Haaretz: Pior que Golda e Dayan

Tempo de leitura: 3 min

Pior que Golda e Dayan
15/5/2010, Uri Bar-Yosef, Haaretz, Israel
http://www.haaretz.com/print-edition/opinion/worse-than-golda-and-dayan-1.290278

Tradução de Caia Fittipaldi

Uri Bar-Yosef é professor de Relações Internacionais na Universidade de Haifa

É uma velha história, com lição na hora certa: em abril de 1973, cerca de um ano antes de eclodir a guerra do Yom Kippur, várias fontes confiáveis do Mossad alertaram Israel de que o Egito planejava começar uma guerra, em coordenação com a Síria, dia 19 de maio. A primeira-ministra Golda Meir rapidamente reuniu seu “gabinete de cozinha” e, dia 18 de abril, o ministro da Defesa Moshe Dayan, o comandante do Exército David Elazar e o chefe do Mossad Zvi Zamir concluíram que sim, que o Egito preparava-se para a guerra. Por mais que Eli Zeira, chefe da Inteligência do exército discordasse, os principais decisores israelenses aceitaram a avaliação da maioria.

Durante a discussão, Israel Galili, conselheiro e confidente de Golda Meir, observou que seria possível evitar a guerra, se Israel aceitasse a proposta egípcia, encaminhada um mês e meio antes ao secretário de Estado dos EUA Henry Kissinger, e cujo ponto de partida era, nas palavras do próprio Galili, que os egípcios estavam “para a paz e para um sistema de acordos e garantias internacionais (etc.), sob a única condição de que nós (Israel) nos retirássemos completamente, de volta à fronteira de antes.”

Em outras palavras, Israel tinha duas alternativas: prosseguir com o processo diplomático, que garantia, já de início, um acordo de paz com o Egito em troca da evacuação de todo o Sinai, ou entrar numa guerra iniciada pelos árabes, cujo principal objetivo era motivar Israel a aceitar o processo diplomático.

A discussão que se seguiu, entre Golda, Dayan e Galili ignorou a questão de qual das duas alternativas seria preferível; dedicaram-se exclusivamente a discutir a questão que, vista do ponto de vista histórico, revelou-se a mais completamente absurda: como evitar uma situação na qual, depois de Israel já estar em guerra, Golda e seus amigos seriam acusados de, tendo podido escolher entre guerra e paz, haviam escolhido a guerra. Isso, porque ninguém, na liderança israelense naquele momento, desejava pagar o preço exigido pelo presidente do Egito Anwar Sadat em troca da paz – devolver todo o Sinai –, dado que todos estavam convencidos de que, na guerra que viesse, nas palavras do comandante do Exército, “lhes daremos tal surra, que demorarão cinco anos para voltar a erguer a cabeça”.

O que nenhum dos demais soube levar em consideração é que a guerra, como escreveu Carl von Clausewitz, é “o reino da incerteza”. Naquele outono, Israel enfrentou a guerra mais difícil, dolorosa e cara de sua história desde 1948, por conta do elemento surpresa.

Nos últimos tempos, ouvem-se, de várias direções, rumores de que é possível que Israel envolva-se em guerra no próximo verão. Será guerra estática, mas caríssima, porque os israelenses, em casa, serão algo dos milhares de mísseis comandados hoje pela Síria e pelo Hizbollah. Ainda que Israel cobre caro dos seus inimigos, não há dúvida que também pagará alto preço em sangue de israelenses.

Como Golda e Dayan em abril de 1973, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o ministro de Defesa Ehud Barak podem escolher entre uma guerra possível e uma paz possível. Tanto quanto se sabe, não planejam caminhar rumo à paz; e mais uma vez, exatamente como em 1973, estão nos arrastando cada vez para mais perto da guerra.

Apoie o VIOMUNDO

E aqui termina a analogia, porque os líderes israelenses trabalham hoje de modo muito mais irresponsável. Isso, por duas razões: primeiro, porque em 1973 a ampla vantagem militar de Israel assegurava que não haveria danos em casa, que os exércitos de Egito e Síria seriam, sim, rapidamente derrotados e a custo relativamente baixo. Hoje, é claro que os árabes têm muito mais meios para provocar danos. Qualquer guerra hoje custará centenas, se não milhares, de mortes em Israel.

Em segundo lugar, porque em 1973 Golda e seus amigos não podiam sequer imaginar devolver o Sinai; portanto, do ponto de vista deles, a exigência egípcia era inaceitável, de início.

Hoje, Barak e Netanyahu já concordaram em princípio, como o falecido primeiro-ministro Yitzhak Rabin, o ex-primeiro ministro e atual presidente Shimon Peres e o ex-primeiro ministro Ehud Olmert, com trocar as colinas de Golan por um tratado de paz. Só a covardia de Barak e Netanyahu impediu-os de implementar esse acordo, movidos sobretudo por interesses políticos internos.

Desde 1967, todas as guerras de Israel revelaram-se mais difíceis e menos bem-sucedidas do que se previa antes da guerra. Várias terminaram também em comissões de investigação de crimes de guerra e encurtaram as carreiras políticas dos líderes. Nada sugere que a próxima guerra seja diferente. Será que Netanyahu e Barak querem por a própria cabeça em risco, além das nossas, numa guerra para a qual há alternativa tão clara e promissora. É possível que sim. Essa é a vergonha pela qual os israelenses pagaremos o preço.

Apoie o VIOMUNDO


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *


Leia também