Belluzzo: Bernanke e o enigma da crise

Tempo de leitura: 3 min

por Luiz Gonzaga Belluzzo, em CartaCapital

Por que, antes da crise financeira, uma economia madura como a dos Estados Unidos recebeu um fluxo líquido de capitais superior a 6% do PIB? Uma fração significativa desse fluxo reflete um fenômeno mais amplo, apelidado por mim de “excesso de poupança global”. Ben Bernanke, presidente do conselho do Federal Reserve

Bernanke não está só na defesa da tese do “excesso de poupança”. A maioria dos economistas adotou essa xaropada. Assim, fica mais fácil explicar os ditos desequilíbrios globais e a caminhada para a crise. Chineses et caterva poupam demais, produzem elevados saldos em conta corrente, acumulam reservas em dólar para impedir a valorização de suas moedas nacionais. E, insensatos, ao comprar ativos financeiros públicos e privados americanos deprimem as taxas de juro e fomentam o consumismo e a bolha de ativos.

No arsenal de conceitos macroeconômicos, a poupança goza de um prestígio tão inabalável quanto suspeito. Desde Nassau Sênior, a justificava do lucro buscou suas razões morais e econômicas na recompensa da “abstinência” ou na postergação do consumo presente. Assim, a poupança tornou-se uma das casamatas inexpugnáveis da chamada teoria econômica. Só os heréticos – de grande, médio e pequeno porte – ousaram desafiar esse dogma da religião do mercado. Entre os grandes, Marx e Keynes lançaram as mais furiosas diatribes, entremeadas de sarcasmos, contra o que consideravam a obra-prima dos filisteus.

Na visão dos adeptos do “excesso de poupança”, a parcimônia dos emergentes torna insaciável o vício dos consumidores avançados. Mas o capitalismo realmente existente cultiva o hábito de zombar do senso comum e da tentativa de estender os conceitos da economia doméstica para a economia como um todo. O economista defunto John Maynard Keynes dissentia dos admiradores da poupança. Para ele, a origem do movimento é o gasto financiado a crédito. Ao adiantar recursos líquidos para empresas e famílias, o sistema de crédito (bancos e demais intermediários financeiros) impulsiona o aumento do emprego, da renda e, portanto, da poupança agregada. Para o conjunto da economia, é impossível elevar a poupança antes do aumento da renda. Não raro os macroeconomistas são vítimas da falácia de composição: se a comunidade resolve elevar a poupança sem aumento do gasto, a renda cai e ninguém consegue poupar coisa alguma.

Os empresários e as famílias em conjunto podem gastar acima de suas receitas correntes por conta da existência do sistema de crédito, que inclui os bancos e (hoje) os demais intermediários financeiros. Operando num regime de reservas fracionárias e, sobretudo, sob a proteção de uma instituição central provedora de liquidez e redutora de riscos, os bancos desfrutam de uma condição peculiar em relação ao demais intermediários financeiros: a prerrogativa de multiplicar depósitos, isto é, passivos bancários que são aceitos como meios de pagamento. Esses depósitos podem ser movimentados por seus titulares com o propósito de adquirir bens e serviços ou de liquidar contratos. No processo de “fechamento” do circuito gasto-utilização da renda, os lucros capturados pelas empresas e a fração da renda não gasta, apropriada pelas famílias e pelo lucro das empresas, definem o montante da poupança agregada, ou seja, o funding adicional necessário ao pagamento do serviço das dívidas e a acumulação de riqueza líquida.

A China adotou a estratégia da obtenção de elevados saldos em conta corrente e da acumulação de reservas, com o propósito de impedir a valorização de sua moeda e manter a competitividade de suas exportações. No período que precedeu a crise, a origem do circuito virtuoso (ou vicioso?) era o gasto das famílias americanas (e outras famílias “avançadas). Daí o crescimento da renda agregada na China e países adjacentes e, finalmente, a -acumulação de lucros nas empresas locais (nativas ou estrangeiras), ou seja, a poupança do “sistema sino-americano”. Não sem razão, as empresas americanas buscavam localizar seus investimentos na -China de mão de obra barata, promovendo a fratura entre o consumo e o investimento no chamado espaço sino-americano.

Ao utilizar as “poupanças” em dólar para financiar o déficit em conta corrente dos Estados Unidos, os chineses geravam uma demanda pelos papéis americanos, o que assegurava  a estabilidade das taxas de câmbio de sua moeda em relação ao dólar.

Leia aqui “Mercados voltam a dar as cartas, a restauração da ortodoxia”.


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Comentários

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José A. de Souza Jr.

