Fátima Oliveira sofreu o pão que o diabo amassou para defender Alencar como vice

Tempo de leitura: 4 min

Fátima Oliveira escreveu este artigo, em 2002, “quando quase mundo que se considerava divindade da esquerda, ficava ‘esquesita’ quando se falava no nome de José Alencar para vice de Lula.”

Em 3 de julho de 2002, com o título, “Coisas de Minas: o caminho da perdição”, foi publicado  no Caderno Magazine do jornal OTEMPO. Muita gente torceu a cara para ela. Sofreu o pão que o diabo amassou. “Só não fui chamada de bonita rsrsrsrs…”, relembra Fátima numa conversa por e-mail. “Não dei pelota!”

“Só escrevo o que quero. E quando escrevo digo o que penso. Sempre. Foi como está escrito no artigo que compreendi José Alencar vice de Lula”, orgulha-se. “E não me arrependi. Também não errei em minha análise.” (Conceição Lemes)

BH, MG, 3 de julho de 2002

Coisas de Minas: o caminho da perdição

por Fátima Oliveira, em OTEMPO

Compartilho um monólogo imaginário com o senador José Alencar. Ele mesmo, o vice de Lula. O cenário é a lagoa da Pampulha. Fedida, porém bela. Quando estou “pê” da vida, é para lá que vou. Quando estou zen, também. Uma, duas, três voltas respirando Niemeyer, Portinari… arte e beleza. Desconfie de quem não se encanta com a Pampulha. Sempre levo para “dar uma volta na Pampulha” as pessoas que conheço quando vêm a BH. É um lugar de rara beleza, aprazível e ideal para conversas sérias, definitivas.

Antes, vi o governador Itamar, que precisa pedir perdão ao povo mineiro por ter se alinhado a FHC na defesa dos transgênicos. Até entendo sua postura na sucessão, embora não concorde com parte de sua decisão. É burrice duvidar das lendas. Ainda mais das mineiras. Lenda é lenda. E Itamar Franco é uma. Virar lenda não é para qualquer pessoa. Só as especiais viram lenda. Talvez seja sua missão destucanar “Aecinho”. Uma canseira governador, mas conforme Tancredo: “a gente tem a eternidade para descansar”.

Cara a cara com o senador. O que as feministas esperam de um governo que pretende ser nacional, popular e democrático? Respeito. É bom e nós gostamos. Respeito à pluralidade, à diversidade e ao status laico do Estado brasileiro. Não precisa ser um feminista, apenas referendar a milenar luta das mulheres. Exige-se que seja declaradamente anti-racista. O resto a gente toca. E dança. E bem. Somos decididas. Sabemos o que queremos. Não há o quê negociar. Está escrito na Plataforma Política Feminista. Leia-a e reflita sobre ela. Não temos um projeto de futuro a longo prazo a compartilhar com o senador. Nem ilusões. A luta de classes não acabou. Ficou mais complexa e entremeada por gênero, raça e etnia. Compartilhamos o hoje. Explico-me.

Jamais cogitei um dia ser sua eleitora. Prezo muito o meu voto e o entendo  como uma arma de altíssima precisão, definidora de futuro, de vida e de felicidade, mas tenho de falar da minha emoção de vê-lo dizer, repetidas vezes, que mesmo se não fosse o vice de Lula votaria nele e faria campanha. Senti firmeza. Comecei a indagar o que faria um homem das elites, apesar do jeitão de homem simples do povo, um rico industrial de Minas, enfrentar seus pares de classe e de um partido dito liberal, contraditoriamente, abrigo de conservadores de diferentes matizes, dos fundamentalistas aos nem tanto?

O que move um homem do seu naipe dizer “estou com Lula”? É pieguice evocar a sua origem humilde. Cá prá nós, pobre é pobre e rico é rico. O bloco PT-PCdoB-PL não é uma fusão, mas uma aliança que envolve interesses de classes contraditórios (povo versus podres de ricos), logo é pontual e conjuntural – uma coalizão contra a indignidade. E aqui cai como uma luva o que disse o Dr. Caio Rosental: “Abaixo da linha do Equador, para ser um grande estadista, é preciso primeiro tratar as águas, canalizando os córregos e os esgotos, fornecer água potável e trocar o barro das casas pelo tijolo” (A saúde anda para trás. FSP, 28-06-02). Iluminada frase, que em si é uma agenda que prima pela decência ao desnudar o “risco-Brasil real” e consegue, com uma tacada de pena, reduzir a pó a alardeada excelência do senador José Serra no comando do Ministério da Saúde, cuja capacidade até para matar mosquito ficou aquém do necessário.

Via José Dirceu defendendo a aliança com o PL e dizia aos meus botões: “quem te viu e quem te vê”… Madeixas ao vento, megafone em punho… Era belo, radical e inesquecível! O que diria Iara? Iara de Dirceu, assassinada pelo braço fascista da burguesia, a ditadura militar de 1964. Fiquei expectando as encruzilhadas da política senador! Confesso: parecia algo sem eira e nem beira a adesão do PL a uma proposta de governo nacional, popular e democrático. Enxerguei que nem tanto, já que, “no fundo no fundo”, o chamado “projeto do PT” (nacional, popular e democrático) consiste em reformas cabíveis nos marcos capitalistas, pois o “modo petista de governar” nada mais é que execução de políticas de redução de danos da crise do capital. Que seja. Sem ilusões.

