
por Antônio David, especial para o Viomundo
Em artigo publicado na Folha de São Paulo (a) em 21/5, o ex-reitor da USP, João Grandino Rodas (2010-2013), falta com a verdade ao abordar a crise orçamentária por que passa a universidade.
Sem rodeios:
1) “Desde a instituição da autonomia, os gastos na USP com despesas de pessoal têm representado, em média, 85% do orçamento anual. Esse alto percentual, que em períodos de queda da arrecadação chega a 100% /…/”
A arrecadação do ICMS não sofreu queda alguma nos últimos quatro anos e, em particular, no último ano, como comprova a Secretaria da Fazenda de SP (b): “A arrecadação acumulada nos doze meses terminados em março [de 2014] apresentou aumento de 2,0% em comparação aos doze meses imediatamente anteriores. A receita acumulada no primeiro trimestre [de 2014] cresceu 4,6% frente ao mesmo período do ano passado”.
O próprio Anuário Estatístico da USP comprova o que estamos dizendo (c): veja-se: “Orçamento”, “tabela 7.01”. Ademais, o orçamento do Estado para 2014 prevê aumento da arrecadação do ICMS (d).
2) “Frise-se, ademais, que o crescimento do percentual de dispêndio com pessoal não decorre apenas de correções salariais e eventuais reestruturações de carreiras, mas também de novas contratações de docentes e funcionários requeridas pela expansão das suas atividades”.
Segundo o Anuário Estatístico da USP (c) (“Informações Demográficas”, “tabela 2.10”), em 2010 havia 5.865 docentes na ativa; em 2013, 6.008. A diferença é de 143 docentes. Isso não quer dizer que nesse período tenham sido contratados 143 docentes, pois houve aposentadorias nesse intervalo de tempo. De qualquer maneira, é o saldo do docentes na ativa da gestão Rodas. Um saldo de apenas 2,4% em 4 anos.
Segundo o mesmo Anuário Estatístico (“Informações Demográficas”, “tabela 2.13”), em 2010 havia 16.187 servidores não docentes; em 2013, eram 17.451. Da mesma maneira, descontam-se aqui as aposentadorias. Um saldo de 7,8%.
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No entanto, se repararmos bem nessa mesma tabela 2.13, constataremos que, na verdade a Reitoria (que aparece como a sigla “RUSP” em “E – Órgãos Centrais – Direção e Serviço”) é que teve um saldo considerável de novos servidores. Em 2010, eram 1112; em 2013, 1730. Ou seja, 618 servidores a mais.
Não é claro, pela tabela, se os servidores de cinco órgãos (CCE, CIAGRI, CIRP, CISC e STI), que até 2012 constavam da tabela, foram incorporados à Reitoria em 2013. Ainda assim, se descontarmos esses 326 servidores, temos 292 servidores a mais. Além disso, dos 1112 servidores da Reitoria em 2010, 425 tinham nível superior (e) (Anuário Estatístico 2011, tabela 2.14); em 2013, já eram 898 servidores técnico-administrativos vinculados à Reitoria com nível superior.
Em suma, enquanto o saldo de docentes foi de 2,4%, na gestão Rodas cresceu em mais de 100% o contingente de servidores técnico-administrativos com nível superior vinculados à Reitoria. Esse dado suscita inúmeras indagações.
Convém ainda dizer que a dita “estruturação da carreira”, no caso dos servidores não-docentes, contemplou apenas uma parte destes, e não a maior parte.
***
Não quero concluir o presente artigo sem fazer duas ponderações finais:
1) “Esse alto percentual, que em períodos de queda da arrecadação chega a 100%, é uma disfunção que decorre, de um lado, dos riscos inerentes ao modelo de financiamento”.
O ex-reitor não diz abertamente, mas depreende-se dessa frase a ladainha conhecida. Por “modelo de financiamento”, no caso, entenda-se financiamento público. Não surpreende que, com a crise orçamentária, editoriais de jornais de grande circulação e supostos especialistas voltem a pregar que a USP deveria cobrar mensalidade. Reproduzem o mesmo pensamento colonizado de sempre: se é assim nos EUA, então é bom e o Brasil deveria imitar.
2) /…/ decidiu-se – com a aprovação dos órgãos colegiados em que tinham assento os atuais dirigentes da USP /…/” e “/…/ e desta feita com a aprovação unânime do Conselho Universitário /…/”.
Nesse ponto, dou o braço a torcer: o ex-reitor tem total razão. Se ele governou a USP como um monarca absoluto ou, se preferirem, um “xerifão” (f), ele o fez sob o silêncio conivente do Conselho Universitário, no que se inclui o atual reitor, Marco Antônio Zago. Durante a gestão Rodas, Zago ocupou um algo cargo na Reitoria, nomeado pelo próprio Rodas.
Incompetência, incompetência, incompetência. Essa é a marca da atual crise orçamentária da USP. Não é estranho que uma crise dessa natureza tenha sido causada sob o olhar de órgãos tidos como o supra-sumo da meritocracia?
Ao fazer questão de lembrar que as decisões tomadas por ele deram-se sob “a aprovação dos órgãos colegiados”, o ex-reitor apenas comprova o que a maioria na USP diz há muito tempo: a estrutura de poder da USP precisa mudar, a começar pelo Conselho Universitário, onde os estudantes e servidores não-docentes devem ter real representatividade. No fundo, é ai que reside a causa da crise que neste momento acomete a USP.
Antônio David é estudante de pós-graduação em filosofia na USP, foi diretor do DCE-Livre da USP “Alexandre Vannucchi Leme” entre 2003 e 2005.
(a) http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/05/1457435-joao-grandino-rodas-o-orcamento-da-usp.shtml
(b) http://www.fazenda.sp.gov.br/relatorio/2014/abril/analise_icms.asp
(c) https://uspdigital.usp.br/anuario/AnuarioControle#
(d) http://www.valor.com.br/politica/3290386/sp-orcamento-para-2014-preve-aumento-na-arrecadacao-de-icms-e-ipva
(e) https://uspdigital.usp.br/anuario/br/acervo/AnuarioUSP_2011.pdf
(f) http://www.usp.br/imprensa/?p=17147




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