O receituário de Bruxelas para a crise, que já está sendo aplicado, além de à força na Grécia, “voluntariamente” na Espanha, na Itália e em Portugal, vai na direção dos cortes orçamentários, congelamentos e reduções de salários, aposentadorias e pensões, e da adoção de políticas claramente recessivas, “para reconquistar a confiança nos mercados”.
por Flávio Aguiar, em Carta Maior
* Disciplina fiscal.
* Redução dos gastos públicos.
* Reforma tributária.
* Juros de mercado.
* Câmbio de mercado.
* Abertura comercial.
* Investimento estrangeiro direto, com eliminação de restrições.
* Privatização das estatais.
* Desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas).
* Direito à propriedade intelectual.
Este é o decálogo do Consenso de Washington, criado inicialmente sob a batuta do FMI, do Banco Mundial e do Tesouro dos EUA. Passou a ser a receita básica do FMI, primeiro, para a América Latina, depois para outras nações “em desenvolvimento” ou em crise nas suas finanças públicas. A seguir, tornou-se uma espécie de “Maravilha Curativa do Dr. Humphreys” ou de “Regulador Gesteira” para as economias mundiais. Curava de tudo, das dores de cabeça às unhas encravadas das finanças públicas; da prisão de ventre às diarréias nas bolsas do planeta. Era capaz de fazer um organismo engravidar ou, ao contrário, de servir-lhe de contraceptivo, conforme necessitasse de crescimento (sempre comedido) ou de desinchaço recessivo (sempre excessivo).
As conseqüências desse receituário são conhecidas. Entre outras coisas, pulverizou as economias da Argentina, do México, empobreceu mais ainda as populações já pobres dessa e de outras regiões, atolou a Rússia recém saída do comunismo num pântano de privatizações e corrupção, comprometeu seriamente a capacidade de ação e reação do Estado brasileiro diante das sucessivas crises mundiais, e destroçou as economias asiáticas nos anos de 1997/1998. Pode-se dizer também que nas bordas desse consenso os Estados Unidos criaram seu maior contingente de pobreza, em termos absolutos, de toda a sua história.
Houve reações contra ele e seu império. Não só surgiu o Fórum Social Mundial, como ele se implantou enquanto seu congênere financeiro e financista de Davos via sua influência declinar. No continente asiático, a República da Malásia, que fez tudo ao contrário do que o FMI recomendava, se recuperou antes e de modo mais firme do que a Coréia do Sul e a Tailândia. Um dos resultados daquela crise é hoje o conflito, que só tende a se aprofundar, na Tailândia, entre a população campesina pobre, setores de classe média que querem uma maior participação nas esferas de poder, e a elite que se apóia na brutal repressão dos movimentos pelas Forças Armadas e por uma monarquia constitucional de fachada que disfarça a ditadura. O Brasil só não afundou completamente e até mesmo saiu mais depressa da recente crise de 2007/2008 porque não seguiu completamente a receita, preservando, ainda que não de todo, a Petrobrás e o setor bancário público. Uma curiosidade: o bloqueio orquestrado pelos Estados Unidos ao Irã preservou os bancos iranianos dessa recente crise, o que agora aumenta as dores de cabeça da secretária Hillary Clinton.
O consenso sobre o Consenso de Washington se implantou pari passo a uma crescente em proporção geométrica, depois estratosférica financeirização da economia mundial, concebida como uma brutal transferência de dinheiro público para capitais privados, sob a forma do (des)controle das dívidas federais, estaduais e municipais, e como um modo de (des)regradamente ganhar dinheiro com a especulação pura e simples, numa espiral que, como efeito colateral, formou uma casta dentro desse sistema através dos bônus e recompensas pagas por quem o administrava para enriquecer poucos e empobrecer ou privar de serviços essenciais muitos.
Esse circo explodiu, como já vinha se esperando, em 2007 e 2008, semeou escombros nas principais economias do mundo em 2009 e preparou uma inflação de desgraças na Europa em 2010. A primeira vítima dessa situação no que antes era vista como uma verdadeira Arca de Noé frente ao dilúvio universal foi a Grécia. Ou melhor, foram os trabalhadores gregos, convocados a pagar a conta dos estragos e rombos produzidos por anos de desregramento nas finanças, sonegação e desconstrução da capacidade de fiscalização por parte do Estado. Tudo isso ficou na conta de que “o sistema de seguridade social grego era custoso demais”. Para recuperar a “confiança” do mercado e dos investidores, chamou-se não só a receita do FMI como o próprio para dentro da arena da União Européia.
Num expressivo artigo publicado no New York Times em 6/5, Peter Boone e Samuel Johnson (este último tendo sido um dos principais economistas do FMI), os autores, depois de analisarem que a aplicação da receita recessiva do FMI ao paciente grego pode matá-lo de inanição, recomendam uma solução alternativa que envolveria:
1) Promover a paridade do euro com o dólar, o que poderia favorecer o crescimento em toda a zona do euro.
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2) A queda do euro poderia provocar uma crise nas letras do tesouro na sua periferia; para conter o pânico, seria necessário criar um fundo de amparo emergencial [essa parte a União Européia pôs em pôs em prática, depois de um dramático confronto entre Sarkozy e Ângela Merkel];
3) Através de um acordo com o G-20 [indispensável nessa altura] manter o euro desvalorizado; sempre que houver risco de insolvência na periferia, comprar as letras desses países.