Belluzzo falou de algo muito simples, mas que geralmente passa batido: a banca dispõe do privilégio de criar dinheiro do nada e de cobrar juros em cima disso. Poupança só importa para quem não tem essa prerrogativa. Não é um mal em si mesmo a banca criar o dinheiro do nada, pois se não fosse assim não haveria o dinheiro que conhecemos. O problema é quando a esfera financeira se descola (e muito) da produtiva, mas não perde totalmente o vínculo com esta: um trilhão de dólares em dinheiro fictício ainda é um trilhão de dólares de poder de compra. Deste modo, quando as apostas da finança dão errado, o dinheiro (reserva de valor e poder de compra ao mesmo tempo) some da economia, deprimindo a produção, o consumo e a poupança de quem não cria dinheiro do nada. Do jeito que a arapuca do dólar americano está armada, não é difícil entender como as besteiras que eles fazem por lá afetam toda a economia mundial.

Chico Doido

Se os EUA quebrarem ? O dolar vira papél sem valor ? E oque será daqueles paises que possuem muitos dolares , também serão arrastados para o buraco ?
Tá aí , mais uma desculpa para uma outra guerra .

DAP

Ano 2012 – Default da divida do imperio kkkk o rei está NÚ –> Esse é o fim do mundo… CAPITALISTA SELVAGEM ;-)

Dinheiro é dívida … muito simples assim vejam os documentários sobre o que é o sistema financeiro que vão entender a bolha criada e recriada há anos pelo sistema fracionário.

Crescer o PIB –> Cresce a dívida… o Brasil só está crescendo pq o crédito aumentou e muito, mas o crédito sobe BEM mais que o crescimento de bens correspondentes e isso vai gerar advinhem o q? INFLAÇÃO a longo prazo, pois não tem mais como a ancora cambial e de juros ( o tal plano real ) sustentar essa lógica nefasta.

A China é o que é pq tem mão de obra escrava e suga dinheiro do mundo todo é o que devemos fazer! PRODUZIR barato e vencer a guerra comercial de produtos de baixo custo e básicos como roupas , remedios e alimentos. O RESTO é superfluo e ilusao, vejam qto custava um CHIP e qto custa hj! Vejam qto custa um kilo de feijão kkkk

Abs

DAP

FrancoAtirador

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Abaixo, uma narração em forma de depoimento sobre a China, na atualidade.

O texto é um verdadeiro testemunho da nova realidade sócio-econômica chinesa.

Em relação ao poder aquisitivo, ao estilo de vida e aos costumes chineses, em geral,
desmistifica, em grande parte, algumas visões e interpretações equivocadas,
plantadas pela mídia oligárquica ocidental, fundamentalmente a partir dos EUA.
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A China que estou vendo

Por Sérgio Kodato*

Em três artigos tentarei mostrar ao leitor as impressões que estou tendo da China nesta viagem de estudos feita com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e da FFCLRP da USP.

Apreciarei e muito que os leitores façam comentários no blog formulando questões sobre a China que vive uma situação “sui generis” pois continua comunista na organização social e altamente capitalista na sua economia.

Beijing, capital da China tem uma história de 3000 anos e congrega monumentos históricos famosos, bastante visitados, lado a lado com gigantescos arranha-céus, modernos shopping-centers, imensos condomínios residenciais, centenas de fábricas e uma vasta periferia, onde se vê muita sujeira, cachorros abandonados, mas não se vê indigentes, alcoólatras ou crianças famintas e pedintes.

Minha experiência na China foi surpreendente desde o início: desembarcando no aeroporto de Beijing, ao trocar dólares por yuans, na proporção de um para sete, percebi que a valorização da moeda americana em relação à local, tornava tudo bem barato, para o nosso poder aquisitivo.

Para se ter uma idéia, convertendo para o real, a passagem de ônibus custa 30 centavos; o metrô: R$0,60; taxi em trajeto longo: R$10,00; uma refeição num restaurante bom: R$10,00; uma calça jeans: R$20,00; um blusão de nylon acolchoado R$25,00; um blusão de couro de grife: R$150,00; apartamento individual num hotel bom: R$60,00.
Se na Europa 200 euros são gastos em 2 a 3 dias, aqui na China eles se transformam em 2000 yuans, que cobrem tranqüilamente gastos de duas semanas.

Além disso o pessoal do hotel em que havia feito a reserva, foi me buscar no aeroporto, evitando transtornos de demorar a achar o local, ainda mais num local estranho, em que não lia e nem falava o idioma local; correndo o risco de ficar rodando de táxi pela cidade.

