Andrés Sánchez dá um rolezinho no Harrods

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Gordon Gekko: “Eu me amo”

por Luiz Carlos Azenha

Modéstia não é o forte do ex-presidente do Corinthians, Andrés Sánchez. Talvez ele não deva mesmo ser modesto, que isso é coisa de puritano. Sánchez, que saiu da torcida organizada Pavilhão 9 para a presidência de um dos clubes mais importantes do mundo, gosta de demonstrar seu poder. Caso contrário, qual seria a graça de ter poder?

O mundo do futebol é assim mesmo. Não basta ter poder, é preciso demonstrá-lo. Quando ainda não sabíamos que ele tinha embolsado alguns milhões de dólares em propina, o ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira, se via como vítima de inveja. Vestindo chapéu de sociólogo, dizia que o negro pobre do Harlem torcia pela riqueza alheia, mas que o brasileiro não aceitava a ascensão social do vizinho. Logo ele, que nunca passou de Orlando.

Andrés ainda nem chegou lá, mas tem planos.

Ouvido por Ben McGrath, da revista New Yorker, numa recente reportagem sobre o Corinthians, Sánchez deu um rolezinho imaginário no Harrods, a loja de departamentos que é símbolo de opulência em Londres.

Previu a decadência dos clubes europeus, a perda do monopólio dos melhores jogadores e afirmou que o campeonato brasileiro será logo invejado no planeta. Ao leitor novato em futebol esta declaração certamente se chocará com outro trecho da reportagem, em que o autor escreveu que a média de público do Campeonato Brasileiro é menor que a da liga de futebol dos Estados Unidos!

Há ainda um bom caminho a percorrer.

No afã de impressionar o gringo ou talvez tomado pelo entusiasmo de quem em breve terá um estádio novinho em folha, Sánchez se esqueceu que os direitos de transmissão da TV representam a fatia mais gorda do faturamento de qualquer clube grande. No Brasil, o monopólio da Globo deprime o preço dos direitos. Portanto, a não ser que esteja disposto a peitar a Globo, Sánchez dificilmente verá seu sonho realizado. Ah, mas o Corinthians conseguiu um contrato extraordinário, o melhor do Brasil! É justamente aí que mora o problema.

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O Corinthians não será um clube de envergadura mundial consistente se fizer parte de uma liga depauperada. Pode até ganhar do Chelsea ou do Barcelona, eventualmente, mas nunca será capaz de gerar sozinho as receitas necessárias para sustentar elencos como os do Chelsea, do Barcelona ou do Manchester United. Isso porque as ligas europeias faturam com a TV, em escala mundial, uma enormidade em relação ao que o Corinthians ganha no Brasil. Fazem isso por oferecerem espetáculos muito superiores aos que são vistos no Brasil. Mais público, mais verba.

Sánchez parece no caminho certo, muito embora em nome do esporte talvez devesse conter, publicamente, seu entusiasmo com o comercialismo descarado. Ao repórter da New Yorker, disse que o Itaquerão é um shopping center com um campo no meio. Pobre torcedor sem dinheiro.

De qualquer forma, o cartola pegou o espírito das ligas norte-americanas. A ideia é arrastar as famílias para dentro das arenas e arrancar cada centavo do bolso, como fazem os cassinos de Las Vegas.

Porém, dentre os dirigentes esportivos gringos, o espírito coletivo resiste.

Eles sabem que dependem uns dos outros para fazer o negócio sobreviver a longo prazo. Por isso, a cartolagem norte-americana investe no equilíbrio dos campeonatos. É este, por exemplo, o motivo do draft, aquela escolha anual dos jovens talentos que pretendem se profissionalizar. Em geral, o jogador novato mais desejado vai para o time pior classificado na temporada anterior. Isso leva o torcedor do New York Knicks a acreditar que seu time, ruim este ano, pode muito bem ser o campeão na próxima temporada.

Por maior que seja a rivalidade entre New York Yankees e Boston Red Sox no beisebol, por exemplo, os dirigentes dos dois clubes trabalham não pela destruição do adversário, mas por uma competição acirrada que anime o público e gere audiência na TV. Trabalham por um jogo equilibrado. Em nome dos bons negócios. Em outras palavras, o fato de o Corinthians ter obtido um reajuste extraordinário em seu contrato com a Globo não significa, necessariamente, que o campeonato brasileiro de 2014 será melhor que o anterior.

A reportagem da New Yorker, diga-se, não é lá essas coisas. Repete as platitudes de sempre sobre o Maracanazo e o “jogo bonito”. A revista sempre teve a tradição da delicadeza para sublinhar as contradições dos retratados, mas talvez o público de hoje, acostumado à linguagem maniqueísta da internet, não queria mais saber de nuances.

O repórter foi salvo pelo impagável Luis Paulo Rosenberg, cuja modéstia salta aos olhos dos leitores.

“Definitivamente, fui o primeiro PHd”, diz ele sobre os cargos que ocupou no Corinthians, como diretor de marketing e em seguida vice-presidente.

“Eu já tinha todo o dinheiro de que precisava, todas as posições no Brasil — meus clientes eram grandes multinacionais –, mulheres fantásticas, crianças lindas, os melhores automóveis, mas eu nunca tinha tido um campeão latinoamericano. Eu não tinha um estádio!”

“Dirigir o Corinthians deve ser comparável a dirigir um puteiro. O que mais você pode pedir a Deus?”

“O bastardo do técnico decidiu que isso [a vinda do chinês Zizao] era interferência, que ele ia ficar desmoralizado, que a decisão de trazer o jogador tinha sido do marketing, que ele não era tão bom assim. E colocou o cara no banco!”

“Os jogadores fornecem o espetáculo de vídeo e os Gaviões [da Fiel], o áudio. É justo que eles tenham desconto [nos ingressos]. Estão lá para trabalhar”.

No topo do mundo, feito o Gordon Gekko do filme Wall Street: “Greed is good”.

Ficou claro que a dupla Andrés-Rosenberg está muito interessada em fazer dinheiro. O presidente, que prevê superar  Real Madrid e Mancheter United em quatro anos, pensa em expandir o Corinthians montando uma franchise na liga norte-americana de futebol.

Esse Andrés ainda vai passar de Orlando!

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