4) Somente nessa altura, promover a reestruturação das dívidas e da administração dos países mais endividados.
5) Recapitalizar os bancos europeus [que é o que está acontecendo desde agora, com a transferência de fundos da União Européia e do FMI da ordem de quase 90 bilhões de euros para o sistema bancário através da Grécia e da “honra” de sua dívida], mas desde que suas diretorias fossem substituídas. A crise veio de uma incapacidade conceitual do “grupo do euro”, inclusive dos políticos, mas [para os autores] é inegável que os executivos dos bancos foram irresponsáveis e deveriam ser demitidos em massa.
Para finalizar, dizem os autores: “Na medida do possível, as perdas decorrentes deveriam ser compartilhadas com os bancos credores. No entanto, tenham cuidado; os banqueiros são poderosos por uma razão: eles construíram estruturas vitais, mas frágeis no coração das nossas economias. Essas estruturas devem ser desmanteladas, mas com cuidado”.
Mas esse crivo conceitual é muito difícil de implantar e deixar crescer. Vai completamente no sentido contrário de tudo o que se firmou como consenso quando se criou a União Européia, com sede em Bruxelas, e se implantou o euro como moeda única preferencial. O receituário de Bruxelas para a crise, que já está sendo aplicado, além de à força na Grécia, “voluntariamente” na Espanha, na Itália e em Portugal, vai na direção dos cortes orçamentários, congelamentos e reduções de salários, aposentadorias e pensões, e da adoção de políticas claramente recessivas, “para reconquistar a confiança nos mercados”.
Saneamento do ralo financeiro em que se transformou o sistema bancário e financeiro? Por ora nem pensar. Um ajuste aqui, outro ali, no máximo.
O que comprova aquele ditado pampiano: “cachorro que comeu ovelha, só matando”.
Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.
Comentários
francisco.latorre
flávio aguiar. parabéns.
alguém lembrou a tailândia.
aquele país que não existe.
ou está em outro mundo. outro planeta galáxia universo dimensão.
off-midia. não existe.
..
francisco.latorre
haverá miséria.
depois.. o socialismo.
ou o fascismo.
..
J. Carlos S. Pereira
Acho que só a psicanálise é capaz de explicar a teimosia dos neoliberais em aplicar um receituário fracassado. Ou talvez seja um ato falho para que os previsíveis maus resultados levem a uma nova transferência maciça de recursos públicos para as mãos dos "banksters".
Este saque, apelidado pelos especuladores e seus seguidores de "crise econômica", funcionará até seus autores, os bancos centrais, serem colocados fora de combate. Isto é, só após a extinção dos bancos centrais e o retorno da política monetária aos governos eleitos democraticamente. Aí o circo acaba.
Roberto
Take it easy. Nem eles não falam mais o inglês. Take it easy. Vamos ´primeiro cair na real.
william porto
Mais cedo do que se pensa o sistema economico vai quebrar, ruir, desmoronar. Ele esta agonizando, so nao ve quem nao quer. O mundo depois de ficar de ponta cabecaaaaaaaaaaaaaa vai criar uma nova ordem e outro tipo de economia. O mundo nao vai acanbar, o que vai acabar e o soistema capitalista. Aleluia.
ana cruz
Bem, lá na Europa o povo não vai engolir caladinho…rolarão cabeças…
Roberto
Acho que "boa parte" dos "não formados" acha a mesma coisa ou seja nada. Se a gente divide um título ele se multiplica por 10. Então eu canto aquela velha música que ninguém cantou, nem Bono, eu sei? O que é bonito nos artistas é a "ironia". Quem sabe?
Roberto
A bolha vai até sempre. Se pegam emprestado para pagar em dez anos fica dificil controlar. E lá está Lula todo feliz. Esse negócio de pegar fiado é chave de cadeia. E agora vão jogar a culpa nos pobres governos?
Fernando
Faltou na lista a Reforma da Previdência.
Leider_Lincoln
É chegado a hora de eles terem seus próprios FHC. Só assim poderão terem seus próprios Lulas…
Jairo_Beraldo
Queriam ditar as regras aos países pobre e em desenvolvimento. Agora, experimentam do próprio veneno!
Marcos C. Campos
O problema é que quem toma o veneno é o povo e não os "receitistas".
Leider_Lincoln
Mas lá eles não são superiores? Não têm uma "democracia mais madura"? Que elejam governantes melhores e não se deixem enganar pelos PASOK, PSOE, SD e PS da vida, que têm de socialistas o que o PSDB tem de social democrata.
dukrai
Ô Beraldo, continuou sobrando para os pobres e em desenvolvimento, os PIGS, Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha, que estão enlameando o UE e levando chumbo da Alemanha, que armou o socorro bancário para livrar a quadrilha financista que arrebentou de ganhar dinheiro e na hora do sufôco pega a grana da viúva, gringa rica européia, e deixa o cliente, os PIGS, pendurado num papagaio impagável.
O remédio vai ser pior que a doença, o PIB da Alemanha depende de 75% das exportações (tô citando de oreia, confirmem) e o comércio intra-europeu tem uma fatia enorme nestas exportações, aí maibródi, a vaca vai pro brejo e leva o bezerro, o retireiro, o balde, o banquinho e o queijo.
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