A receptividade do pessoal do hotel era uma pequena amostra da amabilidade do povo chinês; nunca vi tanta gente de boa índole, educada e bem humorada em toda a minha vida.

Pelo menos aqui em Pequim não há roubos ou violência nas ruas, ninguém bate a carteira de ninguém, ninguém fica mexendo com as mulheres gratuitamente, não há alcoólatras ou crianças pedintes, não há discriminação de espécie alguma.

Muito pelo contrário, o que vigora aqui é a cordialidade e solidariedade nas relações sociais.
No metrô se vaga um lugar para sentar, as pessoas te avisam.
Se esquece alguma coisa em um estabelecimento, eles vem correndo atrás te chamar.
Se você se confunde com as notas e dá menos dinheiro para pagar uma conta, te corrigem e dão risada.
São muito espontâneos e sorridentes.

Demorei uns quinze dias para me curar da paranóia que corre solta no Brasil.
Ficava fantasiando que o pessoal do hotel poderia roubar meu computador, que poderiam clonar meu cartão de crédito, que o chá que oferecem nas lojas e shoppings poderia conter algum sonífero ou droga, mas relaxando foi possível usufruir e se divertir nessa bela cultura milenar.

A malandragem aqui não corre solta como no nosso país.

*Sérgio Kodato é Professor Doutor da USP – FFCLRP

http://galacta.org/literatura/china-que-estou-ven

    FrancoAtirador

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    Em artigo subseqüente, Sergio Kodato, Professor de Psicologia Social, complementa a narrativa, tratando da importância da educação no desenvolvimento econômico e cultural da China.

    O professor frisa, também, os efeitos do capitalismo ocidental sobre a cultura chinesa, fundamentalmente no que se refere à relação direta entre consumismo, mudança nos hábitos alimentares e os efeitos prejudiciais à saúde física e mental da população.

    Por fim, faz uma observação sobre como a legislação chinesa cuida dos casos de corrupção na China:
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    A China que estou vendo (2)

    Por Sérgio Kodato*

    Atualmente a República Popular da China conta com uma população de 1 bilhão e 277 milhões de habitantes;
    apresenta um sistema educacional que fixou em 9 anos o ensino básico obrigatório em período integral;
    sua taxa de analfabetismo é de 6,72%;
    tem 10,9 milhões de professores formados
    e atende 219,4 milhões de estudantes universitários e alunos em geral.

    A partir de 1978, o governo não só fez a crítica da Revolução Cultural, quando até mesmo comercializar ovos era considerado um ato capitalista condenável, e implantou o liberalismo econômico que levou a producao de taxas de crescimento anual na casa dos 10% do produto interno bruto.

    Isso levou a formação de uma classe média próspera e consumista, algumas dezenas de bilionários e um sentimento entre os jovens que o futuro será melhor que o presente.

    A introdução e expansão dos restaurantes de comida ocidental (MacDonalds, KFC, Pizza Hutt, etc.) e 'o estilo de vida western' preocupam as autoridades sanitárias, pois os índices de doenças cardíacas, cancerígenas, hipertensão vêm aumentando assustadoramente.
    Vêm crescendo também os casos de transtornos de ansiedade e depressão, bem como de violência doméstica, o que indica que o crescimento econômico e o consumismo trazem junto os males da civilização ocidental.

    Se nos restaurantes sofisticados de shopings, uma refeição de sopa com macarrão pode custar de 35 a 50 yuans, esse mesmo prato pode ser encontrado nos mercados populares por 3 yuans.

    Como nos restaurantes populares não existe cardápio em inglês, adquiri um dicionário de bolso inglês-chinês, escolho a palavra chave em inglês, por exemplo noodle (macarrão) e mostro o ideograma em chinês, correspondente. Como, mesmo nos setores mais pobres e populares, todos sabem ler, tenho sido perfeitamente entendido e entabulado conversações mais complexas através desse singular método.

    Já estou aqui em Beijing ha mais de um mês e meio e nunca fui maltratado, discriminado, ninguém me olhou de cara feia, nenhum policial me parou para me revistar.

    Acho que tudo começa com a educação, tenho ficado emocionado com o carinho e paciência demonstrado pelos pais para com seus filhos pequenos.

    Além disso um importante detalhe para a auto-estima de um povo e para os cofres públicos é que aqui atos de corrupção, acima de 50 milhões de yuans, são punidos com a pena de morte pelo bem da nação.

    Anualmente são executados 5 mil chineses que se envolveram em corrupção.

    Já pensaram quantos dezenas de milhares seriam executados no Brasil ?