Nos basta, nas eleições 2002, que vença a perspectiva de um Estado de bem-estar social. Tolerância zero com o continuísmo de “migalhas ao povo”. Lula não é exatamente TUDO o que o povo sonha e precisa, porém é o que mais se aproxima: a mais completa tradução das necessidades de um país que deve romper com os grilhões da indignidade. Como o Planalto vê uma aliança PT-PCdoB-PL? Como o “caminho da perdição”. Jogaram duro para inviabilizar, ao estilo “veneno para matar Roseana”. Ponderei. Para que serve a radicalidade feminista se não se abre ao novo e ao inusitado? “Nada como um dia depois do outro e uma noite no meio”. Nós e nossas circunstâncias.

A arte da política consiste em entender as circunstâncias e saber fazer alianças. Por que o senador cabe como convidado de um projeto de governo popular e democrático? Porque, como é de domínio público, é um homem de bem. Grande credencial! Ser “pessoa de bem” na política do Brasil de hoje é um atributo valioso e raro. Exige-se dele solidariedade e respeito. Não é o mesmo que pensar igual. Senador, seja bem-vindo à cena da luta contra todas as formas de dominação! Não será fácil. Provará do sal da terra: a dureza e a ternura da luta popular, democrática e feminista.

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Comentários

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Michelle Lobo

Uma avaliação da conjuntura política de 2002, absolutamente realista e tranquila. Sim, demonstra clareza política. Parabenizo a Fátima Oliveira pela coragem de dizer as verdades como as vias, mesmo que tenha recebido em troca inimigos. A vida política deu razão a ela.

Luci

Esta menina doutora Fátima é poderosa e maravilhosa, em seus artigos.

Bonifa

Lembro-me bem desse tempo. Os mais lúcidos politicamente vibraram com a aliança entre PT e PL. Viram aí, imediatamente, o caminho da vitória. Os mais obtusos, ou confusos, viam aí a perda do "sentido de pureza" que carracterizava o PT e o mantinha trancafiado nos seus 30% máximos de votos. O PFL, vendo com clareza o caminho da derrota, ficou apoplético. Acusava o PL e José Alencar de traidores. Traidores das classes dominantes. José Alencar então falou que eleger Lula seria entregar o poder ao próprio povo brasileiro.

Mariana Rodrigues

Zé Alencar:
Foi indiscutivelmente um grande guerreiro. Me comovi ontem quando vi um trecho de uma entrevista dele logo no início da doença, quando ele disse que o tumor era brabo mas ele era da roça e estava acostumado a montar cavalo brabo. Zé Alencar foi um exemplo para o Brasil, naquilo que é fundamental, a ética. Mas como todo ser humano falhou quando não aceitou se submeter ao exame de DNA para comprovar se a professora Rosemery Morais era filha dele. Além de se recusar insinuou que a mãe da professora seria uma prostituta. Falhou o grande guerreiro. Me lembrei de Pelé quando não quis reconhecer a filha Sandra que era a cara dele. Ninguém é perfeito." WILLIAM PôRTO http://blogdewilliamporto.zip.net/

renan

"O cenário é a lagoa da Pampulha. Fedida, porém bela. Quando estou “pê” da vida, é para lá que vou. Quando estou zen, também."
hahaha que ótimo também fiz isso sempre nos 4 anos em que vivi em Belo Horizonte, morava a poucas quadras da lagoa, próximo a Igrejinha de São Francisco.
Fedida, porém bela. rs
Ah, na noite de céu limpo de primavera com a lua cheia, andar pela orla da lagoa da pampulha. Ganha-se a vida com essa imagem.

Depaula

É a clareza política e a intransigência na defesa dos direitos humanos e da democracia que faz da Dra. Fátima Oliveira uma articulista política respeitada em Minas Gerais há muito anos, pois são características de gente d epés no chão em defesa do avanço social para o nosso povo. E pensar que ela escreveu a crônica em 2002! cantou todas as pedras

Heitor Rodrigues

Fátima Oliveira não precisa de vidente, nem de pitonisa. Ela é a própria bola de cristal!

ZePovinho

O Homem da Main Street foi ouvido,Azenha.Até que enfim!!!

A MAIOR HOMENAGEM A JOSÉ ALENCAR:

GOVERNO DILMA PEITA O RENTISMO E RECUSA ESCALADA DE JUROS COBRADA PELOS 'MERCADOS'

Política econômica rompe com a ortodoxia e adota caminho gradualista para combater a inflação sem choque de juros e recessão, apesar das pressões ferozes de colunistas e interesses financeiros. Banco Central de Dilma dilata o prazo para trazer a inflação à meta de 4,5% e país deve continuar crescendo, cerca de 4% este ano. É a maior homenagem a José Alencar que pautou sua trajetória na vice-presidência pela crítica à usura. Viva Alencar!
(Carta Maior; 5º feira, 31/03/2011)

gilberto

Caramba …. A Fatima é realmente iluminada…..

    João Sabóia Jr

    Gilberto, ela é de ma clareza política imensa, sabia exatamente como avançar nas conquistas populares sem o radicalismo que não leva nada

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