconsequente, talvez Prestes, que por sua revolta natural com a construção de Brasil injusto que via o Status Quo dominante do Brasil, fazer, a sua época, e pelo conjunto de demonstrações dadas em sua vida, tenha sido o unico que poderia ter tido essa condecoração, ser chamado de esquerdista. Mas era algo nato, que por suas proprias escolhas o levaram a se aproximar da formalidade de um partido politico sem origem nacional, mais por afinidades naturais que culturais, eles se complementaram.
Então, querer criticar a opção de ser direita por quem nunca foi esquerda, sem entrar numa analise logica sobre o significado do que vem sendo considerado um autentico esquerdista brasileiro, omitindo culturalmente o significado, passa a impressão, erronea a meu ver, para muita gente. Que inclusive hoje tem levado a crer que para ser considerado como autentico esquerdista bastaria passar pelo rito de passagem e ter decorado O Capital a “Biblia” de Marx fazer citações sobre sua obra a cada momento, como prova de fidelidade.

Edgar Rocha

Isto é subproduto do autoritarismo governamental, instaurado desde sempre e exacerbado por períodos ditatoriais. Quando a participação nas instâncias políticas e governamentais se torna exclusiva de um grupo seleto, todo mundo que se opõe a isto ganha auras de libertário, progressista ou, pior, atende pela alcunha de “esquerda”, deturpando por completo o real significado do termo. Esquerda não é quem está contra as estruturas. Esquerda é quem as pensa de forma diferente dos que delas se locupletam. Não é o caso hoje – e acredito, não tenha sido nunca – destas figuras citadas no texto. Ressentir-se de não participar do sistema não faz de ninguém um esquerdista. Ao contrário, só reforça a verve autoritária, sendo estes setores capazes de qualquer coisa – até se dizerem de esquerda – para cavar o espaço ao qual supõem lhes ser de direito. E tal comportamento atinge em cheio aos que se encontram no meio do caminho da participação política. Exatamente: a classe média, que vive de migalhas, vê com os olhos e lambe com a testa, arroga-se a prerrogativa moral de serem melhores que “os que estão aí”, acreditam-se mais honestos que os de cima e mais capazes que os de baixo… É este nicho social acostumado a mascarar-se de acordo com a conveniência, que desponta como debutantes da classe política e depois revelam-se tão ou mais perniciosos que seus antecessores.
Tal raciocínio acaba por nos levar a outra questão desconcertante: qual a verdadeira natureza do pensamento de esquerda no Brasil? Como definir esta tal esquerda brasileira, considerando o extrato sócio-cultural que a constitui? Lula já abriu o jogo: afirmou – e eu posso atestar porque assisti em sua entrevista na TVT – que nunca se considerou socialista. Já ouço dizer – e aí, não tenho como afirmar com certeza – que ele teria dito que nunca se considerou de esquerda. Não me assustaria se fosse verdade.
Não se trata aqui de desqualificar sua figura ou a dos partidos autoproclamados de esquerda. Trata-se de pedir uma avaliação de consciência e apelar para uma definição mais realista. Não enquadrar-se num rótulo não implica necessariamente assumir outro ou trair o passado descaradamente como fizeram os indivíduos citados no texto. Trata-se de encarar a realidade, entender os conceitos e só assim, fazer as escolhas futuras. Porque, se a opção política for persistente em afirmar-se como esquerda, aqueles que assim se definem precisam reajustar seus caminhos e suas ideias. Caso contrário, é melhor assumir-se como qualquer outra coisa e tentar forjar pra si um projeto mais realista e uma autoimagem que prescinda de contorcionismo ideológico para encaixar-se no quadrado escolhido.
Atualmente, no país, esquerda mesmo são o MST, o MTST, os movimentos contra o massacre de negros e negras jovens na periferia, a luta contra milícias e contra a polícia militarizada com seus subprodutos (o crime organizado e as milícias), contra o encarceramento dos mais pobres, as organizações em defesa da causa indígena e quilombola, entre tantos outros…
São demandas adiadas ou completamente ignoradas, como no caso das reivindicações contra os mecanismos históricos de repressão, que nunca foram levadas ao cabo, com a seriedade e a urgência merecidas pela autoproclamada esquerda brasileira, seja ela o Gabeira ou o Lula. Tudo que se esperaria, ao menos, é a decência em assumir-se como aquilo que verdadeiramente são, para que aqueles que podem ocupar legitimamente tal espaço não se sintam reféns dos autointitulados esquerdistas, tendo de orbitar em torno de tais grupos na esperança falsa de que um dia, serão tratados como iguais.

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