    *Sérgio Kodato é Professor Doutor da USP – FFCLRP
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betinho2

Franco Atirador
Quando o Brasil foi a "default" por 3 vezes a receita do FMI continuava sendo a privataria fernandina. Agora na Grécia quebrada a receita é a mesma, assim como Portugal, Espanha e os outros quebrados. Certamente a receita para os EEUU deveria ser a mesma. Acontece que lá a receita não tem como ser aplicada, vai ser quebra definitiva, pois vão privatarizar o que, se lá é um estado enxuto (pobre de maré..rsrs), não tem patrimônio. Nem o Fed é estatal, não tem uma Petrobras, um Banco do Brasil, uma CEF. Sejamos felizes com os demontunganos privateiros longes do poder.
Aos EEUU só vão restar os neocolonizados fernandinos que formaram mundo a fora. Mas terão algum valor como moeda de troca?…rsrs.
Quanto pedirão por exemplo pelo(a) Carmem Leporaca?

    FrancoAtirador

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    Caro Betinho2.

    Os EUA estão queimando os últimos cartuchos
    que ainda restam aos norte-americanos.

    Olha só o desespero deles:

    Associated Press
    16/05/2011 16:33

    EUA atingem teto da dívida e suspendem investimento em fundos de pensão do governo

    WASHINGTON – O secretário do Tesouro americano, Timothy Geithner, afirmou nesta segunda-feira que vai suspender imediatamente os investimentos em dois grandes fundos de pensão do governo para que o governo possa continuar a pedir dinheiro emprestado.
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    Agora, tu já pensaste se a China resolve trocar os dólares por yuans ?
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    EUNAOSABIA

    Olha pro teu rabo, Dilma está privatizando os aeroportos e as estradas privatizadas pelo PT não investem e mesmo assim têm o valor do pedágio reajustado.

    Vai te informar rapaz… não passam de planfeteiros medíocres.

FrancoAtirador

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Eis a questão:

Diante da iminente insolvência dos EUA

e uma provável moratória da dívida norte-americana,

o que farão os chineses ?

A China parece tão tranqüila…
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BBC Brasil
31/05/2011

Os Estados Unidos alcançaram o seu limite legal de endividamento, de US$ 14,3 trilhões (cerca de R$ 23,2 trilhões).

Nesta terça, a maioria dos representantes (318 contra 97) votou pela rejeição à proposta feita por Obama para aumentar o limite da dívida sem precondições.

O Departamento do Tesouro advertiu que, se o Congresso americano não elevar o limite até agosto, aumenta o risco de que o país se torne inadimplente.
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Prensa Latina
01/06/2011

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, analisa com membros da Câmara de Representantes o orçamento da dívida do país, cuja cifra recorde supera os 14 trilhões de dólares.

O teto do endividamento nacional – atingido em fevereiro – ronda os 14,3 trilhões de dólares, sem que se observem medidas concretas para frear o déficit orçamental crônico, destaca o jornal The New York Times.
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Reuters
02/06/2011

Moody's pode colocar rating dos EUA em revisão para corte.

Agência dá prazo para melhora da situação até julho.

Chance de que o país não pague suas dívidas está aumentando.

A agência de classificação de risco Moody's alertou nesta quinta-feira que há uma chance crescente de que os Estados Unidos entrem em "default", caso não aumentem o limite estatutário da dívida nas próximas semanas.

O anúncio da agência de classificação de risco ocorre após um alerta similar dado pela Standard and Poor's.
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    Lucas

    Os EUA só tem que aumentar (pela enésima vez) seu limite de dívida, e se resolve o problema. Já fizeram isso antes, e essas agências de risco já ameaçaram diminuir o ranking deles antes. Bretton Woods deu a eles uma fábrica de dinheiro ilimitada. Eles só precisam imprimir mais e mais dólares pra continuar pagando seus juros, e ninguém vai se importar que a dívida deles já está muito maior que o PIB.

    Isto é, como você aponta, ninguém vai se importar até a China decidir que está na hora de dar o bote.

    E aí a gente vai ter que começar a fazer curso de mandarim.

betinho2

Perai…tem algo de errado nessa analise.
Se a China, ao aumentar sua reserva (poupança) em dólar, mantém sua moeda (câmbio) sub valorizada, por que no Brasil, que também (como Nunca Dantes) está aumentando sua reserva, e também aplicando em títulos americanos, está acontecendo exatamente o contrário?…Será porque os de lá tem os olhinhos puxados?…Esses economistas já não sabem mais o que falar. Seriam mais acertivos se dissessem:
"artificialismos, expeculação e estelionato economico da grande banca"

    alexandre

    os chineses impõem controles de capitais, o Brasil não.

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